terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A banda

"Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor"



A banda passava. Mas não ligava. Mal a escutava. Tinha acordado a pouco tempo. E já estava incomodado com uma gritaria que surgia lá na rua. Devia ser a banda passando. O tempo da banda passou, pensou. Não lembrava da última vez que foi feliz. Já se acostumara com a tristeza e ficara amigo dela. E as pessoas viraram um retrato jogado. Não se importava. Não compreendia os sentimentos alheios. E esquecia dos seus. O seu amor, encolhido e assustado, no canto da sala. Era uma menina com medo de brincar lá fora, apenas escutando os trovões e vendo os clarões dos raios de um céu que já foi todo azul. Era uma mulher abandonada que chorava pelos cantos da casa, querendo um pouco de atenção, e quem sabe um pouco de carinho. Ainda ouvia os choros pela casa. Ainda via as lágrimas cairem. Mas nada como um café bem forte para te acordar.
Lá fora era tudo diferente. A banda estava passando. E cantava coisas de amor. E todos as pessoas que sofriam, esqueciam da dor. Um homem rico, com certeza o mais rico da cidade, estava contando o seu precioso dinheiro, quando a banda o pegou de surpresa. Começara a jogar todo o dinheiro para alto em um ato de alegria tão devastador, que não sabia o que estava fazendo. Estava louco. E curtindo a própria felicidade. O mais impressionante é que ninguém pegou uma nota siquer do chão. Elas eram pisoteadas pelas pessoas despreoucupadas e embaldas pela música sedutora e pelo canto exacerbado e exagerado. Um homem que contava vantagem sobre tudo, parou. Não pensou, e nem hesitou. Apenas saiu cantando. A mulher apaixonada esperava ansiosa pela banda. E quando ela chegou, não sabia para onde ir e nem o que fazer diante de tanto amor. Parou de contar as estrelas e acompanhou a banda, dançando e se entregando a cada palavra cantada. E a moça triste que já não tinha esperança, pode sorrir para a banda que cantava coisas de amor. Foi contagiada pela alegria de todos. Uma rosa fechada foi se abrindo com o ritmo da banda. Um homem feio pegou a rosa e sorriu. E a mulecada passava correndo de um lado para outro, pensando que todo mundo estava doido. Um velho chato que sentava em uma cadeira de balança que fazia um barulhinho irritante, levantou. Ninguém acreditou. Mas ele pensou que era jovem e pulou. Nâo sentiu nenhuma dor. Dançou e se esbandou. E uma moça feia apareceu na janela, esperando que a banda desse alguma coisa para ela. E na expectativa, a banda passou. Logo depois, um homem feio veio com uma flor e entregou para ela o seu amor. E a alegria se espalhava por onde a banda passava. A lua cheia veio ver o que se passava e surgiu. A cidade toda se animou, se fantasiou e sonhou para ver a banda passar, cantando coisas de amor.
Depois do café, não conseguia tirar sua atenção da banda. Aquela música e aquela agitação, já o conquistara outros dias, e por mais que tentasse viver aquela mesma vida com a qual se acostumou, lembrava-se de tudo o que viveu. E o seu amor, uma mulher e o seu pranto. Tomou sua mão, e queria o levar para ver a banda passar. Ele relutou. Mas foi dar uma espiada na rua. E quando viu, a mulher já cantava as coisas de amor. Chorando e sorrindo. E uma alegria sem vergonha chegava. Sabia todas as letras, e todas as melodias. E se inspirou na felicidade das pessoas para compor a sua música de amor. E se inspirou no amor que sentia para viver a sua vida. Cantava como sempre fizera. E foi feliz como sempre foi.
Porém, a banda já estava de partida. E tudo o que era doce, acabou. A banda passou. E tudo voltou ao normal. As pessoas disputavam o dinheiro jogado no chão, sujo e imundo. O home rico gritava dizendo que tudo era dele, e que ninguém pegasse. NInguém ouvia. E o outro homem continuou contando vantagem sobre o seu sucesso. A mulher apaixonada esperava que a banda voltasse. A moça triste parou de sorrir e sumiu. E cada um foi para o seu canto, viver a sua dor.
E sentiu a velha tristeza quando a banda foi embora. Nâo queria mais aquilo. E sem pensar duas vezes, foi embora com a banda, cantando coisas de amor por ai.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Trem da loucura

Um homem de uma estação com sua alma de poeta olhando para os trilhos, disse:
- Quanto mais loucas, incompreensíveis, desconexas, apaixonadas, sem sentido, eufóricas, agitadas, livres, soltas e cheias de umas vida inexplicável forem as palavras escritas mais elas estão carregadas de sentimento.


O trem da loucura vai passar
quando você menos esperar.
Ele vai te pegar pela mão.
E vai te levar para onde quiser.

Vai para lugares que nunca esteve.
Vai fazer o que nunca fez.
Vai conhecer o que nunca conheceu.
Olhando apenas pela janela.

Ainda está na estação com um aperto no coração?
Esse trem não tem hora, sentido ou direção.
As portas sempre abertas como o vento.
E todos vão gritar: Vamos?

E com todo o amor, o trem vai começar andar.
E você vai sentir a liberdade não reprimida de tanto tempo
contagiar todas as pessoas que embarcaram
e bagunçar suas vidas com um sorriso que esperou muito para aparecer.

Ele passa por todas as estações perdidas.
Pedindo um pouco de amor.
Para continuar sobre os trilhos e nunca mais parar.
Vamos olhar pela janela?

E ver o sol acariciando o rosto da lua.
Abraçando com seus raios.
E beijando com seu calor.

As estrelas cantando canções
com um violão, um chocalho e um pandeiro.
Jogando para um mundo borrado.
Todo o amor escondido sobre lençóis.

E a flor que nascia.
Não era pisada.
Era admirada.
Era desejada.
E era amada.
Não por sua beleza.
E nem por sua graça.
Mas porque nasceu
no meio da nossa loucura.

E a tristeza logo não aguentava e sorria.
Era uma felicidade compartilhada.
E ninguém ficava para trás
escondido atrás da cortina.

O trem da loucura está passando.
E vai escutar o seu lamento.
Todas palavras vão sair pela janela.
Vai abraçar sua dor com força
para ela explodir em mil pedaços
que cairão em ombros conhecidos.

E o trem da loucura avança sobre seus trilhos.
Oferecendo um pouco de sua loucura.
Para encontrar outras loucuras e se misturar.
Vamos olhar pela janela?

Como é bom ver um sorriso
em um rosto amigo.
Onde será que o trem vai chegar?
Ainda há vários destinos.

Daqui de dentro.
A vida lá fora.
Passa como um filme entediante
de um cinema vazio.

São vidas frágeis tocadas.
com mãos calejadas
Nunca cantadas.

Presas em jogos de culpa.
De lados distintos.
De lados opostos.
Do mesmo sentimento.

O trem da loucura está vindo.
Está perto.
Descoberto.
Aberto.

Quando nos encontrarmos.
Dentro dos olhos.
Um do outros.
A cada ritmo de uma piscada.
Vamos olhar pela janela?

E esticar a mão para fora...

Ser pescador em Trindade

Poucas pessoas no salão
E amor guardado em garrafas vazias
muitas garrafas pelo chão

Encostado na pilastra
sem cheiro de rosas
com uma garrafa de cerveja na mão
enchendo com gotas arrastadas
o meu copo, sem emoção

O alcool me acaricia
faz cafuné
uma mãe mimando seu filho

E uma solidão imensa
que nunca tinha sentido
chega pelas entranhas da noite
e fica nos meus olhos de sono

E sem palavras de afeto
Dá vontade de ir
Ser pescador em Trindade

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

No meio da natureza

Era uma montanha e um longo caminho até o céu. Sabia que ia subir por essas curvas que nem sempre vão para os mesmos lugares e que seu corpo talvez não aguentasse a fadiga. Mas isso era um detalhe que não tinha importância. Ele precisa respirar. E sabia que ia respirar um ar que seus pulmões não estão acostumados. Ia viver sensações que seus sentidos não estão acostumados. E como isso tudo o empolgava. Sabe aquelas coisas que você anseia para fazer e que te dão um ânimo para viver? Essa era uma delas. E bem cedinho ele acordou. Há muito tempo que ele não tinha disposição para acordar cedo. Mesmo estando de ressaca. Mas só de imaginar o que estava por vir, um sorriso já aparecia e toda a disposição do mundo estava ao seu lado. Ele estava fazendo o que queria, o que gostava e isso o revitalizava. Tomou um banho demorado. Colocou uma roupa bem leve, por causa do calor. A persiana do quarto ainda estava abaixada. Mal podia esperar para ver o sol junto com o céu azul e poucas nuvens produzir uma alegria de criança. Levantou a persiana com gosto e viu aquele céu. Parecia tão diferente e igual. E os raios tocarem imediatamente seu rosto. E o calor foi até intenso, misturando com calor do seu próprio corpo. E os olhos se fecharam por causa do sol forte, e ficou só sentindo o calor aumentar. Pegou sua mochila. E tudo o que precisa. Arrumou tudo. Sua boca estava muito seca. Bebeu toda água que pode. Estava pronto. Talvez já estivesse há muito tempo. Encontrou um amigo em sua rua. E lá foram os dois. Pegaram dois ônibus para chegar em uma reserva. E todas as árvores estavam juntas. Pareciam que estavam uma de mão dada com a outra. E fomos em frente, entrando na natureza.
Não existia um silêncio. Era como se fosse um canto. Como se todos os seres vivos presentes cantassem suas canções. Sabe o que era mais incrível? Podíamos ouvir as canções. Cada melodia, suas nuances, leveza e expansão. Estava em todo o lugar. Era muito agradável. E cada um tinha algo para cantar, e cada canção era diferente. Daria para passar o dia inteiro parado só ouvindo o canto de todos. Mas no meu íntimo, sabia que havia muito mais coisas a descobrir. E começamos a caminhar. Para mais perto do céu. E logo começou a perceber que o tênis que usava estava machucando o pé. O tirou. Pisou na terra misturado com restos de plantas e outros animais. Era fofa. Sabia que seu pé estava exposto. Feridas viriam. Mas sentir a terra a cada passada era único. Como era gostoso. Às vezes a terra cobria o pé, em outras o solo era duro e estável. O seu pé já se misturava à lama, terra e todo o tipo de restos de areia. Havia pedras pelo caminho, e seu pé sempre firme em cima delas. Depois de enfrentar algumas pedras de um pequeno córrego, eles chegaram a uma cachoeira. E o vento das águas balançava nossos cabelos e refrescava nossos rostos. Era uma pequena cascata que parecia uma mulher nua e as suas águas caiam com o peso de seus amores, e não se importava com quem estivesse a observando. Na verdade, suas águas seduziam os meus olhos, e me convidam para prová-las. Não resisti e nem queria. Tirei a camisa e deixei as águas dela lavarem minha alma. O lugar era meio fechado, mas dava para ver uma pontinha do céu. Deitei em uma pedra e enfim meu corpo descansava. Bebemos um pouco de água. Logo depois, continuamos. Voltando pelas mesmas pedras que passamos. Já estava criando bolha no meu pé. Mas nem percebia e nem queria. Voltou à terra molhada e fofa, e a pouca dor não aparecia.
Subindo até o céu. Não que o céu fosse um lugar especial. Mas sabe quando alguma coisa te encanta e você quer tocar para ver como é? Era bem isso. A cada passada, um sentimento de êxtase possui meu corpo e uma felicidade feroz invadia a minha intimidade fazendo eu ir pelo o caminho que as árvores apontavam com suas raízes e galhos com leveza e simplicidade. Eu era um bodisatva, não daqueles que se concentram e se excluem de tudo e todos para chegar à iluminação. Mas que sentia que toda iluminação estava de algum modo em tudo e todos, e tentava extrair naturalmente com os sentidos. Os insetos picavam sua pele. Mas nem percebia e nem queria. E em todo o lugar as águas não paravam de declamar poesias de amor, às vezes, até sussurrando no meu ouvido. Escalamos pequenos morros, encontramos vários córregos e um pequeno lago com uma cachoeira. Subíamos até o céu. Cansados e exaustos, mas felizes. De tanto andar, chegamos em uma gruta. Mesmo estando suados, logo que entramos na gruta, um frio intenso arrepiou nossos pêlos e abalou nossa subida. Foi à única vez que lembrei de algo fora de tudo o que eu vivia agora. E com certeza não era uma lembrança boa. Daquelas que nós damos risadas e lembramos com gosto. Era uma lembrança do meu eu. A gruta estava escura, e dava para me ver jogado no canto sentado. Tinha acreditado fielmente em mim que não dei mais atenção aos outros, e a mais nada. Já tinha desesperadamente conseguido todos os prazeres do mundo, e agora a insatisfação não acabava e com ela eu me alimentava. Ficava contando para mim mesmo o que eu já tinha feito. Quando descobriu que ninguém valia a pena, fiquei só comigo mesmo. E nas profundas torturas do seu orgulho, a tristeza escorria para debaixo de um coração fechado em sua própria gruta. E todo esse pensamento me paralisou. Meu amigo me deu um tapa nas costas, chamando minha atenção. Olhei para ele, e saímos da gruta. Perguntei como ele estava se sentido. Ele apenas sorriu. Continuamos subindo.
E o dia cada vez mais lindo, o céu cada vez mais azul. O sol mais intenso e escaldante. Um pouco mais de subida, decidimos parar um pouco. Tinha uma pequena vista que não estava coberta pelas árvores. E de lá, dava para ver uma linda cachoeira que jogava suas águas com a força e se estendia até lá embaixo. Apesar da força, ela descia graciosa. Desviando de seus obstáculos e chegando até o fim. Ficamos parados muito tempo, apenas observando. E aquela vontade de se enroscar com suas águas, que junto com outras cachoeiras e rios declamavam a todo momento versos de suas vidas, emanava do fundo de nossos desejos mais íntimos. Os raios solares tocavam naquelas águas de um modo delicado e doce que refletia seu gesto para todos os lados do mundo. Eles sabiam que estavam sendo observados o tempo todo pelas pessoas que passavam. Eles queriam ser vistos por olhos apaixonados. E não tinha como não se apaixonar por eles. Todos que passavam ficavam surpresos e admirados. Decidimos continuar. E já estávamos perto do céu. Fomos para o ponto mais alto que podíamos. E quando chegamos vimos quem eram os loucos. Um grupo de pessoas estranhas vestidas com roupas mais estranhas ainda não conseguiram se segurar. E estavam dançando uma dança desconhecida que era um agradecimento por todo amor compartilhado por eles nesse lugar que tinha os acolhido. E tentavam imitar o canto de todos os seres dessa floresta. Quando mais nos aproximávamos deles, eles iam deixando de ser estranhos e no meio do ar mágico que surgia, nós abrimos todos as nossas portas fechadas. E tudo o que poderíamos pensar de tudo e deles não caberia mais em nossas mentes. Nessa hora, olhei para o céu. Não era eu que estava tentando chegar a ele. Mas, ele que queria chegar até mim. E quando chegou, me abraçou forte. Como se soubesse quem eu era desde sempre. Como se fossemos grandes amigos de infância. Como se me conhecesse desde a primeira vez que nos vimos. E sem pedir nada em troca, me ofereceu todo o azul que ele tinha.

domingo, 29 de novembro de 2009

Mudar a mudança

Não saberíamos dizer
se tivéssemos as palavras.
Não queríamos saber
se tivéssemos algumas.

