domingo, 18 de janeiro de 2009

Se pudessemos guardar nossos sentimentos no ármario

Uma garrafa de vidro
cheia de sentimentos
guardada no fundo
do ármario do quarto.

Se pudessemos guardar nossos sentimentos no ármario.
Você guardaria?

Uma garrada de vidro
com seu sentimento para mim.
Peço para não guardá-la ainda.
Apenas mande para mim.

Se pudessemos guardar nossos sentimentos no ármario.
Você guardaria?

Sua garrafa de vidro
na minha frente.
A porta do meu ármario aberta.
Apenas coloque lá dentro.

Se pudessemos guardar nossos sentimentos no ármario.
Você guardaria?

Sua garrada de vidro
na minha mão.
Segue em direção a parede.
Mil pedaços pelo chão.

Se pudessemos guardar nossos sentimentos no ármario.
Você guardaria?

Não tenho garrafas de vidro.
Seu sentimento é livre.
Agora ele pode conhecer
a profundidade do mundo.

Se pudessemos guardar nossos sentimentos no ármario
Você guardaria?

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Nunca é o bastante

Dever ser difícil se apaixonar por mim,
mas é facil me apaixonar por você.
É tipo uma maldição.
Você vai dizer não.

Eu ja fui corajoso.
Um homem velho.
Agora, uma criança,
com medo do mundo.

Parece que vivo,
meus últimos dias.
Mas olho parado,
o dia acabar.

Talvez eu te ame.
Que diferança isso faz?
Meu próximo amor.
Que diferença isso faz?

Quando tudo ao meu lado.
Perde todo o sentido.
Querendo me dizer alguma coisa
Quebrando minha intimidade.

Atenção em mil direções.
Socos na parede e palavrões.
Fumaça nos pulmões e corações.
Álcool nas veias e na mente.

Quando você olha para mim.
Eu digo para você parar.
E você indaga porque.
Eu não sei o que dizer.

Uma flor com espinhos,
em um jarro com água,
no canto da sala.
Queria você aqui.

Se a vida durasse,
os minutos de uma música.
Você dançaria comigo?

Poderia te beijar?
Poderia?

Eu poderia dizer que te amo.
Mas isso nunca é o bastante.

Eu estou aqui

“Ele está com um câncer. Está avançado. Acho que ele só tem alguns dias de vida”. Talvez as piores palavras que ela já escutou em toda a sua vida. Não sabia o que fazer, nem o que pensar. O chão desabou. O mundo acabou. Aonde vou me segurar? Em qualquer coisa! Em tudo! Nas lágrimas que não chorei. Na força que finjo ter. Meu irmão. Ele é mais novo que eu. Lembro quando ele quebrou o braço caindo de bicicleta. Corri quatro quarteirões com ele nos braços até o hospital. Sempre disse que ficaria tudo bem. E agora, o que eu digo? Vai ficar tudo bem, digo segurando sua mão. Não somos mais crianças. Mais uma noite fria no hospital. Não consigo dormir. Ele já dormiu. Apenas o observo dormindo. As horas não passam. Mas quando percebo, estou acordando.
- Bom dia, Pedro. Como está se sentindo?
- Estou bem. Então vai me dizer o que o médico disse.
Lembrava das palavras. Uma tristeza profunda aparecia. Mas ela não demonstrava, segurava tudo como podia.
- Ele disse que você vai ficar bem.
- Porque tenho a impressão que você não está me dizendo a verdade?
- É apenas impressão sua.
- Tudo bem.
Barulhos de batidas na porta.
- Deve ser a enfermeira. Vou atender. – diz a irmã.
Fica de pé. Ajeita a saia. Caminha. Abre a porta. É um homem. Um jovem.
- Será que eu posso entrar? – ele diz.
- Claro. Mas quem é você?
- Sou Mateus, amigo do Pedro.
- Eu sou Lúcia. Prazer.
- Prazer.
Mateus entra no quarto. Anda calmamente até Pedro.
- Como está rapaz?
- Estou bem. Daqui a pouco eu saio daqui.
- Espero que sim. Sabe o que você tem?
- Minha irmã não diz. Mas acho que não é nada grave.
Mateus olha para Lúcia. Depois volta o olhar para Pedro.
- Não deve ser nada grave mesmo.


