segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Essas meninas não sonham mais

- Eu te amo. – diz Aline.
Existem duas maneiras de falar “eu te amo”. Quando a gente sente alguma coisa, as palavras pesam na boca, o fardo de dizê-las é imenso. Fica tão difícil que alguns até gaguejam. Outros se expressam de outras maneiras, mas sempre é muito complicado mostrar isso, sem medo, sem desconfiança. Agora, quando é fácil de dizer, quando as palavras estão tão leves que com qualquer rajada de vento, elas saem da sua boca, o objetivo de dizê-las se limita a ganhar a confiança.
- Mas... Nós só estamos ficando. – disse ele.
Aline ficou calada. Fingiu que entendeu. Acho que ele não entendeu. Fingiu que não tinha dito nada. Fingiu que não escutou nada. Nada aconteceu. A noite acabou.
Depois de dois dias. Aline estava triste. Estava mal. Será que ele me ouviu? Não é possível. Como alguém pode reagir assim, a essas palavras tão delicadas? Alguém um dia vai me ouvir? Acho que essas palavras não são importantes aqui. Não serão para mim também. Vou viver minha vida. Não vou repetir essas palavras novamente. Ninguém vai escutá-las. O mundo aboliu essas palavras. Eu não sei porque eu ainda acreditava nelas.
Com o passar do tempo, as coisas foram ficando mais difíceis. Aline estava sozinha. Isso incomoda muito. Será que eu vou encontrar alguém? Vira o sentido da vida. Vira obsessão. Então imaginamos o momento perfeito. Imaginamos a pessoa perfeita. Ficam presos na nossa mente. Tentamos controlar cada passo dado. Onde está a pessoa que vai fazer da minha vida, mais feliz? Existe uma grande pressão para se arrumar alguém. Todas as minhas amigas tem namorado. E eu? Quando você vai arranjar um namorado? Um desespero começa a fluir pelo corpo. Onde está a pessoa que vai me tirar dessa solidão?
Muitas pessoas passam pela nossa vida. Mas o primeiro que consegue dizer que gosta de mim, é o homem que eu estava esperando. Até que enfim. Será que ele gosta de mim? Deve gostar. Como se ninguém mais gostasse de mim. Eu gosto dele. Mas não sinto nada. Meu mundo não mudou. Nada aconteceu. Eu só rio de tudo o que ele diz. Sinto-me aliviada. Estou com alguém. A pressão acabou. Ele é legal. Porém, meus dias continuam os mesmos. Agora, eu sorrio a toa. Não tenho preocupação com isso. Deixo seguir. Quem sabe um dia eu sinta alguma coisa? Eu ainda estou tão sozinha. Talvez, eu esteja feliz. Agora, eu sorrio a toa. Eu não estou triste. Eu já não sei mais. O que podemos fazer? Agora, eu faço sexo. É um ótimo “aliviador”. É ótimo. Todos precisamos de sexo. É uma necessidade humana. Por isso, existem vários “puteiros”, para quem não consegue um namorado ou namorada. A mulher ganha dinheiro e prazer, e o homem ganha prazer e gasta dinheiro. É uma troca justa. O sexo é tudo o que restou. É o único assunto que as pessoas falam. É a nossa vida. O que mais eu posso fazer? Ele é bom! Ele transa bem! Está tudo bem então. Parece que está tudo bem. Fingimos que está tudo bem. O sexo, bom amigo, para qualquer hora. Vamos transar? Ta bom, não tem nada melhor para fazer. Que tal, um sexo depois de um dia estressante no trabalho? Que tal, um sexo só para quebrar a rotina? Que tal, um sexo só para fingirmos que ainda existe algo entre nós? Eu ainda estou sozinha. Agora, eu tenho companhia para ir ao cinema. Agora, eu tenho alguém. Eu tenho alguém para brigar. Brigas vêm, brigas vão. Mas para que todos esses conflitos? Para saber quem está no comando do navio. Pois, isso não é mais que um navio. Um dia deve afundar. Minha vida ainda está vazia. O que eu fiz de errado? Deixo seguir. Alguma hora, tudo vai se encaixar. Eu tenho planos! Nós temos que ter um futuro juntos. Vamos nos casar. Constituir família. A nossa relação tem que passar para o próximo nível. O nosso navio tem que continuar navegando. Ele tem que ser bem cuidado. Eu estou pensando em tudo. Tem alguém ai? Agora, você não me escuta. Nosso navio continua, tem que continuar navegando.
Muitas pessoas passam pela nossa vida. Mas há uma última pessoa que fica nas lembranças. Ele nunca disse que gostava de mim, talvez disse muito mais que isso. Conheci –o na aula de inglês. Ficamos conversando por horas. Eu me sentia bem. Adorava conversar com ele. Nós riamos muito. Era natural. Era divertido. Eu não sei explicar. Era muito bom. Ele era diferente. Sempre levava alguns lápis de cor e desenhava. Ele chegava, horas antes da aula, e ficava desenhando, até a aula começar. Traços leves, cores vivas. Quando ele desenhava parecia que estava nascendo coisas do papel. Brotava uma flor. Brotava uma árvore. Brotava o céu. Brotava uma nuvem. Ele adorava a natureza. Brotava o meu rosto. Desenhou várias vezes o meu rosto. Aline sonhava. Sonhava com os desenhos que ele fazia. Eles ganhavam vida em suas loucuras. A semente ia se transformando em uma árvore. As nuvens iam passeando pelo céu. Era a vida que estava lá. Brotando de cada detalhe do meu sonho. Como é bom sonhar. Nesses tempos, os beatles não saiam da minha cabeça. Só escutava beatles. “All you need is love”, eles diziam. Fazia algum sentido. Lembro quando nós dançamos pela primeira vez. É claro que o álcool no nosso sangue impulsionou. Eu não sabia dançar, nem ele. Nossos movimentos eram caóticos. Sem ordenação. Sem direção. Mas era muito bom. Movimentos brutos entrelaçavam com movimentos suaves. Troca de mãos. Vira o corpo para lá, vira para cá. Era divertido. Aline escrevia. Eu escrevi, com detalhes, todos os meus sonhos. Guardei todos os papéis em uma caixa de madeira. Ela nunca revelou. Será que ele me escutou? Eu nunca disse nada.
Aline casou. Teve dois filhos. Separou, casou de novo. Ela só ria de tudo o que ele dizia. Eu ainda estou sozinha. Nunca teve coragem para abrir a caixa de madeira. Ela não sonhou mais. Aline nunca mais disse “eu te amo”, apenas dizia “eu também”.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Solitária flor