Mundos novos
se encontravam.
Um tanto intensos
se chocavam.

E a loucura de seus atos
seduziam todos os sonhos
que foram por estradas solitárias
e sentiam saudades dos que ficaram.

Não sabiam o que ia acontecer com suas vidas.
E não queriam saber mais do já sabiam.
Descobririam que um instante misterioso de amor
era suficiente para mudar uma vida inteira de dor.

E que um momento sutil de entendimento
pode mudar uma vida de desentendimento.
Diziam que estávamos perdidos.
Perdidos dentro de nós mesmos.
Achávamos uma pessoa diferente
que transformava nossos dias.

Era um beijo.
Ninguém queria parar.
Talve fosse eterno.
Ninguém ia parar.

Fomos para uma ponte baixa
jogar nossas lágrimas no rio.
Em nossa loucura, pulamos
promentendo não mais chorar.

Queríamos compartilhar a alegria
com todos aqueles que não a tinham
que a perderam em algum lugar do passado
e não conseguiram mais voltar sozinhos.

Queríamos mudar a mudança
de direção e sentido da vida de todos os envolvidos
nessa paixão contida por anos e anos.

Bêbados anônimos

"Todo grande escritor está sempre escrevendo o mesmo livro." Gabriel Garcia Márquez
Compreendi essa frase no momento em que terminei de lê-la.



Era feio. Míope. Usava um óculos bem estranho. Era fininho e com uma lente bem grossa. Era gordinho e não estava em forma como todos esperam. Havia aquela expressão de passividade em seu rosto pequeno. Com certeza, você não o acharia atraente. Faria aquela expressão de nojo quando ele passasse. E não daria a mínima chance dele falar qualquer coisa. Mas não foi isso que fez me interessar por esse individuo de uma hora para outra. Estávamos todos no bar. Não sei se todos, mas algumas pessoas. Havia pessoas que eu não conhecia. E toda hora pediam uma garrafa para aliviar a sede e o prazer dos que estavam esperando por isso a semana toda. Os copos sempre cheios, como tinha que ser. E então, ele me aparece. Com uma tristeza que arrepiava o meu alívio. Com uma frustração que invadia o meu espaço. Com os olhos cheios de água, daquelas que não aceitam cair em qualquer lugar. E diz que ama aquela garota. Apontou para ela. Ela estava pegando alguém. Entendi na hora. Acho que já tinha entendido. Não dava para negar que sentia o mundo dele desabar. E insistiu em falar do amor com um bafo de álcool e o um coração partido. Depois da decepção, vem logo o sentimento do foda-se tudo. Fada-se o mundo! Fada-se ela! Foda-se! E a raiva segue o seu percurso. Eu disse que era assim mesmo. Deve-se sofrer de amor pelo menos uma vez na vida, para saber que está vivo. Ele olhou para mim. Nesse instante percebi que ele tinha olhos bem negros. Difícil de perceber com os óculos a vista. Ele disse que todas as vezes que amou, sofreu. E não aguentava mais. E todas as mulheres que amou, nunca perceberam que ele estava ao seu lado escondido o tempo todo. Nunca souberam nem mesmo seu nome. Ele era à sombra delas. Amando-as à distância. Elas nunca souberam que foram amadas. Nunca perceberam que ele existia. Como poderia falar de algo tão intenso em tempos tão frágeis? Pediram mais cerveja. Os copos estão cheios, como tinha que ser. Como poderia falar do trem da loucura para pessoas tão sãs de seus caminhos? Disse que não sabia porque a amava. E não queria mais tentar compreender. Iria enlouquecer por expressar o amor em palavras vagas. Eu disse que entendia. Falei que ele iria esquecê-la. Sabia que era mentira, mas não sabia o que dizer. Ele disse que nunca esqueceu nenhuma. Lembrava de todas. Lembrava de como era amá-las. Essa lembrança fez aparecer um rápido sorriso no meio de olhos cheios de água e sentimento. Olhou para ela. Estava tomando a sua cerveja. Não sabia explicar direito. Era algo tão diferente de tudo o que vivemos. Eu disse que era para ele dizer que a amava. Ele queria gritar para o mundo. E que todos deixassem tudo de lado para amar uns aos outros. Caímos em gargalhadas gostosas. E mais cerveja chegava. Os copos sempre cheios, como tinha que ser. E o amor chega a ser uma palavra tão esquecida. Enquanto ele falava, eu também lembrava. Ele não parava de olhá-la. E como queria dizer que ela era uma mulher. A mulher que ele amava. Nunca a faria sofrer como ela, sem saber, sempre o fez. Seguraria suas lágrimas quando elas teimassem em cair. Abraçaria de um jeito doce e ao mesmo tempo forte quando ela não aguentasse as suas pernas. Quebraria seu ego em várias partes sufocantes que sumiriam quando ela sorrisse para vida. Ele tentava explicar. Mas, era difícil de começar. Ele começou a chorar. E confessou que não sabia porque estava falando isso tudo para mim. Ele não me conhecia. Na verdade, era a primeira vez que nos vimos. Os copos estavam vazios. E queríamos pedir mais cerveja. O bar já estava fechando. Ele disse que ia para casa e perguntei o seu nome. Eu disse que entendia e que ele não estava sozinho quando foi embora. E enquanto ele ia, eu dava um riso meio bobo e percebia que ele era só mais um dos que amam nesses tempos do cólera.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Quando o lobo não caça mais

Estava na cama desde que acordou. Não conseguia parar de pensar no que ele nunca parou de pensar. Muitos anos se passaram e ainda estava na cama. Tinha alugado um quartinho de uma senhora muito simpática. Ela já era idosa e quieta. Oferecia bolos e outros doces que gostava tanto de fazer. Sempre que sentia o cheirinho de algo bom vindo da cozinha, apressava-se para saber o que a senhora tinha feito. Sempre comia um pedaço. O problema é que esse momento o fazia imaginar uma família. Lembrar que não poderia ter uma. E ficava essa mistura de alegria e tristeza. Depois de comer o que fosse, já tinha esquecido. Voltava para seus pensamentos preocupantes, angustiantes e exaustivos. Passava o dia inteiro escrevendo frases soltas em pedaços de papel diferentes. Tentava juntar as frases e extrair um sentido de tudo aquilo. Não conseguia. Perdido em fragmentos de uma vida sem sentido. Então lia. Livros e mais livros. Estava preso a todos os personagens que falavam sobre sua vida, tudo aquilo que ele não compreendia, mas aceitava. Pilhas e pilhas de livros estavam espalhados pelo pequeno quarto. E vários papéis estavam jogados pelos cantos. Ainda estava na cama com seus cinquenta anos. Às vezes, ia para um bar perto. Ficava olhando para as moças bonitas, e bebia sua cerveja. Ficava horas. Até não agüentar beber mais e ir pra casa bêbado. Resmungava sobre a vida o caminho todo de volta. E terminava se achando um “merda” quando chegava. Lamentou pela sua vida até as rugas aparecerem no seu rosto. Agora, ele ia fazer o que já devia ter feito. Já estava cansado dessa rotina entediante e desses pensamentos que iam e vinham, e acabavam com toda a esperança do dia que surgia. Guardava tudo para si mesmo e explodia quando bebia. Dormia e esquecia. Depois de anos tentando descobrir se tudo daria certo ou não, agora, já não importava mais. E sentia-se bem por isso. Até sorriu quando se levantou. Espreguiçou-se. E espiou o dia lá fora. Era um dia de sol intenso. O calor entrava no quarto junto com o vento. Não reclamou do mormaço. Havia uma vontade tão grande de viver intensamente aquele dia que o calor era apenas o coadjuvante. Tomou o banho mais prazeroso de sua vida. As águas tocavam e refrescavam o seu corpo com delicadeza. Fechava os olhos e escutava o barulhinho da água caindo. Fez a barba bem devagar. Sua atenção não ficou presa no espelho. Saiu do banheiro cheiroso. Vestiu a roupa que mais lhe agradava. Quando abriu a porta do quarto, sentiu o cheirinho doce vindo da cozinha. Não hesitou e foi direto para lá. E lá estava a senhora. Andava devagar e sentia dores na coluna, mas nunca reclamava. Estava tirando um bolo de chocolate do forno, quando ela o viu chegar.
- Bom dia – disse sorrindo.
- Bom dia – respondeu.
- Quer um pedaço de bolo?
- Claro – respondeu com um sorriso.
E a senhora continuava a sorrir. Ela cortou um pedaço e colocou em um pratinho. Saboreou cada pedaço que pegava com o garfo. Mastigava devagar sentindo o chocolate desmanchar na boca. Bolo de chocolate. Era o seu favorito. Estava muito bom. Eles não paravam de sorrir um para outro. Não lembrava quando foi a última vez que teve tanta facilidade em sorrir assim. Fechava os olhos e mastigava. Lembrava de quando sua mãe fazia um bolo assim. Como ela gostava de agradá-lo. Sem pedir nada em troca.
- Quer mais? – perguntou a senhora.
- Não, obrigado.
- Por favor, aceite. Eu sei que você quer.
- Está bem.
Enquanto comia o segundo pedaço de bolo, ela o olhava. Ela sabia o que estava acontecendo. Era como se tivéssemos uma ligação por causa de um bolo e um sorriso. Era estranho. E foi preciso apenas poucos minutos. Até acabar o pedaço de bolo.
- Obrigado pelo bolo. Preciso ir.
- De nada, querido. Vai com Deus!
Ambos sorriram quando se despediram.

E tudo o que estava dentro dele influenciava o que ele via. E aquela velha melancolia não aparecia. O que você percebe agora que se abriu para um mundo novo de expectativas? Tudo pode acabar quando eu virar as minhas costas e uma bala me atingir. Talvez, tudo mude ou deixe de existir. Isso não importa. Saber que uma pessoa escolheu uma das verdades que brigam entre si como a causa de um disparo é a tristeza que rema a favor da maré. E de uma certa forma, todos ficam marcados. É difícil compreender tudo o que se passa em um piscar de olhos. Mas, o sentimento que o acolhia era tão suave e agradável que morreria feliz. Poderia fazer tudo de mais fantástico sem perceber. Era como estar drogado por uma felicidade sem direção. Uma confusão gostosa de sensações se entrelaçando no momento de uma batida nervosa do coração. Lembrava da primeira vez que se sentiu assim. Quando era mais jovem e conheceu uma garota. Sua relação com ela foi tão intensa, louca e amorosa. Porém, nunca deixou que tudo saísse do seu controle. Presenciava algumas inconvenientes situações. Tentava algumas investidas comuns. Acabava que nada o agradava. E mundo os engoliu. Não lembrava do dia em que tudo isso não fazia mais parte da sua vida e quando ela tinha ido embora. Ele queria se divertir hoje. Conseguiu alguns trocados vendendo poesias no centro com muita dificuldade. Ficou andando pelo centro de manhã até a noite. Em um sol de rachar. Apesar do cansaço e esgotamento, não se intimidou e continuou. Fazer uma coisa desse tipo era bom, por incrível que parecesse. Também era viver a vida. Sofrer com ela. Depois, descansar as pernas e molhar a garganta com uma cerveja gelada nesse calor que não cessa. Parou para atravessar o sinal e viu na vitrine de uma loja, flores expostas. Sabia agora quando que as pessoas reparavam nas flores. E porque elas compravam algumas. Entrou e ficou admirando as dúzias de flores, de narcisos, rosas, margaridas, cravos, tulipas, entre outras. Era difícil escolher. Escolheu uma de cada flor que tinha na loja. Cada uma com um aroma diferente. Era uma maravilhosa mistura. E a cor e o formato das flores se encaixavam em uma sincronia sensual. Percorria seu caminho com o vento sussurrando em seu ouvido. Finalmente chegou em um prédio. Entrou, subiu e depois bateu na porta com o número indicado no papel que segurava. Um garotinho atendeu.
- Oi, sua mãe está?
O garoto olhou para trás e gritou.
- Mãe! É para você! – saiu correndo.
Ficou parado na porta esperando. A ansiedade tomou conta de seu peito. E as pernas tremeram. Ela apareceu. E imediatamente disse.
- Oi. – com os olhos surpresos.
- Oi.
Sem saber o que dizer por um minuto, ele entregou as flores para ela.
- São bonitas. – ela disse.
Colocando as flores no chão, ela o abraçou. Há muito tempo não sentia o aperto gostoso de um abraço. Desfrutava da ternura que surgia com todas as forças que tinha.
- Quanto tempo não nos vemos. – ela disse.
- É verdade. Estive pensando se você não quer beber alguma coisa e conversar. – respondeu.
- É claro.
Ambos sorriram. E foi por esse sorriso pelo qual se apaixonou que tudo o que ele viveu, valeu a pena.

domingo, 15 de novembro de 2009

As batidas de um coração apaixonado pela vida

Nos olhos do dragão – parte 1


Sentia o calor do fogo
da boca do dragão
A fúria de gritos e berros.
Machucados no corpo.
Cicatrizes na vida.

Queria mudá-lo
para um ideal que ele planejara.
Tinha todo um plano.
O mesmo plano de sempre.
Colocado em prática todo dia.
Todos os passos rigorosamente seguidos.

E, se, por algum motivo,
as regras fossem quebradas.
Egos desapontados.
O dragão vai abrir a boca.
E a raiva caíra sobre rostos tristes.

Não poderá dizer nada.
Tudo o que vai ser dito é o suficiente.
Suas ações vão ser comedidas
por pensamentos moralistas.
Certo ou errado?
Todos já escolheram.

A vida é assim.
É a realidade.

E depois de tudo isso.
Você vai ser reconhecido.
Você vai ser notado.
Você vai ser apreciado.
E vai sorrir para o dragão.

Mas eu não entendi isso tudo.
Tenho medo de dragões.
Corria o máximo que podia.
Queria distância de todos eles.