Já era noite. Pedro estava dormindo. Mateus estava de um lado da cama, enquanto Lúcia estava do outro.
- Você não vai embora? – perguntou Lúcia.
- Não, vou ficar aqui essa noite. – respondeu Mateus.
- Será que você pode tomar conta do Pedro, enquanto eu vou ao banheiro?
- Claro, pode ir.
Lúcia pega sua bolsa. Levanta com um pouco de dificuldade. Um cansaço. Caminha devagarzinho. Abre a porta, e depois apenas encosta.
Alguns minutos se passam. Mateus luta contra o sono. A cabeça fica cambaleando. Os olhos fechando. Mas ele fica firme. Lúcia está demorando no banheiro. Mateus se levanta, estica os braços e dá um leve tapa na cara. Vai até a porta do banheiro. Com a mão direita bate na porta delicadamente.
- Lúcia, tudo bem ai?
Silêncio. Outras batidas.
- Tudo bem ai?
Silêncio. A mão vai parar na maçaneta. Gira. A porta é aberta. Lúcia está sentada no vaso. Com uma seringa presa em um dos seus braços. Os olhos de peixe morto fitando o nada.
- Você está bem? – pergunta Mateus.
Ela não responde. Mas olha para ele. Mateus a segura pela cintura e a ajuda a levantar. Lúcia coloca as mãos na pia, que não tem um espelho. Em volta dos olhos, um roxo peculiar. Seu rosto está branco e pálido. Mateus abre a torneira, molha sua mão e passa no rosto de Lúcia. Em seguida, um imenso vomito sai da boca de Lúcia, sujando a pia limpa e o chão do banheiro. Mateus não reclamou, apenas limpou a boca de Lúcia com água.
- Não se preocupe com o vomito. – ele disse.
Lúcia voltou para o seu lugar onde estava sentada. Um pouco melhor agora.
- O que você tem na cabeça? Seu irmão doente e você tomando essas coisas. – diz Mateus.
Lúcia parecia não querer falar, mas essas palavras a instigaram.
- Você não sabe de nada. Você não me conhece.
- Tudo bem, desculpe se eu fui meio rude. – diz Mateus.
- Tudo bem.
- Quer um pouco de água?
- Seria bom.
Mateus rapidamente foi arranjar um copo com água. Em um piscar de olhos, ela já tinha voltado.
- Obrigada. – diz Lúcia.
- De nada. Pedro nunca disse que tinha uma irmã.
- Nós nos afastamos. Mas ele sempre foi tudo o que tinha.
- E seus pais?
- É uma história complicada.
- Entendo.
- Eu e Pedro sempre fomos unidos. Mas eu sai de casa.
- Porque saiu de casa?
- A minha mão faleceu logo depois que o Pedro nasceu. Mal lembro dela. Éramos nós três, eu, Pedro e nosso pai.
- Sinto muito.
- Tudo bem.
Vários goles de água já tinham ido por garganta abaixo. Já dava para respirar melhor.
- Nosso pai nunca se recuperou. Batia na gente sempre que podia. A culpa é de vocês. Ele sempre dizia isso. Transformou sua dor em socos e pontapés. Em quem eu vou descontar a minha dor?
- Espero que não seja em mim. – retrucou Mateus.
Lúcia esboçou um pequeno sorriso, quase imperceptível.
- Então por isso você fugiu de casa. E o Pedro?
- Pedro ficou. Acho que eu não deveria ter o deixado lá. Mas ele seguiu seu caminho. E eu o meu. Agora estamos aqui. E ele está morrendo.
- Morrendo?
- Ele está com câncer.
- Eu não sabia. Não sei nem o que dizer.
- Não precisa dizer nada.
E ficaram calados. Sem dizer nada. Até amanhecer.