Era uma solitária. Tinha grades enferrujadas pelo tempo. Era pequena. Paredes revestidas com pedra sem polimento, que faziam pontas de vários formatos, espinhos de pedra, havia também, marcas de tudo quanto é tipo. Vários pauzinhos nas paredes que contavam o tempo, havia marcas de unhas, desenhos estranhos e uma frase, com letras bem grandes, no lado esquerdo do recinto, “Você nunca vai sair daqui” era o que dizia. Era úmida. Existia um balde para as necessidades, que eram recolhidos toda semana. Uma “cama”, feita de pedra, na parte inferior de uma das paredes. Na parte superior, na parede do lado da “cama”, tinha uma pequena janela com grades, por ela dava para ver a rua. Do outro lado, tinha várias barras de ferro. Sentado em um dos cantos da sala, estava um homem. Ele tinha uma grande barba, cabelos longos e estava imundo. Rugas e cicatrizes enfeitavam seu rosto que estava envelhecido, mas não pela idade, e sim, por estar naquele lugar. Ele vestia uma camisa, com vários remendos e alguns rasgos que provavelmente seriam remendados com o tempo. Vestia uma calça nas mesmas condições e um sapato sem sola. Seus braços estavam segurando suas pernas, e sua coluna estava inclinada. Sua cabeça estava apoiada nos braços cruzados. Mãos feridas pela tentativa de tocar nas paredes cheias de espinhos de pedra. O canto da sala o aquecia. Pouca luz jazia no recinto. O único lugar por onde ela entrava era pela janela com grandes. Um jato de luz. Isso não importava. Era até melhor. A escuridão o acolhia. Abria os olhos não envergava nada. Fechava os olhos não enxergava nada. Era confortante. Era um alívio. Era a única coisa que restara para ele.
Sons de passos. Alguma coisa batendo nas barras de ferro. O encarregado de vigiar os prisioneiros aparece. Estava com um prato na mão. Era o resto da comida dos cães. Não saberia dizer o que tinha ali. Mas a mistura, visualmente, era terrível. Ele colocou, pelo buraco de uma barra para outra, o prato no chão da sala. Olhou para o fundo. Não tinha muita luz, só deu para ver os pés do homem. Encarou a escuridão, se levantou e continuou seu caminho. O homem, no fundo da sala, engatinhou até o prato, com a mão, começou a comer aquela massa. Ele, mesmo com os olhos abertos, não enxergava o que comia. Nunca sentiu o gosto de nenhum alimento, então não fazia diferença para ele. Acabou. Levantou-se. Andou, calmamente, em direção a pequena janela na parede, pela qual entrava a luz. Começou a perceber a rua. Várias pessoas passando. Será que eu vou sair daqui? Não sei se algum dia eu fui livre. Acho que nasci aqui. Não tenho lembranças do mundo lá fora, só sei que ele existe. A vida ia seguindo pela rua. Nenhuma pessoa direcionava a sua atenção para mim. Todos ignoravam. Nem todas. Havia uma garotinha que passa vendendo flores todos os dias. Quando ela passa aqui em frente, ela olha para mim. Sempre muito alegre, ela me brinda com um sorriso. Minha expressão não muda, mas me sinto diferente. Será que eu vou sair daqui? Já estou me acostumando com esse lugar. Eu não sei viver fora daqui. Paredes e grades. Elas me conhecem. Converso com elas o tempo todo. Elas me escutam. Elas me compreendem. Não reclamam. Posso quase amá-las. Mas não consigo tocá-las.
Lá vem ela. Eu estava a esperando. A garotinha das flores. Vem caminhando, e cantando uma canção. Essa música é a única lembrança que tenho na minha cabeça. Era assim:

“Flores para o seu jardim.
Flores em suas mãos.
Flores para o seu amor.
Flores para alegrar o coração.”