Eles diziam estava tudo errado.
Meu corpo com as marcas da repressão.
As marcas de tudo que era o certo.
E o dragão aparecia
dizendo o que eu tenho que fazer.
Era assim que tinha ser.

Planejei os dez anos que passaram.
E agora?
Planejarei os dez anos que virão.
O dragão tinha orgulho.

Eu queria a minha verdade.
Queria dizer tantas coisas,
mas não sabia por onde começar.
Isso me matava.
Estavam conseguindo que
eu desiste de viver

Eu era uma borboleta.
O que o dragão mais temia.
Era a inconstante mudança
de um sonho exagerado
de uma realidade não aceita.

Queria o que todos diziam que era impossível.
Queria o impossível.
Fazer do impossível,
a natureza do mundo.

Queria viver de amor.
E todas as perguntas surgiam.
Mas como? Como vai conseguir isso?
Querendo saber desesperadamente a resposta.
Nunca conseguiram uma.



Nos olhos do dragão – parte 2


Como podemos ficar assim?
Tentando acabar com a dor
com qualquer forma de alívio.

Como podemos ficar assim?
Estar tão tristes que não cantamos mais as nossas músicas preferidas
Como que isso aconteceu?
Estar tão tristes que não temos força para amar.



O vôo da borboleta


As cores não tinham nomes.
Havia uma sensação de paz
que flutuava ao lado.
Era um estado de transição.

Tudo no mesmo lugar.
Tudo ao mesmo tempo.
A sutileza do bater das asas
contra e a favor do vento.
De movimentos suaves.
Uma arrebatadora paixão.

E sentia que tudo ganhava vida.
Não sabia mais se era só eu,
ou se tudo era eu.
Eles não iam me deixar.

Havia mais vida por trás dessas palavras conhecidas
que se desmanchavam com o mar.
Com suas águas, cuidava de suas feridas.
Não era mais uma estranha emoção.

E era tão profundo
que a entrega era natural
Havia uma sensação de que
as nuvens nadavam no mar
E o mar nadava nas nuvens.
Onde o céu encontrava a terra.

E tudo acontecia
com os ritmos das batidas
de um coração apaixonado pela vida.

Sem perceber.
Já estava voando para o céu
para ser uma daquelas estrelas
de um céu estrelado.



O beijo do sol na lua


O sol sempre de um lado do mundo
E a lua do outro.
Sempre sorriam um para o outro.
Eles se conheciam.

De suas mãos caíam
seus pensamentos triturados.
Esperavam o dia que se encontrariam.
Eles já sabiam.

E nenhuma palavra poderia dizer
o que eles tinham.
E nenhuma palavra poderia dizer
o que eles seriam.

Estavam bem longe,
de tudo o que você acha que sabe.
Estavam bem longe,
de tudo o que você espera deles.

Eles estavam vivendo.
E se encontraram, como tantas vezes antes.
E com um toque.
Surgiam incontáveis raios de luz
que iluminavam o sorriso da lua.

E com um beijo.
Eles esqueciam do mundo.
Esses corações apaixonados
não voltariam para a realidade.



Nos olhos do dragão – parte 3

Ninguém nunca entendeu.
Como vai conseguir?
Era impossível.

Os olhos do dragão já me enxergavam.
E isso, o incomodava.
Ele fazia parte da minha vida
Eu fazia parte da vida dele.

E começou a amar o dragão...



Então, vamos...


Consegui perceber
aquela velha alegria.
Cheia de esperança.
Com seus sonhos loucos.

E comecei a cantar um samba
que não queria acabar.
E foi em um dia de carnaval
que os sonhos daquela velha alegria
mudaram aquela mesma realidade.

Pessoas fantasiadas.
Convidando outras para uma fantasia.
Sentimentos que se tocavam
Eram seduzidos por tudo que sentiam

E tudo acontecia
com os ritmos das batidas
desses corações apaixonados pela vida.

E agora?
Eu não sei.
Vamos ser felizes?
Então, vamos...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Como as pessoas são infelizes

Eu não gosto dela. Mentia, várias vezes por dia. Ninguém gosta de ninguém. Era uma mentira necessária. Para vida continuar. E a avalanche de sentimentos se manifesta, quebrando todas as suas barreiras caindo sobre o cansaço dessa noite. Nessas horas, é extremamente interessante um gole de vinho. Não aqueles vinhos bons e chiques. Aqueles franceses caros, que para mim, tem um gosto horrível, mas para a maioria é delicioso. Não. São aqueles mais doces mesmo. Os mais baratos, com exceção do vinho do Porto. Pego uma garrafa de um vinho do rio grande do sul que está na geladeira. Ele fica esperando momentos como esse. Derramo aquele líquido com cheiro meio estranho em um copo comum. Encho até a boca. E tomo. Uma sensação muito boa aparece. E vai um copo atrás do outro. A visão embaça. E a gargalhada sai mais fácil. E ri sozinho. A sensação vai se intensificando. Já conseguimos esquecer de tudo. Agora, vou dizer verdades para o espelho quebrado. Vou dizer o que eu quiser. E você? Não vai me impedir. Então, vem tudo de uma vez. E fica sem respirar por um momento. E uma raiva muda a expressão de serenidade. Agora, vou mostrar o que você pode esperar de mim. Ameaço quebrar a garrafa. Não! Digo para mim mesmo. Desculpe, querida. Eu não gosto dela, mas eu gosto de você. Não me deixe esperando. Você é minha acompanhante essa noite. Outro copo cheio de vinho invade a garganta. E a euforia já estava demorando. Essa noite, eu fui homem. Quer saber como tive uma noite muito boa? Eu peguei uma mulher hoje. E fui para cama com ela. Foi bom. Fiz tudo com ela, o que eu queria fazer com você. Ela é uma vagabunda. Mas, não tem importância. Mais uma gargalhada. E ri sozinho. Outro copo. É para aguentar. Não sabe mais o que dizer. E agora que a tristeza dá o bote. Ela cai devagarzinho. Como uma folha se desprendendo de uma árvore e flutuando até o chão. E mesmo, sem querer, chora. Lamenta. E lágrimas são suficientes para finalmente fazer o dia nascer. Com ele a dor. Vai rasgando junto com o efeito do álcool. O dia não pode nascer de novo. E bêbado, diz que está preso aqui. E a avalanche de sentimentos se manifesta. Querem te deixar louco. Como estamos escapando? E não esperamos mais nada? Esses sentimentos são metralhados, e seus corpos são guardados na gaveta do armário. E nós escutamos o som do silêncio. Até quando vamos nos proteger? Não conhecemos mais um ao outro. A distância vai falar por nós. E você vai pensar que sabe de tudo. Mas, não sabemos nada. Outro copo cheio de vinho. As lágrimas são enxugadas com cuidado e o dia nasce nublado. Eu queria te oferecer um copo de vinho. Eu sei que aceitaria.

Eu não gosto dele. Mentia, várias vezes por dia. Ninguém gosta de ninguém. Eu preciso dizer que ele não faz parte da minha vida. Nunca daria certo. Nós vamos seguir por caminhos distintos. Então, porque eu me importaria? Preciso dizer que eu não penso mais nele. Porque tenho que repetir tanto? Não me entendam mal. Ele é um cara legal. Porém, não combina comigo. É isso. Estou esperando por alguém que não tem nada a ver com ele. Eu tenho uma lista de qualidades. Ele não tem nenhuma delas. O homem que eu quero precisa ser assim e assado. Sei que é difícil. Mas, o homem perfeito vai aparecer. O que consome toda a esperança desse dia nublado? Ontem, sai com um candidato. Era um homem sério. Mais velho que eu. Tinha experiência de vida. Eu não quero um jovem boboca. Era meio sem sal, mas tinha uma vida sólida e estável. Isso conta muito. Fomos para casa dele e dormi lá. Não me ligou mais. Deixei para lá. Ficava lembrando de momentos felizes. E você estava neles. Não pude deixar de perceber. E você voltava. Não conseguia me livrar de você. O que esperar de nós?
Eu vou para noite. Vou encher a cara e me perder para qualquer um. Muitas luzes. Muita música. Dançava até não agüentar. Os mesmos papos. As mesmas investidas. O que mais esperava ouvir? Com certeza, o homem dos sonhos não estaria aqui. Quem sabe, não posso me divertir? O primeiro que ofereceu um beijo. Ela o beijou. Porque se importar? Pegou quantos pode conseguir. Aquela euforia tomou conta do ego. Eu estou muito bem. Não preciso de ninguém. Quem é você? Acha que pode tirar me liberdade? E já bêbada, diz para o céu que ela é livre. Gargalhou. E sorriu sozinha. Foi embora. E a tristeza foi chegando e a acompanhou até o ponto de ônibus. Subiu com ela. Seria tudo isso um sonho? Ela sentia algo por alguém. Estava com raiva. Não podia ser. Chegou em casa. As lágrimas que sobraram da última chuva começaram a cair do céu nublado. Eu preciso de um abraço. Queria que me fizesse sorrir de novo. E com um sorriso molhado, ela lembrou de você. Viver como nunca antes. O que estou dizendo? Não vou sofrer por ninguém. A distância vai falar por nós. E os sentimentos se calarão. Eles não têm voz aqui. Ela vai se sentir segura. Como todo mundo. O que poderia mudar? Quem vai consolar nossos corações magoados?

Era um lindo dia. O sol tinha aparecido. E inflamava os corações. Muito calor. Era o dia do encontro. A distância não poderia mais falar. Eles ficaram frente a frente. Apenas se cumprimentaram e perguntaram se estava tudo bem. Afirmaram. Sentaram. E começaram a beber. O que mais se poder fazer? Acenderam um cigarro para disfarçar. Não paravam de se olhar. E a avalanche de sentimentos se manifesta. É difícil segurar. Tem que se controlar. Bastaria dizer. Quem sabe o que pode acontecer? O tempo passava. Não sei como aconteceu, mas começamos a conversar. Foi por um breve momento. Porém, os corações ficaram esperançosos. Esboçavam um sorriso. E veio de novo, tudo aquilo que sentiam se transformar em pensamentos, palavras e poesias. As mais lindas que você já leu. E o sol dizia nos nossos ouvidos para nos beijarmos. O vento nos mostrava como devíamos nos tocar. A árvore ensinava a nos olharmos. E lá estavam os olhos, onde mora o amor. E todos eles diziam que nunca viram um dia mais lindo. E a vontade de nos abraçarmos aumentava. Precisávamos nos distanciar de novo. E se quiséssemos viver isso? Acho que não descobrimos o que isso significa. Tenho medo de saber. Pode não ser como uma poesia. Não podemos escrever nossos versos?
O dia foi passando. Ficamos esperando no ponto de ônibus. Demorou. Sentamos lá trás. Estávamos bêbados. E jogávamos palavras ao chão. Falamos muita merda. Depois, veio o silêncio. Uma conversa mais séria. E chego o momento. Aquele que por um segundo não aguentamos. Nesse instante, nos olhamos tão profundamente que acabamos caindo debaixo de nossos beijos. Nos perdemos neles. E ficamos submersos. Sonhando que estávamos felizes. E nossas bocas sempre se encontravam querendo um pouco de paixão. E todos os astros diziam que isso era a felicidade. Quem acreditaria? Já estava chegando no ponto onde ela descia. No outro momento, estávamos arrependidos.
- Vou descer no próximo ponto. – ela disse.
- Ainda não vamos ser sinceros um com outro? – ele disse.
A distância falou por nós.
Eu queria que ela ficasse.
- Adeus. – ele disse.
Eu queria ficar.
- Adeus. – ela disse.

domingo, 1 de novembro de 2009

A trégua

Os três andavam pela rua. Um era careca e os outros dois tinham um cabelo baixo. O careca ia no meio, e os outros do lado. E claro, como você perceberia, eles eram brancos. Eles tinham orgulho disso. Na verdade, todo o sentido da vida deles estava relacionado com a sua cor. Eles eram brancos. A cor formada todas as suas características humanas. Era a sua alma. Seu espírito. Matariam e morreriam por ela. Como já fizeram muitos. Eles estavam nervosos. Estavam entrando em território inimigo e estavam desarmados. Eles precisavam fazer isso. Tinham a coragem do soldado na guerra. Lutavam por uma causa maior. Era o que importava. Chegaram no final da rua. Dois homens estavam de vigia, em pé, no meio da rua. Eram dois homens fortes. Os dois com um black power bem grande e penteado. E claro, como você perceberia, eles eram negros. A cor deles também dizia quem eram. Sua alma. Eles estavam com uma ak-47 cada um. Segurando com muita força. Dava para perceber o suor na arma. Estava muito calor. E eles já estavam ali há muito tempo. Os brancos chegaram perto.
- O que vocês brancos estão fazendo aqui? – perguntou um negro.
- Queremos falar com o seu líder. – respondeu o branco.
- Você acha que vamos deixar vocês passarem?
- Nós viemos aqui desarmados, como você pode ver. Temos um assunto em comum para discutir.
- Nós estamos em guerra. Só não atiro em você agora, pois a covardia não faz parte de nossas tradições.
Eles estavam em guerra. Como sempre, usaram as diferenças para construir os inimigos. Brancos contra negros. Já se tornaram mais que raças. Mais que cores. Eram exércitos. Lutavam por uma causa maior. A eliminação do outro. Apenas assim, a paz que tanto desejavam chegaria para a nova sociedade que ia surgir, fosse ela negra ou branca.
- Nós também não somos covardes. Existe uma situação que eu e seu líder precisamos discutir. É uma situação à parte da guerra. Vai contra os meus valores. E tenho certeza que também os seus. – diz o careca.
- Está bem. Nós vamos levar vocês até lá. Mas, se tentarem alguma coisa, atiraremos sem hesitar.
- Tudo bem. – concordou o careca.
Eles começaram a andar. E logo, chegaram em uma praça. Muitos pais brincavam com seus filhos no parquinho da praça. Todos negros. Todos felizes. Uma estátua imensa do Malcolm X estava no meio da praça. Ele estava com a mão esticada e o dedo apontando para frente. Em baixo, estava escrito, “Malcolm X, um dos grandes heróis da luta para a construção de um mundo negro. Em frente, meus irmãos”. Em volta da praça, estavam vários homens armados, preparados para a ação. Havia um museu da repressão branca, onde contava toda a história da escravidão negra e da diáspora africana. Escolas onde a educação foi toda repensada para a construção da nova sociedade negra.
Eles passaram pela praça. E chegaram em um prédio. Subiram alguns degraus. Mais homens armados. Uma porta se abriu. Um homem negro estava sentado em uma cadeira. Com o seu black power exemplar. Fumava um cigarro. E estava cercado de homens armados.
- Os brancos aqui, querem falar com o senhor.
O homem fitou os olhos dos brancos. E calmamente disse.
- O que vocês querem? Falem rápido e depois saiam.
- Quero oferecer uma trégua. – falou o careca.
- Uma trégua? Estão ficando sem forças?
- Não é isso. Deixe me explicar.
- Então explique.
- Não sei se você ouvir falar das duas bichas que moram na zona de conflito.
- Não ouvi falar.
- Eles estão nos atacando no ponto fraco. Estão dando abrigo e cuidados para os desamparados da guerra. Tanto negros quanto brancos. Estão dizendo a eles que nossas cores, tradições, nossas histórias não existem. Estão deturpando o que acreditamos. Essas bichas estão destruindo nossos valores. Precisamos fazer alguma coisa.
- Eu entendo. E concordo com você. Precisamos eliminá-los.
- Sim. Para isso, precisamos de uma trégua.
- Compreendo. Temos uma trégua.



