domingo, 25 de outubro de 2009

Sou filho da escravidão

Esse é a minha primeira postagem de algo que eu não escrevi. Eu não sei o nome do poeta, mas sei que ele anda pelo centro da cidade, perto do IFCS. Talvez, eu já tenha o visto. Lembro de um homem vendendo poesias no bdp, mas faz tempo. Eu queria que vocês olhassem para essas palavras e percebessem que é um homem das ruas que escreve. Não que ele escreva mal ou bem, isso não importa. Percebam as dificuldades vividas por ele. Não o reprimam. Eu não concordo com algumas de suas idéias, mas quando li, senti a fúria de suas palavras. Coincidentemente ou não, eu estava construindo uma pequena louca história sobre preconceito. Acho que é uma boa hora para escrever.


"Por quantas e quantas noites e dias eu não odiei ter nascido pobre.
Odiei o próprio natal de Jesus e outras datas em que se davam presentes,
que eu não iria receber.
Odiei a família, por ter me permitido nascer.
Odiei, mas tentei compreender, que nasci pobre, por ter sido gerado no meio de uma família negra.
O que fazer?
Tentei, mas revoltei-me.
Ah! Desculpas! Eu pensava.
A minha família sempre tinha desculpas.
Será que há descuolpas para os remédios caseiros de minha mãe, quando alguma dor eu sentia,
E para os batuques do meu pai, ora era macumba, ora era carnaval;
O que eles pensavam que eram?
Será que ela, a minha mãe,
pensava que era médica?
e ele, meu pai, que samba era cultura?
Era só isso que eles tinham para me dar?
Ah! Meu Deus! Perdoa-me!
Como fui ignorante.
Sim!
A minha raiz foi escrava sim.
E os remédios de mato que minha colhia e preparava com tanto amor;
e até mesmo os batuques que meu pai fazia,
não eram boçais.
O grito de uma raça, que sofreu com a escravidão para deixar as suas crenças,
seus segredos,
a sua origem,
a sua cultura.
Sim!
Cultura!
Cultura que a ciência lançou mão,
o mato,
é remédio.
E os batuques que meu pai fazia?
Também eram cultura.
Cultura que explodiu num canto que ecoa na avenida.
e atrai turistas do mundo todo.
Engraçado né!
Atrai até mesmo
quem ao negro escravizou.
Sim,
senhor!
A minha raiz foi escrava.
Que orgulho desse povo.
Desse povo,
que não se permitiu que os chicotes,
Senzalas,
e nem mesmo
a morte provocada
apagassem-lhes da memória e do
coração,
a identidade que
traziam.
Ai!
Meu sinhô!
Sou nego,
sim senhô!
E a capoeira
não é revolta não
sinhô.
Mas,
a defesa de uma raça,
que um dia,
ainda vai ensinar o
filho do doutor."