De novo essas palavras enchiam o meu lugar. Elas eram vaga-lumes, voando. Tentava pegá-las, porém não conseguia. Ficavam passando pela minha vista, e sumiam quando eu piscava os olhos. Mais uma vez, a garotinha olhava para mim. Dessa vez, ela parou, e acenou. Esse gesto era para mim? Minha mão foi subindo devagar, e se movimentou para os lados, acenando de volta. Um pequenino sorriso apareceu. Ela sorriu de volta, e continuou a seu caminho. Ela sabe que eu existo. Será que eu vou sair daqui? Estava anoitecendo. Dava para ver a lua, não muito bem, mas dava. Estava mais brilhante. Mais presente. Talvez ela sorrisse para mim também, então retribuí com um sorriso tímido. Era uma coisa estranha. Muito estranha. Quando me viro e vejo a escuridão tomar conta dos meus olhos, eu deito na cama. Começo a falar com as paredes até pegar no sono.
Um barulho de chaves batendo umas nas outras me acorda. Meus olhos abrem lentamente. A porta da prisão estava aberta e o homem que cuida dos prisioneiros estava tirando a chave da fechadura. Do lado dele, estava um homem imenso. Muito forte. Mataria um urso com os braços facilmente. Seu rosto era sério. Ele me mataria só piscando os olhos. Meu Deus! Quem é esse indivíduo? Um medo apareceu, sem avisar. Os olhos dele diziam que ele me mataria só por diversão, que ele me espancaria só por tédio. O medo foi aumentando. Olhava para ele assustado. O homem entrou na sala. Colocou suas coisas no chão.
- O que você está olhando? – ele perguntou.
O medo estava entalado na garganta, não saia nenhuma palavra. A única coisa que eu pude fazer, e fiz, foi desviar o olhar.
- Estou falando com você. – ele insistiu.
Eu abria a boca, mas não saia som algum. O desespero começou a surgir, comecei a suar, a tremer. Ele vai me matar. Ele vai me matar agora. Talvez não seja ruim. A morte pode ser melhor que a vida. Para onde vou pode ser iluminado. Talvez eu possa ver a os raios solares em sua totalidade. Quem sabe eu possa sentir os gostos dos alimentos. Quem sabe não tenha quatro paredes me cercando. Talvez eu posso respirar um ar mais leve. Quem sabe para onde vamos? Talvez eu queira descobrir. Um dia eu descobrirei a morte. Mas e a vida? Nunca vou saber como ela é? Ela está lá fora. Não tenho coragem. Talvez não viva mais.
- Você é surdo ou está se fazendo de sonso? – pergunta o homem.
Ele me pega pela gola com as duas mãos e me joga no chão.
- Eu sei que você tem medo de mim. Você nunca vai sair daqui.
Ele sorriu mostrando todos os dentes.
- Você vai dormir no chão a partir de agora.
Balancei a cabeça positivamente. Ele, simplesmente deitou. Eu sentei no chão no meu canto de costume, e fui abraçado por ele. Estava quente. Eu não enxergava nada, nem mesmo o brutamontes, isso me acalmava. Como uma mãe que segura seu bebe no colo. Como uma pessoa que abraça seu amigo para confortá-lo. Como uma lareira que esquenta a família nos dias de inverno. Quando não se vê nada, se imagina muita coisa. Sabe quando se sente uma dor, mas invés de gritar, você tentar agüentar? Eu estou agüentando. Comecei a conversar com as grades, porém o homem reclamou. Disse para eu calar a minha boca. Eu não disse mais nada. Dormi.
Acordei. Devagar. O homem olhava para mim. Sério. Estava sentando na cama, com os cotovelos sobre as coxas, e as mãos seguravam a sua cabeça. Percebeu que eu acordava.
Até que enfim acordou. – disse o homem.
Por algum motivo, eu estava conseguindo falar,
- Quem é você?
- Sou o medo. – respondeu ele. - O seu medo.
- Meu medo? Eu não tenho medo.
O homem riu, gargalhou.
- Você tem medo de sair daqui.
- Eu não tenho medo de sair daqui!
- Não?
Apontando para as barras de ferro, disse.
- Essas barras estão podres, com qualquer golpe elas quebram. Porque você nunca tentou quebrá-las? – indaga o homem.
- Eu não sabia disso.
- Você sabia.
- Então vou quebrá-las!
Eu me aproximei das barras de ferro. Coloquei as mãos nelas. Elas estavam podres, enferrujadas, fragilizadas pelo tempo. Eu não tenho coragem. Balancei as barras, mas nenhum estalo surgiu. Onde está a minha força? Eu estou fraco. Balancei de novo. Nenhuma rachadura. Será que eu vou sair daqui? Eu não tenho coragem. Sou um covarde. O que será que existe lá fora? Talvez eu nunca descubra. Eu não tenho coragem. Meus braços tremem, eu não consigo evitar. Droga! Droga! Será que eu vou sair daqui?
- Então, não consegue? – perguntou o homem.
O homem solta outra gargalhada. Eu me distancio das barras. Não sei para onde ir. Não tenho muitas escolhas. Só os cantos das salas. Sento em um deles. Espero as horas passarem. Elas não passam. Demora uma eternidade para passar um segundo. Fico pensando. Não tenho lembranças. A única é a menina das flores. Será que ela vem hoje? É única coisa que eu espero. É a única coisa que eu espero desse dia. É a única coisa que eu espero da minha vida. Olho para as paredes. O que eu faço? Eu pergunto. Elas são caladas. Eu escuto alguma coisa. O canto de uma garotinha. Eu corro para a janela.