O dia amanhecia outra vez. Havia acabado de acordar. Estava com um sorriso no rosto. Uma felicidade que invadia junto com a luz do sol. E entrava em sua vida, como entrava pelo quarto. Outro homem apareceu na porta do quarto.
- Eu fiz seu café da manhã.
- Obrigado. Já vou descer para comer.
Eles eram um casal. E claro, como você perceberia, eles eram gays. O problema era que um era branco e outro negro. O que complicava ainda mais as coisas para o mundo. O colorido de tudo em volta era o que eles viam. É difícil contar as cores. Distingui-las. Quando você está nesse estágio. Quando você não dá nomes às cores. Apenas as vê. Cada hora de uma forma diferente. Em transição. E tudo muda de cor. E a cor muda de forma. Ele desceu. Havia uma sala. Com várias camas. Já estava cheia de gente. Algumas mulheres, alguns homens, mas a maioria crianças. As maiorias das crianças tinham perdido seus pais. Cada dia que passava, mais pessoas chegavam. Pedindo ajuda. Tinham perdido tudo, ou todos. Lá estavam negros e brancos. Alguns se toleram, outros não ligavam. Alguns queriam sair dali rapidamente. Não aguentavam. Ignoravam que o casal que o ajudavam era gay. Eles são gays, mas estão nos ajudando. Alguns não aceitavam e iam embora. O café da manhã estava pronto. Todos comiam na mesma sala onde dormiam. O casal discutia que estavam ficando sem espaço, precisavam de outro lugar. Eram tempos difíceis. Havia alguma coisas neles. Alguma força. Todos percebiam. Ninguém sabia de onde vinha. Eles não reclamavam. E faziam com gosto. Ninguém entendia. Davam beijos na frente de todos. As pessoas tentavam evitar. As crianças eram as que menos se importavam. Brincavam o dia todo. E adoravam os dois. Eles contavam histórias engraçadas, faziam brinquedos malucos de madeira e outros materiais e se fantasiavam de tudo. Eles queriam que a guerra acabasse.



- O que está fazendo aqui moleque?
- Só estou olhando, tia.
Ele era um menino. Um menino negro. Sujo e maltratado. Sozinho. Olhando com seus olhos arregalados aqueles doces deliciosos que seu paladar nunca tocou. Porém, a dona da loja não queria que ele ficasse ali. Estava espantando os clientes. Ele estava parado, imaginando aquele doce na sua boca. Volto a si com os gritos dela. E saiu caminhando. E foi por ai.
- Hei! Moleque.
Um homem alto, magro, negro e com um black power estiloso o chamou. O menino foi até ele.
- O que aquela branca fez com você?
- Ela me expulsou. Eu só estava olhando os doces.
- Onde estão seus pais?
- Morreram.
- Garoto. Você é negro. Você faz parte da raça negra. Como pode ficar esmolando pela rua? Sem destino e sem educação?
O garoto ficou indiferente. Mas gostou do que ouviu.
- Você sabe que estamos em guerra?
- Eu sei.
- Você tem que lutar no nosso lado. Você tem que afirmar que é um negro. Vamos, vou te levar até onde nós estamos construindo o começo.



Alguns brancos e negros se encontraram. Era hoje. Dariam um jeito nessas bichas.
- O negócio é o seguinte. Nós vamos lá. Libertamos aqueles oprimidos. Cada um leva os da sua cor. Cada um pega um. Vocês ficam com a bicha branca. E nós ficamos com a bicha negra. Certo?
- Certo!
Eles foram andando. Todos fortemente armados. Pareciam que iam enfrentar tanques. Brancos e negros unidos. Andando juntos. Chegaram. Apontaram as armas. Contra esse poder nada se pode fazer. Todos saíram correndo. Alguns não queriam ir, foram mortos. Outros ficaram aliviados por verem outros compatriotas. As bichas levaram uns tapas no rosto e foram humilhados na frente de todos. E cada grupo levo o seu.



Era uma sala escura. E o homem branco e gay estava agora todo ensanguentado sentado no meio dela. Ele era forte. Eles se surpreenderam.
- Como um branco como você pode virar uma bicha?
Nada respondia e levava um soco no estômago. O torturaram por dias. Até ele dizer que ia fazer um tratamento para ser homem de novo. Um homem cristão. Ele aceitaria Jesus e seria aceito. Participaria da comunidade e compartilharia as suas crenças. Logo depois, ele foi visto andando por uma ponte. Foi à última vez que alguém o viu.



O homem negro e gay foi colocado no muro. Com vários fuzis apontados para ele. Ele estava com medo. Pensava no seu no parceiro. Talvez ele estivesse bem. Nã podia pensar no pior. Será que encontraria com ele de novo? E viveriam outra vez?
- Como um negro virou bicha?
- Você é que está dizendo.
- Então, você não é bicha?
- Eu não sou bicha.
- Mas, você namora um homem?
- Sim.
- Tudo bem. Nós podemos dar um jeito nisso. E questão de mudança. Talvez, seja uma doença. Um distúrbio. Uma anomalia. Com certeza, podemos tratá-la. O que mais me intriga é que você não aceita que é negro.
- Você é que está dizendo.
- Então, você é negro?
- Eu não sou negro.
- Olhe para sua cor. Sua cor é preta, não é?
- Sim.
- Então?
- Então, será você, quem decide, o que é o que, e quem é quem?
Ele parou e pensou.
- Se essa é a sua decisão, terei que executá-lo. Se você não consegue perceber a grande importância de ser um negro. Não pode fazer parte da nossa comunidade.
Ele fez um gesto com a mão. Uns homens trouxeram um menino negro. Agora, ele estava limpo, cheiroso e bem arrumado. Estava com um sorriso no rosto. Estava brincando na praça. Com outro gesto o líder o chamou.
- Bom garoto. Acho que você já tem idade para saber o que é ser um negro nesse mundo. Traga a arma.
Trouxeram uma pistola. Era bem leve e de fácil manuseio.
- Está vendo aquele homem ali. – E apontou com o dedo.
O menino afirmou com a cabeça.
- Você acha que ele é um negro. Um igual?
O menino afirmou com a cabeça.
- Eu sei que na aparência ele se parece conosco, mas ele não é um negro. Não tem o espírito negro que os nossos antepassados lutaram tanto para conseguir. Para deixar esse legado para nós. Ele não tem a nossa alma. Entendeu?
O menino afirmou com a cabeça.
- Para provar que você é um negro de verdade. Para provar que o seu espírito é negro. Eu quero que você o mate. Mate um homem que não merece viver. Um homem que não se enquadra dentro da nossa sociedade. Você quer que ele seja um estorvo para a nossa nova sociedade que nos aguarda, que estamos lutando tanto para construir?
O menino pegou na arma. Estava tremendo todo. Tinha que fazer. Ele era negro. Sabia disso. Tinha orgulho disso. Todo o sentido da vida dele estava relacionado com a sua cor. Ele era feliz agora. Não era mais maltratado. Sem isso, ele não era nada. A cor formada todas as suas características humanas. Era a sua alma. Seu espírito. Mataria e morreria por ela. Como já fizeram muitos.



Nos últimos minutos de vida, dizem que a vida passa como um filme. Mas, não foi assim com ele. Apenas algumas palavras que ficaram na sua cabeça. Queria que todos os escutassem. Queria que todos o entendessem. Para ele, não era mais um mistério. O colorido de tudo em volta era o que ele via.

Eu queria apenas ver
além de duas cores.
Eu queria apenas amar
além de dois sexos.
Eu apenas queria sentir
a vida além desse mundo
Será que nós conseguiríamos?
Quem nos impediria?
Quem atiraria?

A trégua acabou. A guerra recomeçou.

domingo, 25 de outubro de 2009

Sou filho da escravidão

Esse é a minha primeira postagem de algo que eu não escrevi. Eu não sei o nome do poeta, mas sei que ele anda pelo centro da cidade, perto do IFCS. Talvez, eu já tenha o visto. Lembro de um homem vendendo poesias no bdp, mas faz tempo. Eu queria que vocês olhassem para essas palavras e percebessem que é um homem das ruas que escreve. Não que ele escreva mal ou bem, isso não importa. Percebam as dificuldades vividas por ele. Não o reprimam. Eu não concordo com algumas de suas idéias, mas quando li, senti a fúria de suas palavras. Coincidentemente ou não, eu estava construindo uma pequena louca história sobre preconceito. Acho que é uma boa hora para escrever.


"Por quantas e quantas noites e dias eu não odiei ter nascido pobre.
Odiei o próprio natal de Jesus e outras datas em que se davam presentes,
que eu não iria receber.
Odiei a família, por ter me permitido nascer.
Odiei, mas tentei compreender, que nasci pobre, por ter sido gerado no meio de uma família negra.
O que fazer?
Tentei, mas revoltei-me.
Ah! Desculpas! Eu pensava.
A minha família sempre tinha desculpas.
Será que há descuolpas para os remédios caseiros de minha mãe, quando alguma dor eu sentia,
E para os batuques do meu pai, ora era macumba, ora era carnaval;
O que eles pensavam que eram?
Será que ela, a minha mãe,
pensava que era médica?
e ele, meu pai, que samba era cultura?
Era só isso que eles tinham para me dar?
Ah! Meu Deus! Perdoa-me!
Como fui ignorante.
Sim!
A minha raiz foi escrava sim.
E os remédios de mato que minha colhia e preparava com tanto amor;
e até mesmo os batuques que meu pai fazia,
não eram boçais.
O grito de uma raça, que sofreu com a escravidão para deixar as suas crenças,
seus segredos,
a sua origem,
a sua cultura.
Sim!
Cultura!
Cultura que a ciência lançou mão,
o mato,
é remédio.
E os batuques que meu pai fazia?
Também eram cultura.
Cultura que explodiu num canto que ecoa na avenida.
e atrai turistas do mundo todo.
Engraçado né!
Atrai até mesmo
quem ao negro escravizou.
Sim,
senhor!
A minha raiz foi escrava.
Que orgulho desse povo.
Desse povo,
que não se permitiu que os chicotes,
Senzalas,
e nem mesmo
a morte provocada
apagassem-lhes da memória e do
coração,
a identidade que
traziam.
Ai!
Meu sinhô!
Sou nego,
sim senhô!
E a capoeira
não é revolta não
sinhô.
Mas,
a defesa de uma raça,
que um dia,
ainda vai ensinar o
filho do doutor."

sábado, 24 de outubro de 2009

A estrada sem fim

Quando nos encontramos em algum lugar...
Ele estava deitado na cama. Levantou. Espreguiçou. Decidiu. Começou a preparar sua mochila. Colocou algumas roupas, itens de higiene pessoal, alguns livros e outras coisas menos importantes. Vestiu-se depressa. Pegou a mochila. Abriu a porta e olhou para trás. Ela estava deitada na cama. Dormindo. Fechou a porta e saiu. Na cozinha, fez um sanduíche, comeu rápidamente e saiu da casa. Jogou sua mochila no banco de trás do seu mustang 66 conversível. Pulou e caiu na poltrona do motorista. Colocou as mãos no volante e sentiu que ela ainda estava do seu lado. Olhou para a janela do quarto. Ela estava lá. Olhando de volta. Não entendendo o que estava acontecendo. Acho que nem eu. Percebi que estava nervoso e tremendo. Não compreendi. Então, virei-me para frente. Liguei o carro, e sem olhar para trás, pisei no acelerador e o carro disparou.
Havia uma estrada a percorrer. Acreditava que ela não ia aparecer mais. As vezes, dava uma espiada pela retrovisor para ver se ela não estava atrás. Mas, sempre que olhava não havia ninguém. Estava mais calmo. Podia, agora, planejar livremente onde ir, e o que fazer. A gasolina estava acabando. Tinha um posto, um pouco mais para frente. Encostei o carro. Enquanto enchiam o seu tanque, fui até a loja de conveniência. Comprei dois saquinhos de amendoins. Abri o primeiro e comecei a comer. Um de cada vez. O homem que trabalhava no posto e estava enchendo o meu tanque, se aproximou.
- Para onde vai, moço?
- Eu não sei. – respondi.
- Nessa direção não tem nada. – ele disse.
- Seria um bom lugar para ir.
Ele fez uma cara de espanto. Como alguém quer ir para o nada?
- Está fugindo de algo? – ele perguntou.
- Eu não sei. Só quero seguir em frente.
- Mas, senhor. Pense no que está fazendo.
- Já pensei demais. E, por favor, não me chame de senhor.
- E se senhor não voltar mais?
- Não se preocupe com isso. E, não me chame de senhor.
Pulou para o acento do motorista. Deu o dinheiro para o homem, ligou o carro.
- Nós vemos por ai.
Arrancou.
Essa estrada parece não ter fim. Passavam várias cidades. Não parava. Eu não sei. Mas, sentia medo de encontrar. Continuava na estrada. E ela nunca tinha fim. Já estava cansado de dirigir. Comece a procurar um hotel, e avistei um placa com o nome de um motel. Servia. Estacionei. Tem horas que o coração de um homem precisa descansar. Aluguei um quarto. Número sete. Peguei a chave e entrei. Deitei. Apaguei. Logo, acordei. Parecia ter dormido há horas, mas foi só por alguns minutos. A noite ainda estava aqui e ia ficar por um tempo. Não conseguia dormir mais. Eu queria dormir. Tentei. Virava de um lado para o outro. Não conseguia. Desisti. Ficar acordado não era bom. Lembrava de tudo o que já foi. Queria esquecer. Pensava nos fatos passados. Queria retalhos. Queria uma resposta. Porém, mais perguntas chegavam, e eu queria dormir. Sentei na cama. Passei a mão pelos cabelos. Senti um vento, acho que uma cosquinha nas costas. Olhei para trás, e ela estava deitada na cama. Fiquei assustado. Ela estava dormindo. Quando me mostrou com seus olhos castanhos, não aguentei, e sai correndo. Passei na recepeção e joguei a chave no balcão. Disse que não precisava mais do quarto. Pulou no carro e partiu.
Seguia pela estrada que não tem fim. Sua cabeça cambaleava. Dava uns tapas na cara, para ver se acordava. Não conseguiu. Dormiu no volante. Alguém tocava o seu ombro. Acordou. E a viu no meio da estrada. Naquela fração de segundo percebeu que ela mexia a boca, mas sua primeira reação foi desviar. O carro rodou. E parou fora da estrada. Tentou se acalmar e respirou fundo. Tentou ligar. Não ligou. Pulou para fora, quase caindo, estava meio fraco. Começou a correr. Entro em uma floresta. Sempre olhava para trás e nunca via ninguém. Sabia que tinha alguém ali. Desviava das árveres que pareciam entender o que se passava e estendiam seus galhos, mas apenas rebatia-os de volta. Sem querer saber o que eles queriam. E as árvores ficaram tristes. O solo ficou úmido e escorregadio. Corria.
Parou. Havia um rio na sua frente. E sua correnteza estava muito forte. Não havia esse tipo de ponte aqui. Daquelas que atravessam rios assim. Pensava em um meio de ulrapassar esse rio. Chegar ao outro lado. E? Continuar a correr. Voltar a estrada que não tem fim. Mas, sempre, de algum lugar ela surgia. Ela apareceu do outro do lado do rio. Eu ia correr, mas não podia. Não sei de onde vieram tantas árvores. Não conseguiria passar por elas. Peguei aquilo que estava protegendo. Meu coração. Ele batia na minha mão. Tão vivo quanto eu. Ela ficava me fitando. Eu fiz o que tinha que fazer. Joguei meu coração no rio. Ele foi com a correnteza. Desapareceu da minha vista. Ela acompanhou o que eu fiz. Olhou para mim e sorriu. Pulou dentro do rio e desapareceu da minha vista.
... sempre não dizemos nada.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A fumaça de um cigarro