Pedro estava olhando para o teto. Imóvel. Lúcia acordou. Não lembrava de muita coisa. Não sabia porque. Observou Pedro. Estava estranho.
- Pedro? – ela perguntou.
Com umas das mãos tocou de leve no corpo de Pedro, mexendo devagar.
- Pedro? Acorda.
Era um corpo sem vida. Ela não sabia. Saiu correndo para chamar um médico. Mateus acordou no susto. Tentou falar com Pedro, mas ele não respondeu. Pedro. Não se vá... O médico chegou no quarto. Logo diagnosticou, e declarou sua morte oficial, fechando os olhos de Pedro. Não dava para acreditar. É difícil de acreditar. Mateus olhou para Lúcia. Ela estava em choque. Correu para Mateus. Jogou-o contra a parede. Começou a dar socos de raiva, mas fracos, no peito de Mateus. Queria quebrar tudo. Os socos foram ficando fortes.
- O que você está fazendo? – perguntou Mateus.
- Ele morreu.
- Eu sei. Sinto muito.
- Você não entende. Deixe-me em paz!
Furiosa se afastou. Mateus tentou se aproximar.
- Não se aproxime de mim.
Mateus tentou tocá-la de novo. Mas ela se jogou para cima dele, o encostando na parede. Outros socos. Gritos. Mais socos. Depois de alguns movimentos bruscos, se abraçaram. A respiração ofegante. O suor caindo.
- Eu quero dizer uma coisa. – diz Mateus.
- O que? – pergunta Lúcia.
- Eu entendo.
Ela parou. A respiração diminui. Era bom o abraço. Sereno e calmo. Tranqüilo. Lembrava da rede, onde costumava deitar, na casa no alto da montanha. O silencio do vento. Então a chuva caiu do céu, formando palavras no chão de lama. Mateus aproximou sua boca do ouvido de Lúcia.
- Eu só queria dizer... Eu só queria dizer que eu estou aqui. Você pode chorar agora.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O primeiro sol da primavera