Lá está ela. O homem está dormindo. Tenho que aproveitar. Ela está cantando a canção. Eu estou esperando a sua atenção. O seu olhar em direção a mim. Esperança. Ela olha para mim. Esboça um sorriso. Eu devolvo o sorriso. Mas depois, inconscientemente, eu expresso uma tristeza, não consegui segurar. Não consegui evitar. Ela percebe. Ela para. Força o olhar. Coloca a cabeça mais para frente. Parece querer ver mais adiante, parece não estar enxergando. Ela se aproxima com seu cesto cheio de flores. Ela se aproxima cada vez mais. O que eu vou dizer a ela? Ela chega. Eu não digo nada. Ela se debruça na parede, e levanta os pés. Olha para mim. Sinto sua doçura. Sinto sua criança. Sinto um conforto. Sinto-me abraçado. Um calor. Um sorriso.
- Quanto é a flor? – pergunto.
- Eu não vendo. Tome, é sua.
Sua voz era forte, ma suave. Eu estiquei o meu braço e peguei a flor. O cheiro dela era delicioso. Nunca tinha sentido um cheiro como aquele. Era diferente.
- Sentiu o cheiro dela? – pergunta a garotinha.
- Sim. É muito bom.
- Sim. – responde a menina. – Adeus.
Não deu tempo de dizer adeus a ela, e nem agradecer pelo presente. Ela saiu correndo. Eu estava hipnotizado pela flor. Eu olho para flor. É linda. Começo a acariciá-la, como um corpo de uma mulher. Era belo. Esfregue-a no meu corpo, a partir do meu rosto, delicadamente. Minhas mãos machucadas sentiam suas pétalas macias. O cheiro tinha infestado o recinto. Um belo aroma. Era muito estranho. Que sensações são essas? Ficou a acariciando por horas. Sentindo-a. Será que lá fora é como essa flor? Como será o lado de fora? Uma vontade de conhecer se manifestava. Uma curiosidade. Queria sentir isso de novo. Enquanto isso, o homem forte e careca acordava.
- Que cheiro horrível é esse?
- É o cheiro de uma flor. – respondi.
- Uma flor? Onde?
- Está aqui na minha mão.
Ele espiou a flor na minha mão. Sua expressão de descontentamento foi visível. O medo retornava para me atazanar. O que eu vou fazer? O que ele vai fazer comigo?
- Jogue está flor fora. Ela está estragando o nosso lugar.
Olhei para a flor. Pressionei meus dedos, mas não consegui feri-la. Eu não posso. Não posso perder isso. Eu não quero mais ficar aqui.
- Não vou jogar. – respondi.
- O que? Está me desafiando?
Coloquei a flor em cima da minha orelha esquerda.
- Eu vou.
O homem gargalhou sinistramente, como sempre faz. Isso não intimidou.
- Tente quebrar as grades.
Eu me aproximei das barras de ferro. Coloquei as mãos nelas. Segurei firme. Eu preciso de forças. Sentia o cheiro da flor. Estava forte. Encostou nas pétalas dela. Estavam forte. O que será que tem lá fora? Será que eu vou sair daqui? Eu vou. Balançou as barras. Não aconteceu nada. Não parava. Nada. Não parava de balançar. Nada. Não parava. Parou. Começou a chutar. A socar. Será que eu vou sair daqui? Eu vou. Não parava. Não parava. Não parou. As barras racharam. Caíram. Pedaços por todos os lados. Será que eu vou sair daqui? Eu vou. Pulou os destroços e passou para o outro lado. Olhou para trás, estava o homem, agora fraco. E com uma expressão de surpresa e tristeza, parecia que ia chorar.
- Você vai me deixar aqui? – pergunta o homem.
Viro o olhar, finjo não escutar. Estava muito escuro. Por onde eu vou sair? Não conseguia ver nada. Corria! Corria! Corria! Sem direção. Para onde eu vou? Eu não posso ficar aqui. Corria! Corria! Corria! A escuridão tomava conta de seus olhos. Para onde eu vou? Corria! Corria! Corria! Até que parou. Sentia o cheiro da flor. Mas muito mais forte. Vindo da minha frente. Para onde eu vou? Seguiu. Corria! Corria! Corria! Um feixe de luz aparecia, muito fraco. Para onde eu vou? Seguiu. Corria! Corria! Corria! O cheiro ficava mais forte. Seus olhos começavam a ver. Era uma caverna. Encostava nas paredes com as mãos. Elas ainda machucavam, como na prisão. Adeus. A luz ficava cada vez mais forte. Começou a machucar seus olhos. O cheiro começava a quase sufocar.
Até que um clarão apareceu! Eu parei. Tudo branco a minha frente. Não conseguia ver nada. Mesmo com os olhos abertos. Mas tinha uma coisa estranha. Uma sensação. O vento passando pelos meus cabelos, pelo meu corpo. Que estranho. O cheiro da flor ainda está aqui. Meus olhos estão se acostumando. Vejo borrões. Eles vão se encaixando. Eu vejo o céu. Nossa. É azul. Nossa. Um campo com milhares de flores a minha frente. O cheiro das flores entra pelo meu nariz, sem sufocar. O ar é livre aqui. O vento se movimenta. Há alguns metros está a garotinha catando flores. Ela me vê. E sorrir. O que é isso? Nunca tinha visto isso antes. Uma descoberta. A mais preciosa. Cada cheiro. Cada toque. Cada visão. É mágica. Um sorriso. Meu sorriso. Sincero. Não há mais quatro paredes me cercando. O que mais tem para descobrir? Um mundo. As pessoas. Será que elas vão me ignorar agora? Será que elas estão no mesmo lugar onde eu estava? A solitária. Sempre vou guardar uma flor comigo. Uma flor. Uma parte do mundo. Agora parte de mim.