Era uma salinha apertada. Todos estavam meio espremidos uns com os outros. O engraçado é que desse aperto, com as pessoas mais juntinhas, surgiam muitas conversas. Era o local onde os fumantes poderiam saborear o seu cigarro. Eles eram excluídos do restante. Porém acabavam se unindo. Havia dois sofás pretos, um de cada lado da salinha. Muitos pôsteres de propagandas antigas de eletrodomésticos. Uma janela que era a válvula de escape da fumaça, senão todos morreriam com a própria fumaça. Não havia ventiladores, então imagine o calor que faz lá dentro. Era sempre um monte de pessoas a sair e entrar. Eu passei a noite toda nessa sala. Não saia daquele sofá. Meu corpo simplesmente não queria se desfazer do conforto daquele sofá, e sempre ansiava por mais um trago no cigarro. E lá estávamos nós. Eu e meu cigarro. Tinha o tirado do maço há algum tempo e ficava acariciando-o com os dedos. E com os meus olhos eu o desejava. A minha boca ficava molhada. Como eu preciso de você, falei para ele na minha mente. Disse para outros cigarros que ficaram no maço para não terem ciúmes, pois iriam ser tratados da mesma forma. Dessa forma especial. Eu ri de mim. Falando com cigarros, tendo tanta gente na sala. A minha atenção estava toda nesse cigarro. Ele era meu. E iria me proporcionar um prazer. Talvez, me fizesse um favor. Cigarros não falam. Cigarros, nada fazem. Mas, eles conseguem me deixar maluco. E eu já não consigo viver sem eles. As pessoas gritavam, se exaltavam, conversavam, beijavam, dormiam e... fumavam. O silencio do cigarro era como se ele escutasse cada palavra que eu dizia na minha mente. Era incrível. Ele não transbordava nenhuma emoção. Isso me acalmava. Enfim, ia levar a ponta do cigarro aos meus lábios. Com um movimento convincente e penetrante ele caiu na minha boca. Com o isqueiro coloquei brasas na sua outra ponta. E a fumaça foi para os meus pulmões. Era a cura de toda aquela algazarra. Era a sincronia de todas as partes perdidas. E a fumaça saía com a força da água caindo de um penhasco e se misturava com as outras fumaças que havia pelo ar. Eu dava um sorriso de vitória. É uma pena que ele se foi tão rápido.
Então, entrou na salinha, um homem. Vestido calça jeans e uma camisa de alguma marca famosa qualquer. Com um cigarro na mão ele sentou do meu lado. Me pediu o isqueiro. Eu emprestei. Ele começou a puxar conversa. E claro, estragou tudo o que tinha feito até agora. Peguei outro cigarro e não acendi. Ele começou a falar e eu queria que ele fosse embora. Falou que essa noite tinha muitas “gringas” na casa. Porém as mulheres estavam cheias de frescura, ele não tinha pego ninguém. Todos os amigos deles tinham ido embora sem pegar ninguém também. Ele estava bêbado. Eu desesperadamente queria uma cerveja. Ele não queria ir embora. Não podia ir. Como poderia? Sem pegar ninguém? Nunca! Ele disse que ainda tinha esperança, e eu falava que ele ia conseguir. Ele me abraçou e disse que eu era um bom amigo. Eu fiquei aliviado de vê-lo ir embora. Agora, era eu e meu cigarro. Acendi e fumei. E tudo voltou ao normal. Já estava me sentindo melhor. Um amigo meu apareceu. Trazendo uma cerveja para mim. Agradeci, e logo me esqueci dele. Aquela cerveja descendo pela minha garganta em doses homeopáticas era algo muito bom, apesar de não estar muito gelada, isso não atrapalhava. Algumas pessoas começaram a fumar maconha na janela. Pensei que seria uma boa pedir um trago, porém não queria conversar. Alguns seguranças vestidos todos de preto, entravam e saiam da sala, para observar o que as pessoas fumavam. Em uma dessas, o segurança arrastou pelo braço uma menina com um baseado na mão. Todos ficaram assustados por um breve momento, mas depois tudo voltou ao normal. Eu acendi mais um cigarro e fiquei calado. O meu amigo sentou e também acendeu um cigarro. Não vamos para a pista? Disse ele. Eu disse que não. Talvez, depois. Só disse isso para ele não ficar me amolando o saco. Vai ficar parado ai? Perguntou ele. Disse que por enquanto sim. Eu só pensava nos meus cigarros. Não vai chegar em nenhuma mulher? Provavelmente não. Ele disse que eu era chato. Se anima homem! Mas, eu só pensava nos meus cigarros. Seu desanimo para a vida me afeta, ele disse. Mas, ele não entendia. Eu estava bem aqui, porque sairia daqui? Ele se levantou e saiu chateado. Não tive pena dele. Nada me incomodava. Acendi outro cigarro. A noite foi avançando. A sala começou a ficar cada vez mais vazia. E quando mais vazia a sala ficava, mais eu sentia que tudo ia ficar bem. O silêncio era cada vez maior e os meus cigarros me escutavam com mais entusiasmo. A bebida tinha acabado. Não ia pegar outra. Não tinha muito dinheiro sobrando e ir até lá no bar, me dava náuseas. Então fiquei onde estava, até não ter mais ninguém. Fui até a janela. O céu estava em uma mistura de noite e dia. Escuridão e luz.
De repente, uma mulher entra na salinha. Ela senta no sofá e fica calada. Fui pegar um cigarro, mas só tinha um. Era o último. Não desesperei. Poderia comprar outro maço quando estivesse lá fora. Percebi que ela estava triste. Não havia percebido nada em ninguém a noite inteira. Não sei porque disse isso para mim mesmo. Ela está triste. O meu cigarro estava na mão. Eu o acariciava como sempre. Queria que ela saísse da sala, mas como dizer? Seria rude da minha parte. Ela tinha alguma coisa familiar, isso me incomodava. Por alguma razão ainda desconhecida do grande conhecimento humano. Eu a ofereci gentilmente o meu último cigarro. Ela enxugou as lágrimas. Não aceitou. Disse que não fumava. Ela começou a falar, soluçar, chorar e caminhar em volta da sala, depois sentar de novo. Eu escutei. Mas não disse nada. Ela foi para a janela e disse que o céu estava lindo. E mesmo? Perguntei para mim mesmo dentro do meu eu. Olhei para fora e não tinha nada de muito lindo. Se fosse uma pintura de algum artista famoso, com certeza, seria lindo. Eu teria ficado encantado e tudo voltaria ao normal. Acendi meu último cigarro, imaginado as mais maravilhosas obras de arte do mundo. Ela ficava só contemplando aquele céu sem tinta, nem expressão e sem conhecimento algum. Acabei dizendo para ela que era lindo. Ela olhou para mim e disse que eu estava mentindo. E era verdade. Então, disse que era feio. Ela deu um sorriso. Não estava entendendo nada. Ela foi até mim. Agradeceu. E disse uma última coisa: Pare de fumar. Fiquei olhando ela sair. Pare de fumar? Porque pararia? Se eu me sinto bem assim. E fiquei pensando o porque dela dizer isso. Olhei para o céu. Não parecia tão feio. Mas, ainda era feio. Eu dei um sorriso. Será? Não pode ser. Ela gostava de mim. De alguma forma. Amassei o maço vazio e joguei fora. E fui pelas ruas que já estavam bem iluminadas com o raiar do dia. Eu queria entender. Porque eu queria que nós ainda estivéssemos na sala? Porque eu queria continuar olhando aquele céu feio? Com certeza, eu preciso de um cigarro...

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Quando o sol falou comigo

Ele queria tocar o sol
apenas pegá-lo uma vez
subia em uma velha árvore
e esticava a mão para o céu

Ele ia correndo
sempre quando estava triste
E quando o sol jazia no horizonte
ele já não tinha mais esperança

Para onde o sol vai quando eu preciso dele?

Ele não era mais um garoto
Agora, ele gostava das noites
Preparado para tudo
Vamos ter um bom momento

Quem eu vou encontrar?
A lua me deixou aqui
Mais um tapa nesse rosto
Essa música está em todo lugar

Lá vem essa sensação
vou virar um lobisomem
não vou devorar ninguém
Eu vou embora daqui

Mais um uivo para a noite
e o cheiro de novo
mais fumaça para enfeitar
ela vai aparecer com a luz
de um homem iluminado

E os outros estão encapuzados
vamos beber outra taça
de um líquido que pode nos trazer
aquilo que ninguém vai trazer

Quem será o próximo a falar?
Ainda consegue ficar em pé?
Quem que você vai culpar?
Outro condenado por ai

Você vai andar muito
Você vai parar em cada lugar
A noite é maravilhosa
ela esconde tudo o que quero
Onde posso encontrar
o que você me roubou?

Mas, quando amanhacer
Eu não vou aguentar
Vou correndo
subir na velha árvore
e esticar a mão para o céu

Para onde o sol vai quando eu preciso dele?

Ele fica lá em cima parado
Porque ele não faz nada?
Acho que ninguém repara nele
Ele nem olha para mim

Acho que não vou querer mais
saber da sua existência
Cansei de implorar sua atenção
Vou esperar a noite chegar

E a vida vai me pregar
todas as peças que ela puder
eu vou acender um cigarro
não vou pensar no futuro

O que eu vou fazer agora?
parece que nada vai mudar
Se eu for embora
o sol não vai perceber

Porque isso me incomoda?
É uma tristeza infeliz
Estou com saudades dele
O que ele fez comigo?

Eu me equilibro em cada galho
tentando não cair
vou subindo bem devagar
o sol, eu quero pegar

E com um único gesto
que vou guardar para minha vida toda
ele apontou para as pessoas que amo
e foi quando eu soube que ele sempre esteve aqui