A vida é apenas sofrimento. A que ponto chegamos quando aceitamos que a vida é um sofrimento? Eu aceitei. Hoje, as pessoas te mataram sem se importar. Amanhã, você vai se matar sem se importar. Nada faz muita diferença mesmo. O que fazer quando o seu amor é apenas um traço cinza em uma tela em branca? O que fazer quando a sua força se transformou em cinzas levadas pelo vento? E os seus medos renascem como uma fênix para te assustar? A vida é apenas sofrimento. É difícil perceber quando as pessoas olham para você, mas não conseguem te enxergar. Quando elas te escutam, mas não conseguem entender. A vida é cheia de sonhos e pesadelos, porém o pior é quando você acorda. Então vamos viver, buscar a felicidade nas ilusões que o prazer pode proporcionar, depois não conseguir se levantar de tanta tristeza em suas costas. O fardo é grande. Vamos encenar um sorriso. Vamos encenar um beijo. Não somos apenas atores nos palcos da vida? Acho que entrei em rota de colisão. A que ponto chegamos quando nada faz mais sentido? A vida é apenas sofrimento. Onde está a sutileza das nossas ações impensadas? Sempre passam pela cabeça, mas nós somos corações reprimidos envoltos em uma concha, lindas conchas, quase totalmente, enterradas na areia. Somos escravos dos movimentos friamente calculados. E se o que eu fizer não conseguir resultados positivos? Resultados concretos? Toda a pesquisa será em vão. O que acontecerá com todos os números que eu calculei? Todas as identificações que eu fiz? Todos os rascunhos que eu escrevi não servirão para nada. Quanto mais eu penso, mais eu tenho medo. Desilusões, desilusões. Porque eu tinha que falar nisso? Já não basta todas as palavras aqui escritas? Desilusões com a vida, quem não tem? Todas as desilusões estão conectadas com os desejos que eu sempre tive em toda a minha vida. A vida é apenas sofrimento. Então o que fazer? Meditar. É a única resposta que aparece. Não existe mais nada para mim aqui. Quero buscar alguma coisa além. Eu já me decidi. Eu vou ser budista. Assim conseguirei eliminar a dor e trarei um equilíbrio para todo esse caos. Eu fiz a coisa certa pensava Miguel.
Subia uma montanha. Com calça jeans, uma camisa velha e uma mochila maltratada. Lá de cima, uma grande vista, que qualquer um tem a vontade de ver. Um mar de árvores. Rabiscava a paisagem com o dedo, fazendo desenhos imaginários. Subia a montanha. O vento parecia empurrá-lo para baixo, mas sempre firme na sua posição, não cedia a essas tentativas. Como todo jovem decidido, era teimoso. Chegava em uma pequena vila. Várias crianças corriam para ele. E ficavam em volta dele. Gritavam e pulavam. Muito excitadas. Miguel continuava a caminhar. Os habitantes olhavam com certa desconfiança, mas não demonstravam descontentamento. Depois estava sozinho de novo. Sentia alguma coisa estranha. Parecia estar submerso no nada. Olhava para os lados. Milhares de flores enchiam os campos, mas todas fechadas. Talvez quisessem esconder algo, ou apenas não estávamos no tempo delas desabrocharem. Árvores muito diferentes das vistas antes, não tinham nenhuma folha. Onde elas estariam? Nenhuma folha para dizer o que eu queria. Nenhuma folha apareceu para dizer para onde eu iria. Nenhuma folha apareceu para mim. O aspecto mortal das árvores me assustava e me incomodava. Enfrentava mais uma pequena subida, um pequeno caminho com tábuas de madeira no chão. Uma bonita construção chamava a atenção. Parecia um templo, porém mais simples. Feito de quase todo de madeira, com alguns detalhes em ferro. Chegava em uma porta imensa de madeira. É aqui. Meu lugar a partir de hoje. Bateu com força na porta. Um monge atendeu.
- O que você deseja? – ele pergunta.
- Estou aqui para encontrar algo mais para a minha existência.
- Entendo... Está bem. Vou te levar até o nosso líder espiritual.
Miguel seguiu o monge. Um jardim com mais flores retraídas e árvores sem pudor.