sábado, 11 de outubro de 2008

Caminho do vento

Vento que...

sai do meu coração
percebe o mundo
passa por você
ultrapassa todos os horizontes...

...feche os olhos e sinta o vento
existe algo nesse vento...

vento que...

compartilha a alegria do sol
ameniza a tristeza da lua
compreende a raiva da chuva
ampara cada gota que cai...

...feche os olhos e sinta o vento
existe algo nesse vento...

Vento que...

escuta as águas que passam
sente o cheiro da terra molhada
segura as folhas que caiem
coloca as folhas no chão...

...feche os olhos e sinta o vento
existe algo nesse vento...

Vento que...

toca na sua pele
segura a sua mão
ouve suas angústias
acalma seu coração...

...feche os olhos e sinta o vento
existe algo nesse vento...

Vento que...

toca seu rosto
enxuga suas lágrimas
admira seu sorriso
entra pelo seus olhos
sai pelo seu coração...

...feche os olhos e sinta o vento
existe algo nesse vento
existe algo nesse vento
existe algo nesse vento...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Escrevendo um poema de amor

Eu olhava para ela. Não sabia o nome dela. Não sabia quem ela era. Ela estudava na mesma faculdade que eu, mas nunca a tinha visto antes. Você acredita em amor à primeira vista? Eu não acreditava, até vê-la com meus olhos, e sentir, nesse exato momento. Como eu posso dizer? Como alguém consegue fazer minhas mãos tremerem? Sim! Elas tremiam. Minhas palavras se esconderem embaixo da minha língua? Sim! Elas se escondiam. Meu coração bater mais rápido e a adrenalina se espalhar pelo meu corpo? Sim! Isso acontecia. Parece à coisa mais boba do mundo, talvez seja. Parece que vou fazer a coisa mais excitante da minha vida! A mais desafiadora! A mais radical! Mais que desgraçada linda! Eu quero ficar perto dela, ao mesmo tempo, eu quero ficar longe. Só de olhar para ela, minha imaginação não parava nem um segundo. Pensava como seria a nossa primeira conversa, nosso primeiro beijo. Espera! Eu nem sei o nome dela! Ela olhava para mim. Será que ela está brincando comigo? Será que ela sabe o que eu sinto só olhando para mim? Será que ela já sentiu amor? O que eu estou sentindo? Será que faz algum sentido? Logo, ela desviava o olhar. Eu desviava o meu também.
Vinícius olhava para seu livro, cheio de palavras afogadas, como numa sopa de letrinhas. Não precisa olhar, seus pensamentos eram dela. Olhando para o horizonte do vazio. Um silêncio tomava conta do lugar, até que uma voz, de longe, ele ouviu. Não dava para entender, porém ela ficava mais forte, se aproximava.
- Vinícius, está ai?
Seus olhos começavam enxergar, era uma pessoa. Reconheceu a voz.
- E você, Leonardo?
- Sim, está tudo bem?
- Está.
As imagens se desembaraçavam e o rosto de Leonardo ficava claro para Vinícius. Não conseguiu segurar, e olhou para a menina de novo, desta vez, Leonardo o acompanhou.
- Ele é muita gata, né? – constatou Leonardo.
- É. – respondeu Vinícius com um tom seco.
- Soube que ela transa com todo mundo. Ela está na minha mira. – diz Leonardo, mostrando um sorriso maroto.
Vinícius esboça uma pequena tristeza.
- Vai para festa hoje? – pergunta Leonardo.
- Não sei, cara. Eu tenho que estudar.
- Estudar? Vamos para festa, cara!
- Eh... Estava precisando tomar umas cervejas mesmo. Estou muito estressado ultimamente. Acho que eu vou. É hoje?
- Não, é amanhã. Acha? Vamos cara! – insiste Leonardo.
- Está bem... Eu vou. – concorda Vinícius.
- Beleza! Então a gente se encontra depois. A festa é na casa do Paulinho, não se esqueça.
- Tudo bem, depois nós conversamos.
- Está bem, falou!
- Falou!
Leonardo desceu as escadas, colocando a mochila nas costas. Vinícius desceu logo depois. Precisava estudar hoje, por causa da festa amanhã. Chegou em casa, almoçou rapidamente, e foi para o quarto, estudar. Estudar era difícil, em tempos como esses. As palavras saiam voando pela janela. Ele virava as páginas, e as palavras cada vez mais se desprendiam do livro. É o estresse. Eu preciso comer alguma coisa. Acabou deitando na cama, e dormiu.
- Acorda, Vinícius! Hoje você tem aula?
- Tenho, mãe! Mas é só de noite. Deixa-me dormir, por favor. Ah... Mãe, eu vou a uma festa hoje.
- Festa? Não vai me deixar dormir hoje?
- Não faça drama.
-Não chegue tarde.
- Está bem.
Fechou os olhos e apagou. Abriu os olhos e acordou. Não tinha dormido tanto. Tomou um café, deitou no sofá e começou a olhar para o teto. Nada para fazer e a angustia acabava tomando conta. Batia a mão no sofá. Os joelhos eram jogados um contra o outro. Vou ouvir música. Colocou os dois fones no ouvido, deitou de novo e ligou o mp3. As músicas faziam os pensamentos viajarem pelas terras mais loucas da sua mente. Tentava descobrir o futuro, mas sempre caia no passado. O passado sempre traz alguma dor. Sempre traz alguma tristeza. E de alguma forma, isso afeta o presente momento. Os pensamentos viajam pelas lembranças. Poderia ter sido diferente? Poderia? Será que isso tem importância agora? São tantas coisas. Estão tão presentes aqui, que parecem que estão acontecendo agora. Será que eu ainda me sinto assim? Meus sentimentos viajam através do mundo. Meu mundo. Um caos. Muitos quadros em branco por toda parte, onde será que coloquei os pinceis? Você pode pensar que é um mundo perfeito. Mas não é. Depois descubro que eu perdi os pinceis, e não lembro onde estão. Eu quero meus pinceis! Sem eles, como vou controlar as cores que aparecem na minha cabeça? Cores malditas! Cores malditas! Vou continuar buscando os meus pinceis. Sei que essa busca vai me fazer infeliz, mas eu tenho escolha? Já tentou deixar suas cores livres? Já está difícil segurar como está, não vou agüentar a liberdade. Você agüenta? Com pinceis, eu posso desenhar cada contorno, eu posso escolher as cores, eu posso pintar o que eu quiser. Qualquer coisa. Eu estou no controle. Isso me faz bem. Será que isso é a felicidade? Será que estou me enganando? Como uma droga que te faz parece bem, mas no fundo, você está muito mal? E quando você percebe que está muito mal, as lágrimas correm pelo seu rosto. As cores fugindo do controle dos pinceis, do seu controle. Um medo de tudo aparece. Corra! Corra! Correndo de tudo. Será melhor correr, do que mostrar que você ainda pode chorar? Mas, por incrível que parece, existem momentos alegres, momentos únicos. Mas esses momentos se vão, e você não consegue correr atrás deles. Corra! Corra! Não consegue alcançá-los. Só resta esperar, que um bom momento aconteça. Mas existem milhões de outras coisas no mundo que tomam o seu tempo. Não dá para parar. Talvez nem venha acontecer de novo. Talvez não aconteça mais. Ficam nas lembranças, que nunca são lembradas. Esses dias estão frios. Um vento gelado na minha nuca. A neve caindo nos meus sonhos. Não me toque, eu estou gelado! Maldito frio! Mas faço tudo o que eu posso para sobreviver, dia após dia. Você sobrevive?