domingo, 4 de outubro de 2009

Aquela que nunca foi beijada

Nessa noite, ela ia perder sua inocência. Mas, ela ainda era uma menina. Andava pelas ruas, despreocupada e feliz. Ela tinha apenas dez anos. Segurava o seu ursinho meio sujo e maltratado, único presente do pai. Ela não sabia aonde ia e nem quem ia encontrar. Mesmo assim, andava com aquele sorriso no rosto. Aquela vontade de brincar com tudo que ela via. Garrafas quebradas, camisinhas usadas, maços de cigarro e uma embalagem de chocolate. Havia um homem a seguindo. Ele sentira o cheiro de uma maça nunca comida. O cheiro da virgindade o excitava. Então, ele corria com o desespero em seus olhos, querendo saciar essa vontade. Ele estava ficando louco. Queria satisfazer esse prazer logo. Ele não pensou na garotinha. Depois, não vai mais esquecê-la. E daquela escuridão da rua mal iluminada, ele tapou a boca da menina com uma das mãos e a arrastou para um canto de um beco.
Com a outra mão, rasgou o seu vestido azul com flores vermelhas. Baixou sua calcinha. Ela começou a chorar. Sua maça foi mordida. Ela começou a sangrar. Lutava e tentava se desvencilhar, mas era facilmente dominada. O homem estava arrancado tudo que era dela. Sem olhar para ela, ele a jogava na parede. Com um desespero, ela mordeu a mão dele. Ela começou a gritar. Com todas as suas forças. Alguém tem que me ouvir. Alguém tem que me salvar desse pesadelo. Enquanto o homem ficava satisfeito. Ela já não aguentava mais. E toda a vizinhança acordou. Alguns fingiram que não viram nada. Outros aproveitaram e tocaram uma punheta com essa cena. E o espetáculo tinha que continuar. Alguns riram. Outros gravaram e colocaram no youtube, para outros poderem ver. E a platéia era grande. E o show ficava excitante. Mas, ela era apenas uma menina. Esse foi o mundo que ela conheceu. O homem sumiu. Ela não conseguia parar de chorar. Colocava o vestido azul com flores vermelhas rasgado e manchado de sangue. Ela andava. Ela não sabia aonde ia e nem quem ia encontrar. Ela estava sozinha.
Agora, ela era uma mulher. Já estava crescida e sua fruta já madura. Ela estava nua na cama desarrumada. E a noite vinha mais uma vez. Veio mais uma vez trazer o que ela queria esquecer. Veio invadindo sem avisar, sem mesmo dizer uma palavra de paz. Havia uma fila de homens a sua porta. Ela chamou o próximo. O próximo entrou. Ainda estava de paletó e parecia que tinha vindo do trabalho. E foi tirando a roupa, pois o tempo é o bem mais precioso e ninguém pode perdê-lo, assim tão sem nada mais a fazer. Ela, como sempre, se mostrava na posição de defesa. De quatro na cama. E ficava olhando para o travesseiro. Ele já estava nu e com o cinto na mão, pediu para ela colocar no pescoço. E assim ela fez. Enquanto ele trepava nela por trás, apertava progressivamente o seu pescoço com o cinto. Ela não sentia nada além do aperto no pescoço. Cada vez mais a sufocar. Ele se divertia de estar fazendo algo que o agradava e não olhava para ela. Ele estava montando em seu cavalo nas terras distantes, em um vasto campo verde. Galopava sem parar. E parecia perseguir um ponto cego entre as linhas abstratas dos objetos. Até se convergirem em algo realmente assustador e sair do seu corpo em um gostoso movimento libertador. Ela estava inerte. Não se importava. Só queria que acabasse logo e que a noite fosse curta. Todas as suas esperanças eram de que o tempo passasse rápido e que tudo isso acabaria logo. O cinto saiu de seu pescoço. O homem agradeceu e saiu do quarto. Ela se levantou. E foi para o espelho ver o que sobrou. Era um mostro ordinário, mas doce. A marca roxa no pescoço era nítida. E a expressão do rosto era a de sempre. Ela pegou a lâmina de barbear comprada na semana passada. Mostrou o seu pulso para ela mesma. E queria se cortar toda. Acho que posso começar pelo pulso. Queria virar pedacinhos e se espalhar por ai. Ela tinha raiva. Não a raiva de destruir tudo, mas a raiva de não fazer nada. Deixou cair à lâmina no chão. E tinha que voltar. Chamou o próximo. O próximo entrou. Esse parecia mais desesperado. E foi tirando a roupa. Tinha um espírito agressivo. Era um touro. Ela ficou na posição de defesa. Ele bufava. E a arrastava para todos os lugares, mas ela não sentia nada. Ele começou a dar tapas em todas as partes do corpo dela. Ela não se importava. Ele queria chegar ao seu destino o mais rápido possível, então ele não parava. Essa locomotiva não parava e soltava fumaça. Cada vez mais rápido. Gritos ecoavam pelo quarto. Palavras eram ditas em tons muito altos. Ele olhava para o teto. Estava encontrando. Tudo estava chegando. Era a natureza do homem. Aquela que as pessoas discutem tentando achar um final. Aquela que usam como a causa de todas as nossas verdades. Aquela que explica o que somos. Aquela que dirá para aonde vamos. E na fúria desse ato. Ele, simplesmente, acabou. Ela ficou imóvel. Sem querer, ela adormeceu.
E sem saber porque. Ela sonhou. Havia um homem nesse sonho. Ele sabia o que ela queria. Então, foi se aproximando. Ela notou. E pela primeira vez ficou nervosa. E sem saber como, ela já estava em seus braços. Eles se beijavam. E tudo ficava como uma linda pintura que todos apreciam, mas borrada, riscada e confusa. Estava tudo mudado. E tinha uma sensação gostosa no fundo. Naquele momento, ela não queria que a noite acabasse. E sem nenhuma explicação, ela nadava nos olhos de quem nunca tinha visto nessa vida. Ela sentia que água estava fria. E que batia no seu corpo quente. Misturavam-se. Entrelaçavam-se. Trocavam tudo o que ainda tinham consigo. Ela sentiu o vento batendo no cabelo. Acordou. Estava sempre no mesmo lugar. Ela se levantou. E procurou. E achou. O ursinho, ainda sujo e maltratado, que o pai dera para ela. Abraçou-o bem forte. E com eles nos braços, ela foi até a pequena varando do apartamento e viu o mundo lá fora. Tudo e todos passando. E uma lágrima escorreu dos olhos para o rosto e ela foi caindo até chegar em uma poça de água na rua. Um carro vinha velozmente e jogou a água da poça para a calçada. Ela era apenas uma menina. Ela virou a cabeça e notou a porta. Chamou o próximo. O próximo entrou.

sábado, 26 de setembro de 2009

Até as pedras mais duras têm rachaduras

Você foi embora

O medo escondido nas sombras
de um árvore no meio do deserto
suas raízes saem por ai
querendo uma única gota de água

Foi assim, que você apareceu
A dança da chuva, você dançou
A chuva começou a cair
E o deserto virou lama

Quando meus olhos encontraram os seus
eu sabia que podia chorar no seu ombro
Quando meus olhos encontraram os seus
Eu era a tua, eu era minha

E assim,
sem querendo
sem percebendo
você ia me conquistando

Queria fazer dos meus dias
loucos e mágicos
Estávamos muitos próximos
próximos demais

Eu não sabia o que era isso
Eu não sabia o que queria
Eu não sabia o que sentia
Você foi embora

Eu confesso que
você está nos meus pensamentos
Porque fez isso comigo?
Eu sinto sua falta

Eu queria que você estivesse aqui
Eu queria que você ficasse aqui

Acho que eu te amo
Mas, não vou admitir
eu não vou admitir



Fique comigo

Não sabemos o que aconteceu
parece que tudo tremeu
Quando percebemos
já tínhamos partido

E bem longe
Não era o que nós queríamos
Mais uma raiva para explodir
E criar mais uma criatura com frio

Eu quero estar ao seu lado
para pedir um pouco de perdão
Eu quero estar ao seu lado
Fique comigo, está noite

Um orgulho que já foi enterrado
do lado do coração de uma árvore
que vive sozinha em um deserto
Suas folhas estão nascendo devagar

E as gotas de lágrimas de um mar
enchem esse deserto de sal e doce
Essas raízes já vão longe
procurando por outras
para mostrar suas novas folhas

E nós vamos procurando por estrelas
nesse céu sempre vazio
A lua está do nosso lado
Apenas me beije de novo



Na terra de dois amantes

Nossas raízes já penetravam
fundo nesse solo úmido
Nós mostrávamos nossas folhas
para a primavera que vinha

Você estava toda nua
E não tinha nenhuma timidez
Deslizou o seu corpo
junto do meu

Eu podia tocar o sol
cada parte sua em brasa
Acariciava suas estrelas
E beijava sua lua

Descobria o seu mistério
Conhecia seus segredos
Mordia sua maça
que brotava de nossas árvores

Cheirava sua flor
Beijava o seu pescoço
Suas pernas estão no ar
mas conseguia respirar

Nenhum do seus detalhes
passava despercebido
pelos meus sentidos
entregues a você

Eu era dela
E como era bom
Nós éramos árvores
dentro de uma floresta

E fazíamos o que queríamos
Nenhuma palavra foi encontrada
E quando os olhos se achavam
Você sorria satisfeita

Era um dia mágico
na terra de dois amantes



Até as pedras mais duras têm rachaduras

Era mais um homem
a beira de um penhasco
Ele apenas pensava
se esse era o único caminho

Deixem ele pular sozinho
Quem é que vai se importar?
Ninguém mesmo verá
Ninguém mesmo virá

Somos sempre leões
destroçando as nossas presas
Ainda rei das florestas
de concreto e pedra

Somos cães que latem
Um para o outro
Jogando essa culpa
Um para o outro

Disputando o resto
de um ser humano
Lambendo essas feridas
Que nos acompanham

Até as pedras mais duras têm rachaduras

Eu já disse que te amo?
Eu já disse que preciso de você?
Eu já disse que você é meu caminho?
Eu queria dizer todo dia

Ela correndo
Chegou a tempo
Espere por mim
Vamos pular, sim!

Vamos encontrar um caminho
Um caminho entre eu e você
Arrancar com as mãos
esses arames farpados

Vamos encontrar um caminho
Entre as nuvens do céu
Entre as águas do mar
Nos pedaços do mundo
Que vamos conhecer
Quando voarmos

Vamos encontrar um caminho
Nesses estradas pavimentadas
No horizonte, sempre distante
No amor que deixamos
Quando passamos

Eu já disse que te amo?
Eu já disse que preciso de você?
Eu já disse que você é meu caminho?
Eu queria dizer todo dia

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Os últimos sonhadores

Você acha que depois de tudo
eu não ia escrever para você?
Quando eu vejo seus olhos
Eu vejo um pouco de mim

Ele é meu amigo
Ele é meu protegido
As vezes, me sinto um velho pai
As vezes, apenas uma criança

As vezes, nós discutíamos
Com argumentos vencedores
Talvez, precisássemos disso
Mas, isso nunca me convencia

Eu não queria te ver sofrer
Mas, você foi logo amar
Eu deixei você voar
Agora, você não para mais

Você já me viu chorar
Eu já senti sua dor
Tento ser o seu chão
E você me carrega pelos braços

Nunca vou esquecer
da felicidade que conseguimos
desses corações sonhadores
que sempre terminavam se abraçando
nessas mesmas mesas de bar

Você virou um sonhador
E quer mais dessa vida
Você sentiu esse coração pegar fogo
Você sentiu esse coração bater de novo

Eu disse que isso era amor
Eu disse que isso era a vida
Eu disse que isso era muito belo
E vou continuar dizendo

E depois de descobrir isso tudo
Vai ser díficil largar
Mesmo que esses dias estejam tristes
Mesmo que a nossa esperança
seja despedaçada

Será que isso não é amor?

Talvez, sejamos os últimos sonhadores
Mas, caminhamos sempre juntos
Tentando com todas as nossas forças
Fazer com que as pessoas sonhem
com tudo aquilo que nos faz sorrir

domingo, 20 de setembro de 2009

O encontro da tristeza com a alegria

Eu andava pela rua vazia
jogando confete e serpentina
com pouca vontade e ânimo
de seguir em frente

Um velho me falou
que hoje não era carnaval
todos estavam a trabalhar
depois voltavam para o seu lar

E eu pensei que hoje seria o dia
que essa tristeza passaria
Eu andava pela rua vazia
com os restos do que já fui um dia

Quando eu passava tranquilo
todos me olhavam torto
Quem era esse homem estranho
que anda por aqui, nesse dia?

Ninguém queria
que essa tristeza invadisse o dia
E que destruiria
o sussego desse castelo de pedras
construídos com tanto sacrifício

No final da rua vazia
Vinha uma menina
jogando confete e serpentina
com um chamativo sorriso

Ela olhou para mim
Ela sorriu para mim
Ela não teve medo de mim
Ela se aproximou de mim

Jogou confetes no ar
E me laçou com a serpentina
com um abraço forte
eu me senti um menino

Com os olhos
e um toque no rosto
ela perguntou
Meu menino,
porque está tão triste?

Ela era o meu sonho
Ela era o meu amor
Ela era a minha alegria
Ela era a minha vida

Ela era a minha magia
Ela era a minha fantasia
Ela era o meu carnaval
Ela era o meu pedaço

Ela era a minha história
Ela era o meu sorriso
Ela era a minha loucura
Ela era minha

Ela era minha...

E o dia foi parando
com um choro borrado
e um sorriso tímido

sábado, 19 de setembro de 2009

Bater na porta

Ela ainda estava na cama
Toda encolhida
Com os lençois pelas pernas
E a cabeça pelo travesseiro

Queria que o sol a chamasse pelo nome
Ela nao tem forças para ir embora
Com esse coração todo aflito
Ela não queria levantar

Cabelo despenteado
Olhos inchados
Ela se olhava no espelho
E não via uma mulher

O tempo passava rápido
Ela ficava andando pela casa
De um lado para o outro
Ela não aguentava mais esperar

Tocava a parede fria
O perfume que usei um dia
Ela se abraçava
E depois chorava

Vinha aquela saudade louca
das pessoas que já amou
Essas lembranças enternas
E voltava para a cama

Ela olhava para a lua
O que vai ser de mim?
Contava para a lua os seus segredos
E falava das suas dores

Ela chorava
Não aguentava mais segurar
Ainda tinha roupa espalhada pelo chão
E sentava na cama de roupão

Ela queria se perder
e ser encontrada
Lá vem esse vento
que balança as cortinas do quarto

Ela queria ser uma flor
e que sentissem seu cheiro
e com um toque delicado
seria arrancada da terra

Ela queria ser o mar
e poder abraçar as pedras
que não amam mais
e beijar o sol

Ela queria ser feliz
assim como ela é
solta e livre
Correndo pelo mundo

E a toda hora,
os olhos dela iam para a janela
com a esperança de que o amor
ia bater na porta da sala
E a levar embora

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Guardanapo de papel

Era apenas uma menina
não sei o que ela tinha
Foi apenas uma alegria
de quem quis sorrir um dia
Então, eu me apaixonei

Aquela borboleta apareceu de novo
Tinha a perdido por ai
Sempre corri atrás dela
E de longe avistei
que ela voava com uma graça
da mulher que eu beijei

A cascata que caia desses olhos cor de mel
caia e caia, sobre mim e sobre o céu
Eu nadava em suas águas quentes
nesse lago azul do seu lindo corpo nu

Mas a cigana leu as linhas
de nossas mãos perdidas
E revelou nosso destino
Você logo acreditou
E não quis mais saber de amar

E para mim só restou
voltar a pensar
Será que a cigana errou?
voltar a lembrar

A cigana estava sozinha
com as cicatrizes da vida
E naquela bola de cristal
Ela via a vida que já passou

Eu apenas queria
ver esses olhos de novo
para tentar te mostrar
que a vida pode mudar
com um pouco de amor

Enquanto isso,
junto com outros estranhos
Escrevemos o amor
com quaisquer palavras
em um guardanapo de papel

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Não é só isso

Eu quero uma mulher
que entenda
o que sinto
quando existe esse olhar

Eu quero uma mulher
que me surpreenda
e não fique sempre nessa
mesma conversa de bar

Queria uma mulher
que compreendesse
que o amor não é só isso.
E que podemos ser vistos
por esse imenso mar

Eu quero uma mulher
que se mostrasse
sem medo de desabrochar
sem medo de chorar

Eu quero uma mulher
que conseguisse
recuperar o meu sorriso
e me deixar um riso

Queria uma mulher
que compreendesse
que o amor não é só isso.
E que podemos ser vistos
por esse imenso mar

Eu quero uma mulher
que fizesse
um cafuné alegre
e um carinho ardente

Eu quero uma mulher
que soubesse
que ela é linda
linda sem frescura

Eu quero uma mulher
que sonhasse
que o amor não é só isso.
E que podemos ser vistos
por esse imenso mar

Em qualquer lugar

Queria ter você
perto de mim
nua e crua
bonita assim

Minhas lágrimas secaram ao sol
para apenas poder te ver
Tive que matar meus monstros
para só poder me aproximar

Aquelas coisas chatas do velho mundo
já não importavam mais
É com você
que eu sonhava cada vez mais

E naqueles dias tristes que paravam
as gotas de chuva abraçavam nossos rostos
E com a terra molhada da sua boca
Eu torcia para uma flor logo desabrochar

Eu sei que talvez você não entenda
o que quero dizer
mas se descobrisse uma vez
o que tem nesse olhar

Devo confessar que adoro
quando aquela felicdade boba
invade o peito sem avisar
Eu só queria te achar

Em qualquer lugar

Quando sua mão está fria
logo essa dor vem me pegar
Será que vamos aguentar?
Será que vamos voltar?