- Porque as flores e as árvores estão assim? – Miguel perguntou.
- Estamos no período de chuvas. Mas amanhã, a primavera virá.
Entraram em uma grande sala, com vários monges meditando em completo silencio. Um imenso Buda, de um material que lembrava ouro, estava ao norte da sala. Todos estavam voltados em sua direção.
- Nessa sala o silêncio reina, nunca fale aqui. A meditação é única voz aqui. – Diz o monge.
- Sim, eu compreendo. – Miguel sacudia cabeça, afirmando.
Cuidadosamente, eles passam pelo salão principal do templo e entram em uma porta ao lado. Uma sala simples. Com vários cadeiras e mesas. Tudo de madeira. Em uma delas estava sentado um monge com os dedos cruzados e pensativo.
- Mestre, com sua licença.
- Sim, pode falar.
- Esse jovem quer encontrar a paz interior.
- Entendo... Então você quer fazer parte do budismo?
- Quero. – Responde Miguel.
- Você sabe quais são as nossas regras aqui? E nossos valores?
- Eu não sei, mas teria o prazer de conhecê-las.
- Pois bem. O tempo para um budista é divido em algumas partes: necessidades humanas, tarefas diárias e meditação. Você tem certeza de que quer isso?
- Tenho.
- Muito bem. No budismo, nós temos quatro verdades incontestáveis. A primeira é o sofrimento. A vida é apenas sofrimento. Você deve compreender e aceitar isso. A segunda verdade é a causa do sofrimento. Seus desejos, ambições, ódios, ilusões, medos, amores, prazeres, sentidos, sentimentos. Tudo isso está ligado ao sofrimento. Você deve compreender e aceitar isso. A terceira verdade é o fim da causa do sofrimento. Ou seja, todos essas sensações e emoções serão esquecidas, serão ignoradas, serão abolidas. Você deve compreender e aceitar isso. A quarta verdade é o comprometimento espiritual para o fim da causa do sofrimento. Para isso, você deverá se desprender da suas matérias físicas, de seus desejos e emoções, e se concentrar no espírito. A meditação é o seu caminho. E o nirvana o seu auge. Está comprometido com as verdades citadas?
- Eu tenho pensado nisso tudo. Eu aceitei. Estou preparado para assumir esse compromisso.
- Está certo então. Dê roupas adequadas a ele.
- Sim, mestre. Vamos garoto.
- Obrigado pela atenção. – Diz Miguel.
Miguel acompanha o monge. Eles voltam para o jardim e vão para o leste. Encontram uma pequena casa.
- Aqui, os monges guardam as suas roupas e tomam banho. Cuidam da sua higiene pessoal.
- Tudo bem.
- Tem uma roupa ali pendurada. Pode usá-la. Coloque a roupa, por favor.
- Tudo bem.
Miguel entrou na casa. Estava vazia. Tirou suas roupas lentamente. Era uma metamorfose. Trocava de pele. Ele não era mais o mesmo. Será? Vestiu sua manta, com as cores vermelha e amarela. Respirou fundo, e saiu.
- Está pronto? – Perguntou o monge.
- Sim.
- Eu tenho uma tarefa para você.
- Eu entendo. Eu não quero ser presunçoso, mas será que eu podia meditar um pouco antes?
- Tudo bem. Pode se aconchegar no salão principal. Daqui a pouco, eu lhe chamarei.
- Está bem.
Miguel caminha. Sua primeira meditação. Seu primeiro passo. Algo novo o esperava. Entrava no salão. Vários monges meditavam. Sentou em um canto. Cruzou as pernas. Olhou para o Buda. Respirou fundo. Fechou os olhos. É engraçado quando a gente fecha os olhos, porém ainda enxergamos a escuridão. Miguel estava lá. A escuridão era o seu lugar, e o silêncio sua música. Ele corria. Estava sempre buscando. Buscando algo. Sempre estamos atrás de algo, não é? Sempre vem a frustração quando não conseguimos. Então continuamos correndo. Miguel perseguia a iluminação agora. Ele sempre sonhava com o sol. Ele aparecia em quase todos os seus sonhos. Nascia por trás da mais alta montanha, indo em direção ao céu. Miguel achava que o sol era o símbolo da sua iluminação. Era o próprio nirvana. Seu destino. Miguel procurava a montanha. Onde será que ela está? Não dá pra ver muito no escuro. O tempo de concentração é curto. Não agüentava mais segurar seus olhos. Então eles abriram. A meditação acabou. Eu preciso de mais tempo. Sempre precisamos. Nessa hora, o monge passava.