Vinícius observa o relógio, já está na hora de almoçar. O senhor tempo. Escravos do tempo, o que podemos fazer? O problema, talvez, não seja o tempo. Mas o controle sobre ele. O que podemos fazer? Quebrar esse controle? Não dá. Eu não consigo. Você consegue? Todos presos a ele. Horas, minutos e segundos, se apoderam da nossa vida, dos nossos instantes, dos nossos momentos. Porque tudo o que é bom passa rápido, e o que é ruim passa devagar? Maldito tempo! A cada instante, quando as horas no relógio passam, a dor aumenta. Como chicotadas dadas na mesma ferida. Até quando eu vou agüentar? Será que só vai acabar quando o meu tempo se esgotar? O tempo está sempre acabando. Se eu não me importasse, eu estaria fazendo o que eu queria, estaria... Porém eu me importo. O celular toca.
- Vinícius? É o Leo.
- Fala, cara.
- Está em casa?
- Estou.
- Vou passar na sua casa. Preciso falar com você.
- O que é? Fala logo.
- Eu direi quando estiver ai. Falou.
- Tudo bem. Falou.
Vinícius desligou o telefone, colocou o prato, que sua mãe tinha preparado com tanto carinho no microondas para esquentar. A fome devorou o prato em pouco tempo. A campainha tocou. Leonardo já chegou? Olhou pela janela, era Leonardo.
- Oi, cara. – disse Vinícius.
- E ai.
- Eu já vou abrir a porta.
- Está bem.
Colocou a chave na porta e a abriu.
- Entre.
Leonardo entrou na casa, foi logo sentando no sofá. Ele estava com um cara alegre. Eu já sabia o que estava por vir. Com certeza ele falaria de alguma menina que ele pegou. Não sei porque ele tinha que falar isso, mas sempre contava para mim suas histórias amorosas. Como se eu quisesse ouvir. As histórias sempre tinham, o personagem principal, ele próprio. Tinha a princesa, aquela que ele tinha pego. Depois vinha a trajetória, como ele conseguiu esse feito heróico. Então, eu fazia uma cara de “Ohh! Você é sinistro”. O problema dessa vez é que tinha um elemento que me interessava. Um elemento essencial.
- Lembra daquela garota de ontem? – pergunta Leonardo.
Como eu poderia esquecê-la?
- Lembro. – respondeu Vinícius. Essas palavras o atordoaram. Será que ele ficou com ela? Não pode ser.
- Nós ficamos ontem. Foi uma coisa louca. Do nada, estávamos nos pegando...
Essas palavras o machucavam. Vinícius não escutava mais. Fingia prestar atenção aos detalhes dados por Leonardo. Ele estava surfando em outra onda. Todo o calor se transformou em raiva. Ele, simplesmente, sorria e afirmava com a cabeça para Leonardo. Mas lá dentro, parecia que ia explodir. Onde está os meus pinceis? Droga! Eu preciso deles! Obrigado, Leonardo. Eu os encontrei. Como pude perdê-los? Eles estão aqui. Não posso culpá-lo. Ele não sabe o que eu sinto. Ele não sabe o que sente. Eu poderia contar. Não, não poderia. Ele não acredita nisso. Não me entenderia. Alguém me entende? Raiva maldita! Você não é nada sem mim. Não me diga o que fazer. Eu não vou dar bola para você.
- Então, foi isso. – Leonardo acaba de falar.
- Entendo.
- Cara, ela é muito gostosa. Não é uma mulher de se jogar fora.
É claro. Ele exagerava. Ela era linda. Mas uma mulher que tinha um corpo igual das outras. Um corpo normal, talvez um pouco magro, um pouco gordo. Não tinha seios fartos. Também não eram pequenos. Sua bunda se encaixava muito bem no seu corpo. Mas será que ela era só isso, ou tinha alguma coisa a mais? Alguém tem alguma coisa a mais? A vida tem alguma coisa a mais?
- Eu sei – respondeu Vinícius.
- Mas cara, ela é tão fácil que até você pega.
Até eu pego? Ele está me colocando na base da cadeia sexual. O mais fraco dos mamíferos a conseguir fêmeas.
- É – retruca Vinícius.
- Acho que vou ficar com ela na festa. - disse Leonardo.
A raiva apareceu de novo. Maldita raiva! Ela me quer. Está doida por mim. Ela quer me deixar louco. Já me deixou.
- Bom cara. Eu já vou nessa. Eu tenho que encontrar meu pai ainda. Então eu passo aqui depois e nós vamos para festa? – diz Leonardo.
- Eu tenho que tomar um banho para ir para aula. Tudo bem.
- Você tem aula? – pergunta Leonardo.
- Tenho
- Tenta sair mais cedo, para gente não chegar muito tarde.
- Está bem.
- Então, falou.
- Falou.
Acenando ele desceu a rua. Vinícius foi para a aula.
A aula estava chata. Vinícius não tinha nenhuma vontade de assisti-la. A raiva ainda estava com ele. Será que ela vai à festa? Será que ela vai ficar com ele? Tentava não se iludir, parar de pensar, mas não conseguia. Não conseguia evitar. Olhava para o quadro negro. As letras começavam a dançar na sua frente. A letra C dançava com a letra A. Elas pareciam tão íntimas, tão felizes. Conseguia ouvir o que uma sussurrava para a outra. Todas as outras letras começavam a dançar também. Contagiadas pela alegria. Um sorriso apareceu no rosto de Vinícius. Ele ficou olhando, parado, imóvel. De repente uma letra avançou na outra. Então elas começaram a brigar. Vinícius continuou sorrindo, agora em um tom diferente. Todas as outras letras também começaram a lutar. Eu vou dar um soco nele. Ele me mexeu com a minha garota, poderia pegar qualquer uma, porém tinha que ser ela. A culpa é dele. A culpa é minha. Segurou os pinceis. Ele fechou os olhos e balançou a cabeça. Abriu-os. Ainda estava ele, na mesma aula chata.
A aula acabou. Já era hora. Vinícius saiu da sala e andou pelo corredor, tinha uma janela, a noite estava clara. Era lua cheia, e como sempre, estava linda. Verificou o celular, duas chamadas não atendidas de Leonardo. Ele deve estar me procurando. Ligou para ele.
- Oi, Leo. É o Vinícius.
- Até que enfim. Eu estava atrás de você. Onde você está?
- Estou na faculdade.
- Ainda? Vai logo para casa. Quando chegar, ligue para mim.
- Tudo bem. Tchau.
