terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A banda

"Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor"



A banda passava. Mas não ligava. Mal a escutava. Tinha acordado a pouco tempo. E já estava incomodado com uma gritaria que surgia lá na rua. Devia ser a banda passando. O tempo da banda passou, pensou. Não lembrava da última vez que foi feliz. Já se acostumara com a tristeza e ficara amigo dela. E as pessoas viraram um retrato jogado. Não se importava. Não compreendia os sentimentos alheios. E esquecia dos seus. O seu amor, encolhido e assustado, no canto da sala. Era uma menina com medo de brincar lá fora, apenas escutando os trovões e vendo os clarões dos raios de um céu que já foi todo azul. Era uma mulher abandonada que chorava pelos cantos da casa, querendo um pouco de atenção, e quem sabe um pouco de carinho. Ainda ouvia os choros pela casa. Ainda via as lágrimas cairem. Mas nada como um café bem forte para te acordar.
Lá fora era tudo diferente. A banda estava passando. E cantava coisas de amor. E todos as pessoas que sofriam, esqueciam da dor. Um homem rico, com certeza o mais rico da cidade, estava contando o seu precioso dinheiro, quando a banda o pegou de surpresa. Começara a jogar todo o dinheiro para alto em um ato de alegria tão devastador, que não sabia o que estava fazendo. Estava louco. E curtindo a própria felicidade. O mais impressionante é que ninguém pegou uma nota siquer do chão. Elas eram pisoteadas pelas pessoas despreoucupadas e embaldas pela música sedutora e pelo canto exacerbado e exagerado. Um homem que contava vantagem sobre tudo, parou. Não pensou, e nem hesitou. Apenas saiu cantando. A mulher apaixonada esperava ansiosa pela banda. E quando ela chegou, não sabia para onde ir e nem o que fazer diante de tanto amor. Parou de contar as estrelas e acompanhou a banda, dançando e se entregando a cada palavra cantada. E a moça triste que já não tinha esperança, pode sorrir para a banda que cantava coisas de amor. Foi contagiada pela alegria de todos. Uma rosa fechada foi se abrindo com o ritmo da banda. Um homem feio pegou a rosa e sorriu. E a mulecada passava correndo de um lado para outro, pensando que todo mundo estava doido. Um velho chato que sentava em uma cadeira de balança que fazia um barulhinho irritante, levantou. Ninguém acreditou. Mas ele pensou que era jovem e pulou. Nâo sentiu nenhuma dor. Dançou e se esbandou. E uma moça feia apareceu na janela, esperando que a banda desse alguma coisa para ela. E na expectativa, a banda passou. Logo depois, um homem feio veio com uma flor e entregou para ela o seu amor. E a alegria se espalhava por onde a banda passava. A lua cheia veio ver o que se passava e surgiu. A cidade toda se animou, se fantasiou e sonhou para ver a banda passar, cantando coisas de amor.
Depois do café, não conseguia tirar sua atenção da banda. Aquela música e aquela agitação, já o conquistara outros dias, e por mais que tentasse viver aquela mesma vida com a qual se acostumou, lembrava-se de tudo o que viveu. E o seu amor, uma mulher e o seu pranto. Tomou sua mão, e queria o levar para ver a banda passar. Ele relutou. Mas foi dar uma espiada na rua. E quando viu, a mulher já cantava as coisas de amor. Chorando e sorrindo. E uma alegria sem vergonha chegava. Sabia todas as letras, e todas as melodias. E se inspirou na felicidade das pessoas para compor a sua música de amor. E se inspirou no amor que sentia para viver a sua vida. Cantava como sempre fizera. E foi feliz como sempre foi.
Porém, a banda já estava de partida. E tudo o que era doce, acabou. A banda passou. E tudo voltou ao normal. As pessoas disputavam o dinheiro jogado no chão, sujo e imundo. O home rico gritava dizendo que tudo era dele, e que ninguém pegasse. NInguém ouvia. E o outro homem continuou contando vantagem sobre o seu sucesso. A mulher apaixonada esperava que a banda voltasse. A moça triste parou de sorrir e sumiu. E cada um foi para o seu canto, viver a sua dor.
E sentiu a velha tristeza quando a banda foi embora. Nâo queria mais aquilo. E sem pensar duas vezes, foi embora com a banda, cantando coisas de amor por ai.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Trem da loucura