sábado, 24 de outubro de 2009

A estrada sem fim

Quando nos encontramos em algum lugar...
Ele estava deitado na cama. Levantou. Espreguiçou. Decidiu. Começou a preparar sua mochila. Colocou algumas roupas, itens de higiene pessoal, alguns livros e outras coisas menos importantes. Vestiu-se depressa. Pegou a mochila. Abriu a porta e olhou para trás. Ela estava deitada na cama. Dormindo. Fechou a porta e saiu. Na cozinha, fez um sanduíche, comeu rápidamente e saiu da casa. Jogou sua mochila no banco de trás do seu mustang 66 conversível. Pulou e caiu na poltrona do motorista. Colocou as mãos no volante e sentiu que ela ainda estava do seu lado. Olhou para a janela do quarto. Ela estava lá. Olhando de volta. Não entendendo o que estava acontecendo. Acho que nem eu. Percebi que estava nervoso e tremendo. Não compreendi. Então, virei-me para frente. Liguei o carro, e sem olhar para trás, pisei no acelerador e o carro disparou.
Havia uma estrada a percorrer. Acreditava que ela não ia aparecer mais. As vezes, dava uma espiada pela retrovisor para ver se ela não estava atrás. Mas, sempre que olhava não havia ninguém. Estava mais calmo. Podia, agora, planejar livremente onde ir, e o que fazer. A gasolina estava acabando. Tinha um posto, um pouco mais para frente. Encostei o carro. Enquanto enchiam o seu tanque, fui até a loja de conveniência. Comprei dois saquinhos de amendoins. Abri o primeiro e comecei a comer. Um de cada vez. O homem que trabalhava no posto e estava enchendo o meu tanque, se aproximou.
- Para onde vai, moço?
- Eu não sei. – respondi.
- Nessa direção não tem nada. – ele disse.
- Seria um bom lugar para ir.
Ele fez uma cara de espanto. Como alguém quer ir para o nada?
- Está fugindo de algo? – ele perguntou.
- Eu não sei. Só quero seguir em frente.
- Mas, senhor. Pense no que está fazendo.
- Já pensei demais. E, por favor, não me chame de senhor.
- E se senhor não voltar mais?
- Não se preocupe com isso. E, não me chame de senhor.
Pulou para o acento do motorista. Deu o dinheiro para o homem, ligou o carro.
- Nós vemos por ai.
Arrancou.
Essa estrada parece não ter fim. Passavam várias cidades. Não parava. Eu não sei. Mas, sentia medo de encontrar. Continuava na estrada. E ela nunca tinha fim. Já estava cansado de dirigir. Comece a procurar um hotel, e avistei um placa com o nome de um motel. Servia. Estacionei. Tem horas que o coração de um homem precisa descansar. Aluguei um quarto. Número sete. Peguei a chave e entrei. Deitei. Apaguei. Logo, acordei. Parecia ter dormido há horas, mas foi só por alguns minutos. A noite ainda estava aqui e ia ficar por um tempo. Não conseguia dormir mais. Eu queria dormir. Tentei. Virava de um lado para o outro. Não conseguia. Desisti. Ficar acordado não era bom. Lembrava de tudo o que já foi. Queria esquecer. Pensava nos fatos passados. Queria retalhos. Queria uma resposta. Porém, mais perguntas chegavam, e eu queria dormir. Sentei na cama. Passei a mão pelos cabelos. Senti um vento, acho que uma cosquinha nas costas. Olhei para trás, e ela estava deitada na cama. Fiquei assustado. Ela estava dormindo. Quando me mostrou com seus olhos castanhos, não aguentei, e sai correndo. Passei na recepeção e joguei a chave no balcão. Disse que não precisava mais do quarto. Pulou no carro e partiu.
Seguia pela estrada que não tem fim. Sua cabeça cambaleava. Dava uns tapas na cara, para ver se acordava. Não conseguiu. Dormiu no volante. Alguém tocava o seu ombro. Acordou. E a viu no meio da estrada. Naquela fração de segundo percebeu que ela mexia a boca, mas sua primeira reação foi desviar. O carro rodou. E parou fora da estrada. Tentou se acalmar e respirou fundo. Tentou ligar. Não ligou. Pulou para fora, quase caindo, estava meio fraco. Começou a correr. Entro em uma floresta. Sempre olhava para trás e nunca via ninguém. Sabia que tinha alguém ali. Desviava das árveres que pareciam entender o que se passava e estendiam seus galhos, mas apenas rebatia-os de volta. Sem querer saber o que eles queriam. E as árvores ficaram tristes. O solo ficou úmido e escorregadio. Corria.
Parou. Havia um rio na sua frente. E sua correnteza estava muito forte. Não havia esse tipo de ponte aqui. Daquelas que atravessam rios assim. Pensava em um meio de ulrapassar esse rio. Chegar ao outro lado. E? Continuar a correr. Voltar a estrada que não tem fim. Mas, sempre, de algum lugar ela surgia. Ela apareceu do outro do lado do rio. Eu ia correr, mas não podia. Não sei de onde vieram tantas árvores. Não conseguiria passar por elas. Peguei aquilo que estava protegendo. Meu coração. Ele batia na minha mão. Tão vivo quanto eu. Ela ficava me fitando. Eu fiz o que tinha que fazer. Joguei meu coração no rio. Ele foi com a correnteza. Desapareceu da minha vista. Ela acompanhou o que eu fiz. Olhou para mim e sorriu. Pulou dentro do rio e desapareceu da minha vista.
... sempre não dizemos nada.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A fumaça de um cigarro