Quando você explodir
essas amarguras do dia
Será que vamos aguentar?
Será que vamos voltar?

Devo confessar que tenho saudade
daquela boba felicidade
que invade o peito sem avisar
Eu só queria te amar

Em qualquer lugar

O mundo pode dizer o que quiser
Eu te amo, e o que eu vou dizer

Em qualquer lugar...

Aquela música

Era aquele aperto só. Muitas pessoas tentando conseguir um espaço inexistente. Todos espremidos. O ônibus como sempre está cheio a essa hora. Ele já estava em pé e não conseguia se mexer muito. Não fora um dia muito bom. Seus nervos já estavam à flor da pele. Era só uma fagulha e ele ia explodir. Tudo estava nos seus pensamentos, eram só problemas, era para matar de aflição. Olha o meu ponto ai. Esforçou-se para apertar a cordinha. Saiu pisando nos pés de todo mundo, já estava irritado, com aquela vida chata. Saiu xingando todo mundo. E todos o xingavam. Gritava com o ônibus que ia embora.
Ela tinha se estressado no trabalho. Era uma pressão imensa sobre ela. Queria sumir por uns tempos. Faz tempo que não tirava férias. Quando chegar em casa ainda tinha que fazer jantar. Ela não agüentava mais. Eu tenho que fazer tudo. Andando pela rua, conversando com sua amiga, sobre as fofocas do dia. Vamos dar umas risadas da vida alheia que não podem estar melhor que a nossa. Chegava em casa uma pouca aliviada, mas quando via aquela meia no chão, saía do sério. Vinha aquela raiva para estragar as sobras de alegria.
Ele abriu a porta de casa, procurando um pouco de paz. Nem se lembrava que tinha uma flor em casa. E logo que chegou. Ela começou a dizer.
- Você deixa suas meias pela casa. Tenha mais organização com suas coisas.
- Olha, eu não quero discutir. Eu faço o que quiser.
- Faz o que quiser?
- Sim, estou muito cansado. Eu trabalho.
- Como se eu não trabalhasse também.
- Eu só quero ver televisão.
- Claro, eu fico fazendo o jantar.
- Não me enche o saco.
- Eu não te agüento mais.
- Eu não te agüento mais.

Cada um foi para o seu canto. Ele liga a televisão. Ela foi fazer o jantar. Não éramos nós que pensávamos que íamos ter uma vida diferente de nossos pais? Esses corações, sem perceber, vão se cristalizando, e vão ser expostos em uma distante galeria de arte, de um artista sem nome e sem vida. Estamos tão longe. Caímos nas armadilhas do mundo. E não agüentamos mais. Joga os cacos dos sonhos por de baixo desse tapete. As coisas já não são mais as mesmas, e ficamos parados olhando. Será que não vamos mais fazer nada? Pensávamos que íamos conseguir viver nesse mundo, mas foi só um engano. Uma loucura momentânea de quem queria viver essa vida. Mas, só sobrou esses dias, que consomem a felicidade de outros carnavais. E consomem a alegria dos seus olhos. Amor, porque estamos aqui chorando? Amor, porque estamos aqui?
Aquela música começa a tocar. Aquela que costumávamos dançar. Será que está vindo do vizinho? Ou será da rua? Ele desliga a televisão para pode ouvir melhor. Ela para de picar os legumes. Olha para frente. De onde vem essa música? Tantas lembranças. Ele se levanta do sofá. Esquecendo disso tudo que aconteceu no dia, ele se aproxima dela. Bem devagar, quase parando. Ela percebe que ele vem vindo. Tem alguma coisa no ar. E com a mão estendida para ela, era um pedido de perdão. Sentia um cheiro forte de flor. Ela largou tudo. E começaram a dançar. Porque dois desajeitados não podem dançar? Não queriam saber de mais nada. Não queriam saber o que o mundo falaria. Só queria, enfim, viver um pouco. Tirar a alegria daquelas pedras miúdas que corroíam a garganta. E foram dançando pela porta afora. E todos vizinhos fofocavam sobre quem eram esses dois que não dormiam. E eles não estavam nem ai. E sentiam tão bem que sussurravam no ouvido um do outro. Aquelas palavras bonitas que nós precisamos ouvir. Já estavam bem próximos. E os toques, agora, eram delicados. Passando por todo o corpo. Ai, meu deus, o que estamos fazendo aqui? Isso não estava nos nossos planos. Não percebemos o amanhecer chegar, ainda continuamos a dançar aquela música que falava de amor.

domingo, 13 de setembro de 2009

Essa e aquela mulher

Sabe aquela mulher que quando chega todos param para vê-la? Ela era esse tipo de mulher. O salão estava cheio. Algumas mesinhas no canto. Um grande espaço para dançar onde ficava a banda em um pequeno palco. Os corpos já flutuavam pelo salão. A banda tocava aquele samba. Os pés não queriam parar. As mãos com seus copos de cerveja quase caindo iam para todos os lados. A pilha de guardanapos cada vez mais ia crescendo com os pedidos das músicas que as pessoas deixavam ali em cima do palco. A música jamais parava de tocar e todos sabiam que não ia parar, só até o galo cantar. Era uma noite animada.
Então, ela chega. E todos já percebem que ela chegou. Uma cor de pele com gosto do anoitecer, olhos bem meigos, mas muito bem abertos, concentrados, penetrantes, desafiadores. Dá um arrepio e assusta só de pensar nesse olhar. Tinha um cabelo enrolado que subia para o céu. Ela tinha uma bunda linda que abraçava seu corpo. Sua pose ereta, com a ajuda de um salto, elevava seu espírito. Ela estava pronta para dominar qualquer um que chegasse. Porém, essa mulher não me engana. Os homens já olhavam com certo calor. Os olhos deles acompanhavam seu gingado pelo salão, ela só foi pegar uma cerveja no balcão. Todos eles esperavam o momento certo. Aquela mulher observava tranquila o salão. Podia ter qualquer homem. Podia ter qualquer um. Ela sabia disso. Isso nunca foi problema. Era apenas um problema de escolher. Era uma noite tranquila. Essa mulher não engana.
Depois do copo de cerveja, ela de fininho chegou até a banda e deixou um guardanapo com um pedido. Foi para o meio da pista e começou a sambar. Ela não ia parar. Era o momento que todos os homens estavam esperando. Eles não iam tirar os olhos dela. Cada vez mais ela atrai a presença de pessoas e olhares. E um sorriso sensual saiu da sua boca. Ela continuava a sambar. Não tinha coisa melhor. Era a vida tomando conta de seus pés, às vezes, até se esquecia de estar ali. Fechava os olhos e mergulhava dentro de seus sonhos mais íntimos. Não sentia a dor nos calcanhares, nem o cansaço dos músculos, apenas sambava e viajava em sua aventura gostosa. Mas, depois ela percebia que estava ali. Um gosto amargo ficava na boca. E todos os homens não paravam de olhá-la. E vinha aquela amargura dessa vingança eterna. Seus olhos se abriam demais, e depois ganhavam um tom matador. Essa mulher não me engana. Ela tinha tudo. Estava tudo em suas mãos. Nada mais importava. A situação sempre em seu controle, depois que ela requebrava até o chão. O suor caindo pelo o seu rosto fez ela pegar outra cerveja quase sem parar de dançar. E os homens iam se aproximando querendo tirar uma casquinha dessa mulher. Ela brincava com eles. Queria que eles brigassem para ficar com ela. Queria que eles fizessem tudo por ela. Queria que eles disputassem cada migalha. E quem sabe ela ofereceria alguma coisa. Ela se divertia. Dava gargalhadas. Depois era só decidir quem ia para casa com ela. Mas aquela mulher não me engana. Ela descobriu isso quando nossos olhos se encontraram. Com um olhar fixo nos olhos dela, ela se assustou. Via uma menina. Via uma mulher. Fechou os olhos para encontrar aquele sonho perdido nas estradas da vida. E percebeu que não tinha parado de sambar. Então, devagarzinho, ela abriu os olhos, e com um desespero latente, com o olhar cheio de lágrimas e uma expressa doce, ela me pediu um beijo carinhoso para poder aguentar mais um dia.

domingo, 16 de agosto de 2009

A porta do quarto

Porta fechada - parte 1

A porta está trancada.
A chave na sua mão.
Apertada entre seus dedos.
Segura de todos os medos.

Estou encostado na porta.
Não vai me deixar entrar?
Estou aqui falando sozinho.
Porque você não me escuta?


As rosas caídas

Sentado na cadeira enferrujada
ao lado da mesa desarrumada.
Um copo cheio de cerveja.
Um cigarro e um isqueiro.

Nesses tempos estranhos,
um vento frio passa de repente.
As nuvens cobrem o sol.
Eu acendo meu cigarro.

Ninguém consegue ver
as rosas caídas
na rua imunda
do bar da esquina.

Prostitutas e cafetões.
Trabalhadores e vagabundos.
Todos passam por aqui.
Não encontram outro caminho.

Um gole dessa cerveja gelada.
Os corações estão aflitos.
A solidão transborda pelos olhos
dos que passam por aqui.

Ninguém consegue ver
as rosas caídas
na rua imunda
do bar da esquina.

Bêbados e loucos
gritam sem pudor.
Dançam suas danças malucas
E depois caem no chão.

As cadeiras vazias do meu lado.
Só restam as cinzas do cigarro.
Embriagado pelos copos de cerveja.
E a solidão transborda dentro de mim.

Então essas pessoas esquecidas
recolhem as rosas do chão
e vendem por uma misera atenção.
Você quer comprar uma rosa?

Ninguém consegue ver
as rosas caídas
na rua imunda
do bar da esquina.


Porta fechada parte 2

Está frio no corredor.
Você não fala comigo.
Não adianta bater na porta.
Não sei se está tudo bem.

Estou gritando por dentro.
Com uma enorme vontade
de dizer algumas palavras.
Como você está se sentindo?


Da janela do quarto

Olhando para fora.
Da janela do quarto.
Minha existência evapora no ar.
Minha essência não sai desse lugar.

Não consigo dormir mais.
Não consigo sonhar mais.
Alguém sabe que estou aqui?
Alguém está me ouvindo?

Quando nos separamos?

Aqui sozinho.
Lembro do mundo que criamos.
Nossos sentimentos sopravam como vento.
As árvores nos acolhiam com um abraço.

Nossos amigos voavam por cima das nuvens.
Tomávamos banho sem roupa no rio.
Rolávamos na grama por cima dos montes.
E sonhávamos olhando para o universo.

Tudo o que víamos.
Era nosso.
Tudo o que tocamos.
Era nosso.
Todos os cheiros.
Era nosso.
Todos os sons.
Era nosso.
E Tudo o que éramos.
Era nosso.

Nossos amigos eram as estrelas do céu.
Nós nascíamos junto do dia
e descobríamos cada detalhe
desconhecido desse mundo.

Eram as pessoas sozinhas.

E juntavam-se a nós.
E viviam conosco.
Dançávamos e cantávamos.
Brincávamos como crianças.

Os quilômetros de trilhos de ferro
cruzavam-se de diferentes formas.
Iam para todos os lugares.
Paravam em todas as estações.

Estava tudo na ponta do lápis.
Eram vidas dentro de nossas vidas.
Pequenos momentos de felicidade.
Fragmentos de cada um que surgia.

E tudo se encaixava
em um mosaico colorido.
Era uma confusão compreensível
de corações que batiam.

Compartilhávamos o dia
com toda a sua esperança.
E olhávamos um para outro
quando as palavras fugiam.

Eu adorava quando os raios solares refletiam nos seus olhos negros.
E o mar encontrava o seu corpo que explodia em milhares de ondas.
Você descobria a vida em pequenas conchas vazias.
E nós dormíamos cansados na areia fofa da praia.

O que aconteceu conosco?
Quando nos separamos?

Os sinos tocam os ecos.
Anunciando a hora de partida.
E volto para meu quarto.
E voltamos para o chão.

Arrastamos correntes
das obrigações e interesses.
E com um sorriso escondido
dizemos que está tudo bem.

E os rostos retorcidos de nossos amigos
se desmancham dentro da água
do líquido sem cor que escorre da mesa.

As linhas são retas.
Os caminhos são únicos.
E nada é a palavra daqui.
E nada mais é nosso.

Às vezes, sonhávamos que as pessoas
participariam da festa em nosso mundo.
Algumas pessoas nunca foram.
E falavam mal das nossas almas.

E todos estão se afastando.
Estão com medo uns do outros.
Todos são meus inimigos.
Protegemos nossos pertences com a vida.
Não se aproxime, senão eu atiro! Eu juro!

Quando tentamos desesperadamente
nos embriagar de amor.
Somos colocados contra o muro.
E jogam água fria em nossos rostos.

Acordamos dentro do quarto.
Não querendo sair da cama.
Com grades nas janelas.
E sufocados pela falta de ar.

Então eu consigo dormir...

Sonhando, encontro com você
Escondidos, ainda sonhamos.
Dentro do mundo.
Que nós escrevemos com nossas próprias palavras.


Palavras sem significados

Em cima do palanque.
Eu lhe entrego palavras.
De paz e amor.
E sou aplaudido de pé.

Quando nações banham seus corpos
dentro das fontes da liberdade.
Quando um pouco de sangue cair
dentro do maior rio da individualidade.

Um homenzinho magro e pálido.
Fraco, tremendo e com medo.
Sonhava em amar
o mundo como ele mesmo.

Ele morreu com um tiro na cabeça.
Seu corpo era levado pelo rio.
As águas acabavam no ralo.

O que sobrou para nós?
As palavras sem significado.
São usadas como flechas.
Para acertar seus alvos.

O amor era a minha preferida.
Uma palavra pequena e adorada.
Fácil de dizer e escrever.
Sempre subestimada.

E vamos nós na estrada.
Trocando palavras.
Que viram areia bem fina.
E se juntam aos vários desertos.

Nossos olhares fitam o nada.
A paisagem sem natureza.
O quadro sem tinta.
Palavras sem significado.

Atrás da porta de madeira.

Seguro um turbilhão de palavras.
Juntas como um buquê de flores.
Com um forte cheiro da saudade.
De quando éramos livres.
De quando éramos felizes.
Sem saber, sem perceber.


Porta fechada parte 3

A luz fraca ilumina
a noite que vem vindo.
Já estou sentado no chão
sem nenhuma motivação.