Um homem de uma estação com sua alma de poeta olhando para os trilhos, disse:
- Quanto mais loucas, incompreensíveis, desconexas, apaixonadas, sem sentido, eufóricas, agitadas, livres, soltas e cheias de umas vida inexplicável forem as palavras escritas mais elas estão carregadas de sentimento.


O trem da loucura vai passar
quando você menos esperar.
Ele vai te pegar pela mão.
E vai te levar para onde quiser.

Vai para lugares que nunca esteve.
Vai fazer o que nunca fez.
Vai conhecer o que nunca conheceu.
Olhando apenas pela janela.

Ainda está na estação com um aperto no coração?
Esse trem não tem hora, sentido ou direção.
As portas sempre abertas como o vento.
E todos vão gritar: Vamos?

E com todo o amor, o trem vai começar andar.
E você vai sentir a liberdade não reprimida de tanto tempo
contagiar todas as pessoas que embarcaram
e bagunçar suas vidas com um sorriso que esperou muito para aparecer.

Ele passa por todas as estações perdidas.
Pedindo um pouco de amor.
Para continuar sobre os trilhos e nunca mais parar.
Vamos olhar pela janela?

E ver o sol acariciando o rosto da lua.
Abraçando com seus raios.
E beijando com seu calor.

As estrelas cantando canções
com um violão, um chocalho e um pandeiro.
Jogando para um mundo borrado.
Todo o amor escondido sobre lençóis.

E a flor que nascia.
Não era pisada.
Era admirada.
Era desejada.
E era amada.
Não por sua beleza.
E nem por sua graça.
Mas porque nasceu
no meio da nossa loucura.

E a tristeza logo não aguentava e sorria.
Era uma felicidade compartilhada.
E ninguém ficava para trás
escondido atrás da cortina.

O trem da loucura está passando.
E vai escutar o seu lamento.
Todas palavras vão sair pela janela.
Vai abraçar sua dor com força
para ela explodir em mil pedaços
que cairão em ombros conhecidos.

E o trem da loucura avança sobre seus trilhos.
Oferecendo um pouco de sua loucura.
Para encontrar outras loucuras e se misturar.
Vamos olhar pela janela?

Como é bom ver um sorriso
em um rosto amigo.
Onde será que o trem vai chegar?
Ainda há vários destinos.

Daqui de dentro.
A vida lá fora.
Passa como um filme entediante
de um cinema vazio.

São vidas frágeis tocadas.
com mãos calejadas
Nunca cantadas.

Presas em jogos de culpa.
De lados distintos.
De lados opostos.
Do mesmo sentimento.

O trem da loucura está vindo.
Está perto.
Descoberto.
Aberto.

Quando nos encontrarmos.
Dentro dos olhos.
Um do outros.
A cada ritmo de uma piscada.
Vamos olhar pela janela?

E esticar a mão para fora...

Ser pescador em Trindade

Poucas pessoas no salão
E amor guardado em garrafas vazias
muitas garrafas pelo chão

Encostado na pilastra
sem cheiro de rosas
com uma garrafa de cerveja na mão
enchendo com gotas arrastadas
o meu copo, sem emoção

O alcool me acaricia
faz cafuné
uma mãe mimando seu filho

E uma solidão imensa
que nunca tinha sentido
chega pelas entranhas da noite
e fica nos meus olhos de sono