Era uma salinha apertada. Todos estavam meio espremidos uns com os outros. O engraçado é que desse aperto, com as pessoas mais juntinhas, surgiam muitas conversas. Era o local onde os fumantes poderiam saborear o seu cigarro. Eles eram excluídos do restante. Porém acabavam se unindo. Havia dois sofás pretos, um de cada lado da salinha. Muitos pôsteres de propagandas antigas de eletrodomésticos. Uma janela que era a válvula de escape da fumaça, senão todos morreriam com a própria fumaça. Não havia ventiladores, então imagine o calor que faz lá dentro. Era sempre um monte de pessoas a sair e entrar. Eu passei a noite toda nessa sala. Não saia daquele sofá. Meu corpo simplesmente não queria se desfazer do conforto daquele sofá, e sempre ansiava por mais um trago no cigarro. E lá estávamos nós. Eu e meu cigarro. Tinha o tirado do maço há algum tempo e ficava acariciando-o com os dedos. E com os meus olhos eu o desejava. A minha boca ficava molhada. Como eu preciso de você, falei para ele na minha mente. Disse para outros cigarros que ficaram no maço para não terem ciúmes, pois iriam ser tratados da mesma forma. Dessa forma especial. Eu ri de mim. Falando com cigarros, tendo tanta gente na sala. A minha atenção estava toda nesse cigarro. Ele era meu. E iria me proporcionar um prazer. Talvez, me fizesse um favor. Cigarros não falam. Cigarros, nada fazem. Mas, eles conseguem me deixar maluco. E eu já não consigo viver sem eles. As pessoas gritavam, se exaltavam, conversavam, beijavam, dormiam e... fumavam. O silencio do cigarro era como se ele escutasse cada palavra que eu dizia na minha mente. Era incrível. Ele não transbordava nenhuma emoção. Isso me acalmava. Enfim, ia levar a ponta do cigarro aos meus lábios. Com um movimento convincente e penetrante ele caiu na minha boca. Com o isqueiro coloquei brasas na sua outra ponta. E a fumaça foi para os meus pulmões. Era a cura de toda aquela algazarra. Era a sincronia de todas as partes perdidas. E a fumaça saía com a força da água caindo de um penhasco e se misturava com as outras fumaças que havia pelo ar. Eu dava um sorriso de vitória. É uma pena que ele se foi tão rápido.
Então, entrou na salinha, um homem. Vestido calça jeans e uma camisa de alguma marca famosa qualquer. Com um cigarro na mão ele sentou do meu lado. Me pediu o isqueiro. Eu emprestei. Ele começou a puxar conversa. E claro, estragou tudo o que tinha feito até agora. Peguei outro cigarro e não acendi. Ele começou a falar e eu queria que ele fosse embora. Falou que essa noite tinha muitas “gringas” na casa. Porém as mulheres estavam cheias de frescura, ele não tinha pego ninguém. Todos os amigos deles tinham ido embora sem pegar ninguém também. Ele estava bêbado. Eu desesperadamente queria uma cerveja. Ele não queria ir embora. Não podia ir. Como poderia? Sem pegar ninguém? Nunca! Ele disse que ainda tinha esperança, e eu falava que ele ia conseguir. Ele me abraçou e disse que eu era um bom amigo. Eu fiquei aliviado de vê-lo ir embora. Agora, era eu e meu cigarro. Acendi e fumei. E tudo voltou ao normal. Já estava me sentindo melhor. Um amigo meu apareceu. Trazendo uma cerveja para mim. Agradeci, e logo me esqueci dele. Aquela cerveja descendo pela minha garganta em doses homeopáticas era algo muito bom, apesar de não estar muito gelada, isso não atrapalhava. Algumas pessoas começaram a fumar maconha na janela. Pensei que seria uma boa pedir um trago, porém não queria