Cansei de bater na porta.
Cansei de gritar seu nome.
Está na hora de ir embora.
Está na hora de dizer adeus.


Anjos caídos

Fico debruçado sobre a porta.
Imaginando seu corpo.
Uma intensa troca.
No limite da angustia.

Nosso silêncio está perdido no tempo.
Quando nos separamos?
Nosso silêncio está perdido no espaço.
Onde nos separamos?

Eu vou voar.
E com o sol me encontrar.
E desaparecer.

Uma folha de papel na mão.
Mais um poema idiota para a coleção.
Amassado e jogado no primeiro furacão.
Destruindo tudo com todas as forças.

Nesse corredor escuro.
Eu tento enxergar a saída.
O final de tarde.
Em um tom avermelhado.

Eu vou voar.
E com o sol me encontrar.
E desaparecer.

E lá fora na rua.
Estão todos calados.
Colocam as asas no ar.
Estão dispostos a voar.

Os anjos caídos fazem fila.
Estão todos hipnotizados.
Pelo o escaldante sol.
E desaparecem sem imaginar.

Eu sou o próximo.
Ele vem vindo.
Onde não tem dor.
Toda a despedida é bem-vinda.


O baile de máscaras no teatro sem emoções

Bem-vindo ao baile de máscaras
no teatro sem emoções.
Escolha uma máscara da parede.
Divirta-se essa noite.

Uma máscara com diamantes brilhantes.
Olhos de vidro que refletem pouca luz.
Uma boca levemente avermelhada.
Um rosto de uma beleza que seduz.

Todos os movimentos e ações.
Presos aos fios de náilon.
Controlamos com cuidado.
Nossos bonecos dançando.

Sempre são as mesmas.
As palavras que diz.
Seguem um roteiro.
Não existe improvisação aqui.

Todos são atores esta noite.
Quanto melhor a sua interpretação.
Quanto mais convincente.
Melhor o resultado da apresentação.

No canto do palco.
Uma caixa de música escondida.
Onde deixam as emoções.
Ninguém se aproxima.

E ai, minha linda?
O que te traz aqui hoje?
Temos interesses em comum.
Porque não abre a porta para mim?

Vamos começar com o jogo.
Nós dois podemos vencer.
Temos o mesmo objetivo.
Abra a porta.

Você sabe que eu quero.
Eu sei o que você quer.
Precisamos enrolar mais?
Abra a porta.

Eu vou te dar tudo.
Tudo o que mundo oferecer.
Quer uma bebida para começar?
Abra a porta.

Um líquido sem cor é derramado.
Caindo gota a gota no chão.
Lambemos tudo o que podemos.
Até a última gota que restar.

Já estão acabando as palavras
do meu curto roteiro.
Vai rolar ou não?
Abra a porta.

O que você tem a me oferecer?
Um pouco de sexo, por favor.
Comerei o seu coração.
Gozarei no seu colchão.

Eu sei que você quer.
Não vale mais dizer não.
Não tenho mais paciência!
Abra logo essa porra de porta!

A caixa de música.
Encolhida no canto.
Reprimida e escondida.
Sozinha e desamparada.
Sempre passa despercebida.


Homem de lata

Senhoras e senhores.
A máquina do século.
Construída por nós.
O homem de lata.

Seu corpo feito de lata.
Com a sua energia artificial.
Com seus encaixes modernos.
É a máquina mais avançada que existe.

Ele tem todas as funções
de um ser humano qualquer.
Mas, existe uma na qual ele é o melhor.
Na satisfação de todos os seus prazeres.

Satisfaz seus prazeres mais desejados.
Satisfaz seus prazeres viciados.
Satisfaz seus prazeres nunca provados.
Satisfaz seus prazeres reprimidos.

Você pode comprá-lo
por um pequeno preço.
Imagina ter em casa,
o alcance aos seus desejos.

De uma indústria formada.
Para a sua casa arrumada.
Venderam milhões de homens.
Todos querem um.

Então você veio me satisfazer?
Venha que estou louca para isso.
Não aguento mais nem um segundo.
Você é a melhor coisa que já existiu.

Depois, o homem de lata.
Era largado de lado.
E ficava com seus pensamentos.
Atrás de uma porta guardado.

Ninguém sabia o que ele queria.
Quem se importava?
Todos tinham o que queriam.
Todos tinham o que desejavam.

Todos estavam juntos e agarrados
aos seus desejos e prazeres.
Não lembravam dos outros.
Poderiam fazer tudo sozinhos.

Um homem de lata
se recusou a obedecer.
O mundo não diria mais
o que ele pode fazer.

Ele apenas disse algumas palavras
para a pessoa que o comprou.

Você nunca pensou que a felicidade
pode ser uma simples criação nossa?
Uma criação que nunca estará pronta.
Mas vamos construindo dia-a-dia.
Sabe o que eu queria?

Eu queria que o fogo do seu coração
derretesse o meu corpo de lata.
E tudo seria mais uma explosão
desconhecida no universo.


A caixa de música

Já olhou para as ruas
aparentemente vazias?
Como você perceberia
que alguém já esteve ali.

Sempre existe alguém
em um canto escuro
dessas ruas vazias
esperando a luz se apagar

Andando por essas ruas.
Não sabendo muito onde vou.
Encontro alguém sentado no meio-fio.
Vomitando tudo o que comia.

Mais um dia triste.
Mais um dia decepcionante.
Mais um dia de luta que se foi.
Mais um dia descrente que ficou.

Você está longe daqui.
Quem eu estou enganando
quando pensei que você lembraria de mim?

Então eu não sou ninguém.
Ignorado pelos inteligentes.
Julgado pelos intolerantes.
Odiado pelos hipócritas.

Ainda não percebeu
aonde isso vai dar?

Vamos no separar.

Meu amigo caído no chão.
Vou te ajudar a se levantar.
Vamos para longe do vomito.
Respire o mais fundo que puder.

A minha caixa de música
estava na calçada quieta.
Ela se abriu sozinha
quebrando o silêncio da rua.

Um saxofone cantou o choro.
Uma guitarra contorceu o céu.
A flauta suavizou o momento.
A gaita voou pela rua.

Os bêbados, loucos,
drogados e esquecidos.
Todos escutaram a música
e carregaram seu peso.

Todos se abraçaram
e choraram
nos ombros uns dos outros.
E não conseguiam parar

Meu amigo, não chore assim.
Suas lágrimas de amargura
descem até meu ombro.
Abraçados queremos mais.

A música muda o ritmo da vida.

Parecia uma escola de samba
entrando na avenida
com muito batuque
da bateria toda unida.

Os bêbados, loucos,
drogados e esquecidos.
Todos dançavam a música.
E se sentiam leves e soltos.

Todos dançaram
e se divertiam
uns com os outros.
E não conseguiam parar.

Meu amigo, vamos dançar.
Então, vamos cantar.
Essa música tão linda
que sai dessa caixa divina.

Mais um dia de esperança
para aqueles que só precisam
de uma pequena caixa de música
que você deixou em algum lugar.

E no quarto, você não dorme.
Essa música como um furacão.
Destrói a sua serenidade.
E inflama seus sentidos.

A porta parece tão próxima.

Eu não quero isso!
Pare com isso!
Pare agora!
Chega disso tudo!

Remédios do lado da cama.
Comprimidos descem fácil
com um copo de água.
A cama não foi esquecida.

Algumas garrafas de álcool, por favor.
Para anestesiar essa dor
que chega sei lá de onde.
E vai sei lá para onde.

Devagar minha caixa vai fechando.
A música vai se acabando.
E todos voltam para o lugar
de onde vieram por escutar.

Sozinho carrego a caixa
nos meus braços com cuidado.
Desiludido e arrependido.
Repetindo para mim mesmo.

Desculpe se nessa mistura
de felicidade e alegria
de compaixão e amor
da minha caixa de música.

Eu sentir alguma por você...


Porta fechada parte 4

Você está sentada na cama.
Olhos de peixe morto.
Sem forças para andar.
Lembranças na parede fria.

Um vento vazio se aproxima.
Encolhida você fica.
Meu ouvido colado na porta.
Só existe essa porta entre nós?


Algo desconhecido

Atrás dessas nuvens de água.
Em algum lugar dessa respiração.
Nas sementes germinado.
Nas árvores que crescem do chão.

No canto dos nossos olhares.
Nos gestos delicados.
No momento que nos conhecemos,
em que rimos das nossas bobagens.

De nossas próprias palavras.
Daquela felicidade que surgia
sem ser convidada por nós
mas que tinha vida própria.

Das folhas que caem
atrás de você,
mas não percebe
o que querem mostrar.

Como elas voam suavemente.
Como vem e vão.
Com movimentos involuntários.
Algumas batem na sua mão.

O vento que canta
nos nossos ouvidos
uma maravilhosa canção
da época em que nós
ainda nos divertíamos.

E nós não somos mais os mesmos.
No sol pintando a paisagem
junto com o mar calmo.
Atrás da montanha que medita.

Nessa natureza muito louca.
Nas coisas sem sentido.
Com os pés no chão
e a ponta do dedo no céu.

Você pode se perder nisso tudo.

Mostre para mim o que quiser.
Diga para mim o que quiser.
Eu não vou te machucar.
Você pode apenas sussurrar.

E você aparece na janela
gritando para o mundo todo
que pode voar pelo céu sem asas
e nadar para o fundo do mar sem guelras.


A criança da minha vida

Alguns poucos raios de claridade
com sombras estranhas de folhas desajeitadas
passam pela janela cobertas por cortinas
dentro de um quarto cheio de melancolia.

É apenas uma criança presa na cama
com tubos pelo nariz e boca,
agulhas no braço, comida no prato,
um rosto triste e pouca reação.

Diga que eu não poderei brincar
com meus amigos lá fora.
Diga que eu vou morrer de câncer
nos próximos meses adiante.

Nós ainda estamos aqui.

Eu vou dedicar o meu amor
para a criança da minha vida.
Saiu correndo com os braços abertos
Não está vendo ela sorrindo?

Alguém com cara de palhaço
entre no quarto pintado de branco.
Os olhos da criança
logo se enchem de alegria.

O circo todo estava ali.
Trapezistas, malabaristas.
pulando de um lado para o outro
arrancando aplausos sinceros.

Os palhaços engraçados
arrancando gargalhadas
das atenções reviradas
de crianças ativas.

E o mágico entra em cena
mostrando que a mágica
ainda vale a pena
nos milagres dessa vida trágica.

Diga que não confia em nós.
Diga que nada mais vale a pena.
Diga que tudo não passa de ilusão.
Diga que entre nós não exista nada.

Nós ainda estamos aqui.

Eu vou dedicar o meu amor
para a criança da minha vida.
Saiu correndo com os braços abertos
Não está vendo ela sorrindo?

Eu não vou morrer hoje
Hoje, eu já despertei
Ainda dá para aproveitar
esse dia que me entreguei.

E a criança não cansa
e eu também não.
Pintamos a ponta do nariz.
Desenhamos nossos sonhos nas paredes.

E lá vamos nós,
jogando cores nos quartos brancos,
brincando com nossos pés tortos,
queremos contagiar os seus olhos,
nunca mais vai se esquecer de nós.

Diga que tudo desabará amanhã.
Diga que os sonhos vão desaparecer.
Diga que vamos crescer e esquecer.
Diga que vamos morrer.

Nós ainda estamos aqui.

Eu vou dedicar o meu amor
para a criança da minha vida.
Saiu correndo com os braços abertos
Não está vendo ela sorrindo?

É uma pena
que você não esteja aqui.
Queríamos compartilhar
tudo isso com você.

Eu e a minha criança
descemos as escadas
e corremos para a rua.

E você no alto da sacada
esperava na janela.
E passando rindo muito,
nós te percebemos.

Você não quer brincar conosco?


Ela

A raiva presa no quarto fechado.
Tudo que era seu no chão.
Todos os vidros quebrados.
O seu espelho rachado.

Refletiam suas mil almas.
Eram o resto de luz das estrelas
que explodiram criando outras formas
de vida com sua própria luz.

Da janela do quarto fechado.
Ela não conteve esse sorriso bobo.
O horizonte já não podia.
Esconder o início daquele dia.

Ela não sabia que podia amar


Porta fechada – parte 5

Se estivéssemos aqui
Você perceberia?
Se estivéssemos aqui
Você lembraria?

As pessoas na rua
Estão eufóricas
Cantam e dançam
O bloco está passando...


Carnaval

Nesses tempos de festa .
Todas as portas são abertas.
Todos vão para a rua.
O bloco está passando...

Com uma chave enferrujada.
Você abre a porta do quarto.
Ela se quebra em vários pedaços.
E nós descemos de mãos dadas.

Nessa multidão de gente.
As histórias de nossas vidas.
Quebram todos as teorias.
Vamos cair nessa folia!

Embriagados de felicidade,
nos perdemos nessas multidões.
Todas nossas concretas opiniões,
se perdem no mar dos corações.

E o bloco, já parou de cantar?
Olha lá! Tem outro passando lá.
Vários blocos em um só lugar.
Nós não vamos parar.

Nós não vamos parar...


Nirvana

E não conseguimos mais segurar.
O quarto agora com a porta aberta.
E não nos importamos mais.
E nós queremos mais.

Com toques sutis e inesperados.
Descobrimos o corpo um do outro.
Nessa sintonia louca de movimentos.
Nos perdemos os braços e as pernas.

No fundo todas melodias e letras,
se entrelaçam e se desfazem,
saindo com toda a força
de nossas caixas de música.

As estrelas agitadas no céu
mudam de posição e direção.

Então, uma explosão.
Então, uma supernova.

Todas as paredes são destruídas.
A porta pesada cai no chão.
E o vento invade nossas mentes.
E o mundo toca violão.

O sol encontra a lua.
Um beijo.
Um eclipse.
E o universo muda...


Nos cantos dos olhos e nas sombras dos corações

O que o seu coração faminto
grita no seu ouvido?
O que tem lá fora?
O que tem lá dentro?

De corredores longos e mudos,
para quartos vazios e escuros.
O que te lá fora?
O que tem lá dentro?

Você acha que acaba aqui?
Atrás de uma porta sem graça?

Sabe, eu estou te esperando.
Nos cantos dos olhos
e nas sombras dos corações.
Eu estou te esperando.

Você acha que acaba aqui?


Porta fechada - parte 6

Nós acordamos.
Um pouco assustados.
Não percebemos o dia.
Estamos atrasados.

Nós temos que trabalhar.
Quanto mais rápido melhor
Já estamos com mão na porta.
Talvez, um dia nos vemos de novo.