- Então, já acabou sua meditação.
- Sim. Obrigado por me deixar meditar.
- Tudo bem. Bom, a noite já chegou. Diga-me, você passou por uma vila?
- Sim, passei.
- Então... Lá é realizada uma feira, uma vez por semana. Eles devem estar se preparando nesse momento, pois amanhã é o dia da feira. Quero que você vá lá e compre pão para amanhã. Fale que é para o templo que eles concordaram em lhe entregar. Aqui está algumas moedas.
- A tarefa vai ser comprida. – Diz Miguel.
- Não demore.
- Sim.
Miguel pegou as moedas que estavam em um saquinho, e caminhou para a vila. Passou pelas flores fechadas, agora pareciam mais tristes com a noite e as árvores mais assustadoras com o luar. Chegando na vila, avistava vários homens montando suas barracas. Continuou o seu caminho, tentando ver onde estaria o homem que vendia o pão.
- Peguem ela!
Um grito. Mas o que? Não deu tempo de reagir. Uma mulher apareceu na frente de Miguel e seus corpos se chocaram. Os dois caíram. Ela em cima dele. Um homem vinha correndo atrás, pegou o braço da mulher e a levantou com um puxão.
- Agora eu te peguei, sua ladra. Onde está o pão que você roubou?
Imediatamente Miguel ficou de pé. Olhou para os dois. E fixou seu olhar no homem.
- Deixe a ir. Eu pago o pão.
Entregou seu saquinho com as moedas.
- Tudo bem. Mas não quero te ver aqui? Entendeu? – Dizia o homem apontando para a mulher.
- Você está bem? – perguntou Miguel pegando o pão que estava no chão, não mais tão suculento.
- Estou. Obrigada. Mas porque fez isso?
- Eu não sei. – Responde Miguel.
- Enfim... Obrigada de novo. O pão é para o meu irmão.
- Então ele vai comer hoje. – Comenta Miguel.
- Sim, isso significa muito para mim.
- O problema é que eu tinha que comprar pão para o templo. Agora, não tenho um tostão.
- Desculpe-me. Então, venha comigo. Eu vou te apresentar ao meu irmão.
- Eu até queria, mas preciso voltar e explicar o que aconteceu.
- Vamos, por favor. Você me ajudou. Pensaremos em alguma coisa para ajudar você.
- Está bem.
- Mais uma vez obrigada. – Dizia enquanto abraçava Miguel. Ele sem ação. Apenas ficou quieto.
Os dois seguiam. Saíram da vila. Entraram na mata fechada. Não foram muito longe. Chegaram em uma cachoeira. O pequenino irmão esperava. E encheu-se de alegria com a chegada da irmã.
- Você trouxe pão!
- Sim, tome.
- Obrigado.
- Não me agradeça. Agradeça a ele. – Apontou para Miguel.
- Obrigado, monge.
- De nada. Mas me chame de Miguel. E qual são seus nomes?
- O meu é Issac – responde o pequenino.
- O meu é Jasmim.
- A vida de vocês parece ser bem difícil.
- Sim.
- O sofrimento deve ser um constante em suas vidas. – Diz Miguel.
- Sofrimento?
- Sim, A vida é apenas sofrimento. – Responde Miguel.
- Não venha me dizer uma coisa dessas. – Diz Jasmim. – Nós temos mais do que sofrimento aqui.
- O que?
- Temos esperança.
- Em que? Nessa vida?
- Eu não sei. Apenas temos esperança. Ela anda conosco. Se não fosse ela, não lutaria por um pão.
- Mas tudo isso em vão. Sempre vão chegar em um caminho sem saída.
- A morte é único caminho sem saída. – Retruca Jasmim. – Se não existe nada além do sofrimento, não teria sentido viver, não é?
- Sim, por isso nós monges meditamos para buscar algo mais em nossas existências.
- Mais do que viver?
- Mais do que viver. Mais do que morrer. A iluminação.
- E se no final da sua vida, você não chegar à iluminação?
- Essa é uma boa pergunta. A vida é correr riscos. – Diz Miguel.
- Então a vida é mais do que sofrimento.
Issac olhava os dois. Não entendia nada. Dava uma vontade de rir da cara desses dois bobocas. Colocava a mão na boca, para não perceberem.
- Sabe, vou tomar banho na cachoeira. Você quer tomar também Miguel? – Pergunta Jasmim.