conversar. Alguns seguranças vestidos todos de preto, entravam e saiam da sala, para observar o que as pessoas fumavam. Em uma dessas, o segurança arrastou pelo braço uma menina com um baseado na mão. Todos ficaram assustados por um breve momento, mas depois tudo voltou ao normal. Eu acendi mais um cigarro e fiquei calado. O meu amigo sentou e também acendeu um cigarro. Não vamos para a pista? Disse ele. Eu disse que não. Talvez, depois. Só disse isso para ele não ficar me amolando o saco. Vai ficar parado ai? Perguntou ele. Disse que por enquanto sim. Eu só pensava nos meus cigarros. Não vai chegar em nenhuma mulher? Provavelmente não. Ele disse que eu era chato. Se anima homem! Mas, eu só pensava nos meus cigarros. Seu desanimo para a vida me afeta, ele disse. Mas, ele não entendia. Eu estava bem aqui, porque sairia daqui? Ele se levantou e saiu chateado. Não tive pena dele. Nada me incomodava. Acendi outro cigarro. A noite foi avançando. A sala começou a ficar cada vez mais vazia. E quando mais vazia a sala ficava, mais eu sentia que tudo ia ficar bem. O silêncio era cada vez maior e os meus cigarros me escutavam com mais entusiasmo. A bebida tinha acabado. Não ia pegar outra. Não tinha muito dinheiro sobrando e ir até lá no bar, me dava náuseas. Então fiquei onde estava, até não ter mais ninguém. Fui até a janela. O céu estava em uma mistura de noite e dia. Escuridão e luz.
De repente, uma mulher entra na salinha. Ela senta no sofá e fica calada. Fui pegar um cigarro, mas só tinha um. Era o último. Não desesperei. Poderia comprar outro maço quando estivesse lá fora. Percebi que ela estava triste. Não havia percebido nada em ninguém a noite inteira. Não sei porque disse isso para mim mesmo. Ela está triste. O meu cigarro estava na mão. Eu o acariciava como sempre. Queria que ela saísse da sala, mas como dizer? Seria rude da minha parte. Ela tinha alguma coisa familiar, isso me incomodava. Por alguma razão ainda desconhecida do grande conhecimento humano. Eu a ofereci gentilmente o meu último cigarro. Ela enxugou as lágrimas. Não aceitou. Disse que não fumava. Ela começou a falar, soluçar, chorar e caminhar em volta da sala, depois sentar de novo. Eu escutei. Mas não disse nada. Ela foi para a janela e disse que o céu estava lindo. E mesmo? Perguntei para mim mesmo dentro do meu eu. Olhei para fora e não tinha nada de muito lindo. Se fosse uma pintura de algum artista famoso, com certeza, seria lindo. Eu teria ficado encantado e tudo voltaria ao normal. Acendi meu último cigarro, imaginado as mais maravilhosas obras de arte do mundo. Ela ficava só contemplando aquele céu sem tinta, nem expressão e sem conhecimento algum. Acabei dizendo para ela que era lindo. Ela olhou para mim e disse que eu estava mentindo. E era verdade. Então, disse que era feio. Ela deu um sorriso. Não estava entendendo nada. Ela foi até mim. Agradeceu. E disse uma última coisa: Pare de fumar. Fiquei olhando ela sair. Pare de fumar? Porque pararia? Se eu me sinto bem assim. E fiquei pensando o porque dela dizer isso. Olhei para o céu. Não parecia tão feio. Mas, ainda era feio. Eu dei um sorriso. Será? Não pode ser. Ela gostava de mim. De alguma forma. Amassei o maço vazio e joguei fora. E fui pelas ruas que já estavam bem iluminadas com o raiar do dia. Eu queria entender. Porque eu queria que nós ainda estivéssemos na sala? Porque eu queria continuar olhando aquele céu feio? Com certeza, eu preciso de um cigarro...