E sem palavras de afeto
Dá vontade de ir
Ser pescador em Trindade

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

No meio da natureza

Era uma montanha e um longo caminho até o céu. Sabia que ia subir por essas curvas que nem sempre vão para os mesmos lugares e que seu corpo talvez não aguentasse a fadiga. Mas isso era um detalhe que não tinha importância. Ele precisa respirar. E sabia que ia respirar um ar que seus pulmões não estão acostumados. Ia viver sensações que seus sentidos não estão acostumados. E como isso tudo o empolgava. Sabe aquelas coisas que você anseia para fazer e que te dão um ânimo para viver? Essa era uma delas. E bem cedinho ele acordou. Há muito tempo que ele não tinha disposição para acordar cedo. Mesmo estando de ressaca. Mas só de imaginar o que estava por vir, um sorriso já aparecia e toda a disposição do mundo estava ao seu lado. Ele estava fazendo o que queria, o que gostava e isso o revitalizava. Tomou um banho demorado. Colocou uma roupa bem leve, por causa do calor. A persiana do quarto ainda estava abaixada. Mal podia esperar para ver o sol junto com o céu azul e poucas nuvens produzir uma alegria de criança. Levantou a persiana com gosto e viu aquele céu. Parecia tão diferente e igual. E os raios tocarem imediatamente seu rosto. E o calor foi até intenso, misturando com calor do seu próprio corpo. E os olhos se fecharam por causa do sol forte, e ficou só sentindo o calor aumentar. Pegou sua mochila. E tudo o que precisa. Arrumou tudo. Sua boca estava muito seca. Bebeu toda água que pode. Estava pronto. Talvez já estivesse há muito tempo. Encontrou um amigo em sua rua. E lá foram os dois. Pegaram dois ônibus para chegar em uma reserva. E todas as árvores estavam juntas. Pareciam que estavam uma de mão dada com a outra. E fomos em frente, entrando na natureza.
Não existia um silêncio. Era como se fosse um canto. Como se todos os seres vivos presentes cantassem suas canções. Sabe o que era mais incrível? Podíamos ouvir as canções. Cada melodia, suas nuances, leveza e expansão. Estava em todo o lugar. Era muito agradável. E cada um tinha algo para cantar, e cada canção era diferente. Daria para passar o dia inteiro parado só ouvindo o canto de todos. Mas no meu íntimo, sabia que havia muito mais coisas a descobrir. E começamos a caminhar. Para mais perto do céu. E logo começou a perceber que o tênis que usava estava machucando o pé. O tirou. Pisou na terra misturado com restos de plantas e outros animais. Era fofa. Sabia que seu pé estava exposto. Feridas viriam. Mas sentir a terra a cada passada era único. Como era gostoso. Às vezes a terra cobria o pé, em outras o solo era duro e estável. O seu pé já se misturava à lama, terra e todo o tipo de restos de areia. Havia pedras pelo caminho, e seu pé sempre firme em cima delas. Depois de enfrentar algumas pedras de um pequeno córrego, eles chegaram a uma cachoeira. E o vento das águas balançava nossos cabelos e refrescava nossos rostos. Era uma pequena cascata que parecia uma mulher nua e as suas águas caiam com o peso de seus amores, e não se importava com quem estivesse a observando. Na verdade, suas águas seduziam os meus olhos, e me convidam para prová-las. Não resisti e nem queria. Tirei a camisa e deixei as águas dela lavarem minha alma. O lugar era meio fechado, mas dava para ver uma pontinha do céu. Deitei em uma pedra e enfim meu corpo descansava. Bebemos um pouco de água. Logo depois, continuamos. Voltando pelas mesmas pedras que passamos. Já estava criando bolha no meu pé. Mas nem percebia e nem queria. Voltou à terra molhada e fofa, e a pouca dor não aparecia.