- Tchau.
Vinícius, rapidamente, ia descendo as escadas até que avistou uma mulher sentada no canto da escada, com os braços cruzados por cima dos joelhos e com o rosto sobre as mãos. Chegando mais perto, ouviu soluços de choro. Era ela. A garota. Oh! Meus Deus! O que eu vou fazer? Não posso deixar ela chorando. Segurando meus pinceis com muita força, eu me aproximei.
- Oi.
A garota levantou a cabeça e olhou. Seu rosto de choro era evidente, não conseguia disfarçar naquela hora. Ela respirou fundo.
- Oi.
- Qual é o seu nome?
- Bianca. E o seu?
- Vinícius. Eu sei que você não me conhece, mas porque está chorando?
- Por nada.
- Desculpe, por perguntar.
- Não, tudo bem. Você é o primeiro que pergunta.
- Posso te acompanhar até o ponto?
- Claro, tenho que me arrumar para festa.
- Você vai à festa?
- Vou.
Ela enxugou o rosto e se levantou. Os dois começaram a caminhar. Andando pelas ruas estreitas.
- Porque as ruas têm que estar sempre tão vazias? – Bianca pergunta.
- Está muito tarde. – respondeu Vinícius.
Ela deu um pequeno sorriso.
- Não era disso que eu estava falando. – retrucou Bianca.
- Desculpe. Acho que entendi o que você quis dizer.
- Entendeu?
- A vida está vazia, pessoas vazias, tudo vazio. Eu te entendo.
- É, exatamente isso.
- É por isso que você estava chorando?
- Não... E que eu não me sinto feliz. Eu não sei porque.
- Eu sei como é. Mas já tentou o amor?
- Amor? Ele é uma prisão. Eu já me libertei dessas correntes.
- Uma prisão? – Vinícius esboça um sorriso irônico. – Parece que você se livrou de uma prisão, mas caiu em outra.
- Outra prisão?
- Sim, a solidão.
Bianca parou. Olhou nos olhos de Vinícius. Começou a percebê-los. Meus pinceis estão aqui. Começou a desenhar uma resposta. Então continuou andando.
- Eu acho que não. – mas descobria que sim. – Eu sou livre para ficar com quem eu quiser. Essa liberdade é incrível. Ninguém te dizendo o que fazer.
- Eu entendo. Mas para mim, isso é medo. As pessoas tendem a se relacionar umas com as outras, porém se elas transformam isso em uma prisão, então isso não é amor. Se você é livre, porque chora? Essa liberdade dói?
Nesse exato momento, eles tinham acabado de chegar ao ponto de ônibus. E vinha um ônibus que servia para Bianca.
- Eu vou pegar esse mesmo. Eu tenho que me arrumar para festa. Você vai à festa?
- Eu vou – respondeu Vinícius.
- Então nos encontramos lá. Gostei de conversar com você. Tchau.
- Tchau.
O ônibus se foi. Vinícius estava perplexo. Não acreditava que tinha conversado com ela. Será que ela tem algo mais? Ela tem. Ela é incrível mesmo. Uma alegria de esperança se lançava sobre Vinícius. Todos os rabiscos estavam se encaixando. As cores estavam em ordem. Os pinceis deslizavam, delicadamente, passando pelos quatro cantos do quadro em branco. Desenhava o rosto dela, com todos os detalhes. Usava cores prontas, misturadas até um certo ponto. Tudo tinha quer ser perfeito. Era um quadro perfeito. Nem os melhores artistas que a história já viu poderiam pintar um quadro assim.
Chegava em casa. Tomou um banho. Arrumou-se todo. Estava impecável. Leonardo tinha ligado dizendo que ia direto para a festa, pois tinha acontecido um pequeno problema. Despediu-se de sua velha vida. Foi para festa. Para alguns uma festa qualquer, para outros uma nova vida, um novo significado.
Chegava na festa. Muita gente. A música já o animava. Tudo o animava.
- Paulinho! Quanto tempo? – disse Vinícius.
- Você está sumido, hein. – responde Paulinho.
- É a faculdade, tenho estudado.
- Eu sei como é. Comecei a trabalhar.
- É mesmo, onde? – Vinícius pegou um copo de cerveja.
- Em uma locadora.
- Maneiro.
- Conhece minha namorada? – pergunta Paulinho.
- Não.
- Essa é Sofia.
- Prazer em conhecê-la.
- Prazer. – se comunicaram com um sorriso.
- Então aproveite a festa.
- Valeu, Paulinho.
Vinícius pegava outro copo de cerveja. Estava nervoso. Muito calor. Procurava ela. Procurava Leonardo. Observava a seu redor, mas não via ninguém. Cumprimentava algumas pessoas que não via há algum tempo. Mas sua concentração estava nela. Achou Paulinho.
- Você viu Leonardo por ai?
- Eu vi. Ele está no quintal. Ele está se dando bem.
- Como assim?
- Está com uma mulher.
É ela. Só pode ser. Não posso ver isso. A raiva. Ela de novo. Qual é a cor da raiva? Eu não sei. Mas ela estava presente. Segurava os pinceis. Calma. Calma. Vamos pintar. Eu preciso sair daqui. Estou ficando sem ar, muita confusão aqui dentro. Se eu ficar, me perderei. Vinícius saiu andando sem rumo. Não pensava nisso. Uma mistura de raiva e tristeza. Ele ia explodir. Pinceis nas mãos. Eu não posso ficar aqui. Uma voz lhe chamou. Ele parou, era a voz de Leonardo. Não! Não! Fingiu não escutar. Não se virou. Não olhou. Continuou andando. Concentrou-se em caminhar para frente. Leonardo gritou seu nome de novo. Vinícius parou. Tentou respirar fundo, mas não conseguiu. Olhou para trás. Avistou Leonardo e, atrás estava Bianca. Lembrou da briga das palavras. Como ele pode fazer isso comigo? Ele merece a minha ira. Ele merece minha raiva. A garota que eu amo. Como ele pode? A raiva é um brinquedo em meus punhos. Segurou mais forte que pode os pinceis e começou a pintar. Partiu para cima de Leonardo. Flexionou os dedos, e encaixou um soco no rosto de Leonardo. Seus olhos não eram mais os mesmos. Ele não era mais o mesmo. Quem ele era? Leonardo caiu no chão. Todos olharam assustados. Bianca e Paulinho foram socorrer Leonardo, que se levantava. Meio atordoado. Não estava entendo nada. Foi um saco bem forte. Vinícius estava parado, repetindo para si mesmo, ele mereceu, ele mereceu. Todos olhavam para ele como um estranho. Como ele pode fazer isso?
Bianca levantou foi para frente de Vinícius, ele estava imóvel. Ela olhou nos olhos dele.
- Porque você fez isso?
- Ele mereceu.
Não éramos olhos que ela viu antes.
- O que aconteceu com você. O que você está sentindo?