Ele se assustou com a pergunta.
- Não obrigado.
Jasmim tirou toda a roupa. Ficou nua. Miguel não acreditava. O que ela está fazendo? Calmamente ela entrava na água.
- Tem certeza que você não quer vir Miguel? A água está deliciosa.
Ele queria. Mas era um monge. Ele não podia.
- Não, vou ter que recusar mesmo.
Ela sorria para ele. E mergulhava e nadava para todos os lados. Miguel não tirava os olhos dela. Sabe, aquelas definições e construções miseráveis sobre o mundo e sobre as pessoas? Elas não importavam aqui. Ele apenas queria tocá-la. Só isso. Ele desejava tocá-la. Só isso. Mas tudo aquilo era ilusão. O sofrimento sempre virá. Depois do toque, as lágrimas? Depois do toque, o amor? Tantas perguntas querendo uma única resposta. A doçura do momento dizia o contrário. Como pensar em sofrimento, vendo o que está diante dos meus olhos? Malditos olhos que conseguem ver.
Issac também se animou. Tirou a roupa e pulou na água. Adorava. Nada o incomodava. Jasmim saiu da água. Miguel olhou para baixo. Ela vestia suas roupas.
- Vamos Issac. Já está quase amanhecendo.
Issac também saiu da água e colocou suas roupas.
- Não podemos perder o amanhecer! – gritava ele.
- O que tem nesse amanhecer que deixam vocês tão excitados?
- Não sei, mas é um acontecimento único. – Responde Jasmim.
- Está bem.
- Então vamos.
Nessa mesma hora começou a chover, provavelmente a última chuva do ano. Gotas de água. No meu rosto. Issac e Jasmim começaram a correr. Seguiam os pingos de chuvas que apontavam para frente. Porque eles estão correndo? Eu dava um passo de cada vez. Eles estavam sumindo da minha vista. Esperem por mim. Acelerava meus passos. Fazia força. A chuva apertava. Não enxergava nada. Onde eles estão? No meio da floresta. Estou perdido. Meus pés me desobedeceram. Comecei a correr. Pisando na lama. Na mistura do ambiente. Vento ao rosto. Sensação estranha. Era a liberdade dos meus pensamentos. Os meus braços se esticaram. Será que eu posso voar? Um pássaro me contou como se faz. Os meus braços se movimentavam como asas. Mas o que é isso? É tão bom. Corria e desvia das árvores pela frente. Onde será que eu vou chegar? Quando que isso vai parar? Parei. Olhei para o céu. Será que eu posso crescer? Uma árvore me ensinou. Miguel pulava com a mão esticada, tentando encostar no céu. Eu só quero tocá-lo. Só isso. Escorregou e caiu. A terra e água se misturaram com seu corpo. O cheiro de água molhada. Na sua mão, um pouco de terra. Continuou correndo. Parou.
Ao longe, enxergava Isaac e Jasmim. Eles olhavam para o horizonte. A mata fechada se foi. Aqui, só tinha flores tímidas e árvores esqueléticas. Esse lugar me assusta. A chuva parou. O tempo parou. O que está acontecendo aqui? O horizonte brilhava. Era ele. O primeiro sol da primavera. Nascia o primeiro sol da primavera. Serenidade. Eu não sei. Eu não sei de nada. Isaac e Jasmim sorriam. Animados eles apontavam para o sol. Era lindo. As flores desabrochavam lentamente. Revelavam várias cores. Pintavam a paisagem. Liberavam suas emoções. O tempo parou. Eu não sei de nada. Eu estou vendo. As folhas das árvores apareciam. Mostravam a história das nossas vidas. A história das folhas que já cairão. Eu não sei de nada. Onde estão minhas perguntas agora? Eu ainda não sei o que está acontecendo aqui. Porque será que isso importa tanto? Sem querer, um sorriso. Vários sorrisos. Eles existem. Sem querer, uma lágrima. Várias lágrimas. Elas existem. Estou feliz? Estou triste? Eu não sei dizer. Eu posso me perguntar? A vida é apenas sofrimento? A vida é esse momento? As perguntas podem aparecer. Quanto mais penso na vida como ela deve ser, como ela é, como ela era, menos consigo viver. Sentidos travados em um círculo. Nada pode entrar, Nada pode sair. Eu não sei de nada. Eu não faço perguntas, pois não tenho respostas aqui. Eu apenas escuto corações batendo ao fundo, ou será que é o meu?