Subindo até o céu. Não que o céu fosse um lugar especial. Mas sabe quando alguma coisa te encanta e você quer tocar para ver como é? Era bem isso. A cada passada, um sentimento de êxtase possui meu corpo e uma felicidade feroz invadia a minha intimidade fazendo eu ir pelo o caminho que as árvores apontavam com suas raízes e galhos com leveza e simplicidade. Eu era um bodisatva, não daqueles que se concentram e se excluem de tudo e todos para chegar à iluminação. Mas que sentia que toda iluminação estava de algum modo em tudo e todos, e tentava extrair naturalmente com os sentidos. Os insetos picavam sua pele. Mas nem percebia e nem queria. E em todo o lugar as águas não paravam de declamar poesias de amor, às vezes, até sussurrando no meu ouvido. Escalamos pequenos morros, encontramos vários córregos e um pequeno lago com uma cachoeira. Subíamos até o céu. Cansados e exaustos, mas felizes. De tanto andar, chegamos em uma gruta. Mesmo estando suados, logo que entramos na gruta, um frio intenso arrepiou nossos pêlos e abalou nossa subida. Foi à única vez que lembrei de algo fora de tudo o que eu vivia agora. E com certeza não era uma lembrança boa. Daquelas que nós damos risadas e lembramos com gosto. Era uma lembrança do meu eu. A gruta estava escura, e dava para me ver jogado no canto sentado. Tinha acreditado fielmente em mim que não dei mais atenção aos outros, e a mais nada. Já tinha desesperadamente conseguido todos os prazeres do mundo, e agora a insatisfação não acabava e com ela eu me alimentava. Ficava contando para mim mesmo o que eu já tinha feito. Quando descobriu que ninguém valia a pena, fiquei só comigo mesmo. E nas profundas torturas do seu orgulho, a tristeza escorria para debaixo de um coração fechado em sua própria gruta. E todo esse pensamento me paralisou. Meu amigo me deu um tapa nas costas, chamando minha atenção. Olhei para ele, e saímos da gruta. Perguntei como ele estava se sentido. Ele apenas sorriu. Continuamos subindo.
E o dia cada vez mais lindo, o céu cada vez mais azul. O sol mais intenso e escaldante. Um pouco mais de subida, decidimos parar um pouco. Tinha uma pequena vista que não estava coberta pelas árvores. E de lá, dava para ver uma linda cachoeira que jogava suas águas com a força e se estendia até lá embaixo. Apesar da força, ela descia graciosa. Desviando de seus obstáculos e chegando até o fim. Ficamos parados muito tempo, apenas observando. E aquela vontade de se enroscar com suas águas, que junto com outras cachoeiras e rios declamavam a todo momento versos de suas vidas, emanava do fundo de nossos desejos mais íntimos. Os raios solares tocavam naquelas águas de um modo delicado e doce que refletia seu gesto para todos os lados do mundo. Eles sabiam que estavam sendo observados o tempo todo pelas pessoas que passavam. Eles queriam ser vistos por olhos apaixonados. E não tinha como não se apaixonar por eles. Todos que passavam ficavam surpresos e admirados. Decidimos continuar. E já estávamos perto do céu. Fomos para o ponto mais alto que podíamos. E quando chegamos vimos quem eram os loucos. Um grupo de pessoas estranhas vestidas com roupas mais estranhas ainda não conseguiram se segurar. E estavam dançando uma dança desconhecida que era um agradecimento por todo amor compartilhado por eles nesse lugar que tinha os acolhido. E tentavam imitar o canto de todos os seres dessa floresta. Quando mais nos aproximávamos deles, eles iam deixando de ser estranhos e no meio do ar mágico que surgia, nós abrimos todos as nossas portas fechadas. E tudo o que poderíamos pensar de tudo e deles não caberia mais em nossas mentes. Nessa hora, olhei para o céu. Não era eu que estava tentando chegar a ele. Mas, ele que queria chegar até mim. E quando chegou, me abraçou forte. Como se soubesse quem eu era desde sempre. Como se fossemos grandes amigos de infância. Como se me conhecesse desde a primeira vez que nos vimos. E sem pedir nada em troca, me ofereceu todo o azul que ele tinha.