Vinícius olhou de volta para ela. Como eu estou me sentindo? Nunca me fizeram essa pergunta. Estava lá, cravado na terra seca. Enterrado, mas não morto, era como um tesouro de pirata, porém só ele sabia a localização. Tudo de valioso, ele colocava ali. Tudo o que não prestava ele colocava ali. Estava obscurecido pelas nuvens do céu, pelas nuvens de chuva. Era à sombra de uma árvore. Era um dia sem sol. Você revelaria o que demorou tanto tempo para esconder? Eu guardei tudo o mais fundo que pude enterrar. Em uma aquarela. Tudo o que eu tenho lá no fundo são cores. Não são as cores que os meus olhos podem ver. São cores diferentes. São aquelas que aparecem quando, eu me encontro com você. Elas sempre aparecem. Está tudo na minha cabeça. Está tudo no meu coração. Você não sabe como é difícil, não mostrá-las a ninguém. Não poder contar o que elas representam. O que seria do pintor, sem o seu pincel? Só um louco. Com palavras insanas. As cores se expandiriam. Não se pode ultrapassar os limites do quadro. Imagine as cores sujando o mundo fora do quadro. Elas não podem atravessar a fronteira dos sonhos! A realidade tem suas regras. Não ultrapasse a linha. Os meus sonhos. Onde estão eles agora? Você sonha? Eu sou um bom cidadão da razão. Não posso deixar isso acontecer. O que os outros vão pensar de mim? Os outros, sim, os outros. Agora, eles te acham um estranho, isso importa para você? Será que eles vão entender? Ninguém está aqui para entender, todos estão aqui para julgar. Julgar uma pessoa igual a você. Que sentem as mesmas cores. Que escondem e enterram seus segredos. Será que elas sentem? Nunca parei para pensar. Nunca parei para conversar. Nunca parei para saber. Eu deveria me importar? Eu quero gritar! Os pinceis estavam escorregando. Eu quero gritar! Não consegui mais segurar. A fronteira ia se acabar, o que ele sentia ia se misturar com o que ele via. Eu quero gritar! Os pinceis caíram.
Vinícius gritou com toda a força que tinha na garganta.
- Com raiva!
Todos ouviram, ficaram chocados. Todos perplexos, sem entender. Vinícius andou em direção a Leonardo. Olhou para ele. Leonardo estava imóvel, sem reação. Também não tinha conhecimento de nada. Não era uma palavra, mas uma cor que saia da boca de Vinícius. Ele coloria seu mundo, tomava conta de cada detalhe em branco.
- Estou com raiva de você. Não é de hoje. Eu não fui sincero com você. Acho que você precisava saber. Eu não poderia te dar um soco. Você não tem culpa de nada. Eu sou o culpado. Espero que possa me perdoar.
Lágrimas começaram a sair dos olhos de Vinícius. Ele não controlava nada. As cores estavam livres e se manifestavam em sua mente. Envolviam seu coração. Bianca o abraçou. Viu através dos olhos dele. Palavras sinceras não são ouvidas todos os dias. Paulinho perguntou.
- Onde está Leonardo?
Ele tinha sumido, desapareceu. Ninguém o tinha visto. Bianca perguntou.
- Porque você tinha raiva dele?
Eu não posso falar. Onde está meus pinceis?
- Vou procurar o Leonardo. – Vinícius mudou de assunto.
- Eu vou com você. – disse Bianca.
Então foram os dois a procura de Leonardo. Vinícius sabia onde ele estava. Eles eram amigos há algum tempo. Lembrava-se que quando Leonardo ficava chateado, ele ia para um campo de futebol perto de casa. Chegando lá, estava Leonardo sentando na areia do campinho.
- Espere aqui Bianca. Eu quero falar com ele sozinho.
- Tudo bem.
Vinícius se aproximava. Sentou do lado de Leonardo.
- Porque você não me contou? – pergunta Leonardo.
- Eu não sei. Pensava que você não ia entender. Acho você meio distante dessas coisas. E...
- Eu sei que eu não demonstro. Quem demonstra? Mas você pode me contar qualquer coisa. Eu tentarei te compreender.
- Desculpe, cara. Eu não poderia ter feito aquilo.
- Já está feito. Você tem sorte que eu consigo perdoar facilmente. – um sorriso saiu do rosto de Leonardo. Seus braços passaram pelas costas de Vinícius. Vinícius retribuir o abraço.
- Mas me diga uma coisa. Porque essa raiva? O que eu fiz?
Onde está meus pinceis? Eu não preciso mais deles.
- Eu amo a Bianca.
Leonardo esboçou um espanto. Mas percebeu logo do que se tratava. Esboçou outro sorriso.
- Então foi por isso. Desculpe. Eu não sabia. Mas ela não quer ficar mais comigo.
- Tudo bem. Sério?
- É. Percebo que ela está aqui.
- Ela está.
- Acho que você sabe o que fazer.
Leonardo ia se levantando.
- Nos vemos depois.
- É claro. – diz Vinícius.
- Acho que nós precisamos conversar mais. - diz Leonardo.
- Eu também acho.
- Valeu.
- Valeu.
Leonardo caminhou lentamente, em direção a Bianca. Aproximou-se e disse.
- Ele quer falar uma coisa com você.
Ela balançou a cabeça positivamente. E andou até encontrar Vinícius e sentou do seu lado.
- O que você quer me falar? É o que te deixou com raiva? – perguntou Bianca.
- É – respondeu Vinícius.
- Então diga.
Onde estão os meus pinceis? Eu não preciso mais deles.
- Você gosta de poemas?
- Eu gosto. Porque?
- Eu escrevi um para você.
- Para mim? Mas o que isso tem haver?
Vinícius colocou a mão no bolso e tirou um papel bastante amassado. Pegou o pulso de Bianca e, calmamente, colocou o papel amassado em suas mãos.
- Leia, por favor.
Bianca desamassou o papel. Ela leu a primeira linha. Começou a ler cada palavra. Uma palavra levava a outra. Todas elas a espantavam, criavam uma pressão enorme para ela. Ela segurava forte os pinceis. Palavras que ela nunca escutou de ninguém. Palavras sinceras não são escritas todos os dias. Ela ficou perplexa. Não sabia o que dizer. Ela o amava? Ela não sabia. Ela desenterrou. Mergulhou no fundo do seu mundo. Agora ele estava um caos. As palavras mexeram com ela. Foram para dentro. Ela olhou para os olhos dele. Viu o coração dele, batendo. Escutou o seu batendo. Tudo estava ficando mais claro. Olhou para sua imagem nos olhos de Vinícius. O mundo estava ficando mais claro. A lua ainda estava lá, olhando para eles. Os pinceis estavam escorregando da sua mão. Suas lágrimas começaram a cair. Os pinceis estão caindo. Vinícius tocou o rosto de Bianca enxugando as lágrimas. A fronteira se quebrou em vários pedaços. Os pinceis caíram. Nesse momento, não se distingue mais toque de sentimento. São uma coisa só. Eles estavam vivendo sem limite. Sem fingir. Conhecendo uma coisa nova. Conhecendo um dia novo. Descobrindo o que as pessoas podem oferecer, mais do que elas mesmas sabem. Podendo expor para as pessoas que elas podem crescer, sem se preocupar em cair. A vida como ela deve ser. Livre. Livre para sentir. Sabe o que é mais incrível? E que mesmo depois de tudo, o que marca a vidas das pessoas são os poemas de amor que elas escrevem.