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Quando o sol falou comigo

Ele queria tocar o sol
apenas pegá-lo uma vez
subia em uma velha árvore
e esticava a mão para o céu

Ele ia correndo
sempre quando estava triste
E quando o sol jazia no horizonte
ele já não tinha mais esperança

Para onde o sol vai quando eu preciso dele?

Ele não era mais um garoto
Agora, ele gostava das noites
Preparado para tudo
Vamos ter um bom momento

Quem eu vou encontrar?
A lua me deixou aqui
Mais um tapa nesse rosto
Essa música está em todo lugar

Lá vem essa sensação
vou virar um lobisomem
não vou devorar ninguém
Eu vou embora daqui

Mais um uivo para a noite
e o cheiro de novo
mais fumaça para enfeitar
ela vai aparecer com a luz
de um homem iluminado

E os outros estão encapuzados
vamos beber outra taça
de um líquido que pode nos trazer
aquilo que ninguém vai trazer

Quem será o próximo a falar?
Ainda consegue ficar em pé?
Quem que você vai culpar?
Outro condenado por ai

Você vai andar muito
Você vai parar em cada lugar
A noite é maravilhosa
ela esconde tudo o que quero
Onde posso encontrar
o que você me roubou?

Mas, quando amanhacer
Eu não vou aguentar
Vou correndo
subir na velha árvore
e esticar a mão para o céu

Para onde o sol vai quando eu preciso dele?

Ele fica lá em cima parado
Porque ele não faz nada?
Acho que ninguém repara nele
Ele nem olha para mim

Acho que não vou querer mais
saber da sua existência
Cansei de implorar sua atenção
Vou esperar a noite chegar

E a vida vai me pregar
todas as peças que ela puder
eu vou acender um cigarro
não vou pensar no futuro

O que eu vou fazer agora?
parece que nada vai mudar
Se eu for embora
o sol não vai perceber

Porque isso me incomoda?
É uma tristeza infeliz
Estou com saudades dele
O que ele fez comigo?

Eu me equilibro em cada galho
tentando não cair
vou subindo bem devagar
o sol, eu quero pegar

E com um único gesto
que vou guardar para minha vida toda
ele apontou para as pessoas que amo
e foi quando eu soube que ele sempre esteve aqui

domingo, 4 de outubro de 2009

Aquela que nunca foi beijada

Nessa noite, ela ia perder sua inocência. Mas, ela ainda era uma menina. Andava pelas ruas, despreocupada e feliz. Ela tinha apenas dez anos. Segurava o seu ursinho meio sujo e maltratado, único presente do pai. Ela não sabia aonde ia e nem quem ia encontrar. Mesmo assim, andava com aquele sorriso no rosto. Aquela vontade de brincar com tudo que ela via. Garrafas quebradas, camisinhas usadas, maços de cigarro e uma embalagem de chocolate. Havia um homem a seguindo. Ele sentira o cheiro de uma maça nunca comida. O cheiro da virgindade o excitava. Então, ele corria com o desespero em seus olhos, querendo saciar essa vontade. Ele estava ficando louco. Queria satisfazer esse prazer logo. Ele não pensou na garotinha. Depois, não vai mais esquecê-la. E daquela escuridão da rua mal iluminada, ele tapou a boca da menina com uma das mãos e a arrastou para um canto de um beco.
Com a outra mão, rasgou o seu vestido azul com flores vermelhas. Baixou sua calcinha. Ela começou a chorar. Sua maça foi mordida. Ela começou a sangrar. Lutava e tentava se desvencilhar, mas era facilmente dominada. O homem estava arrancado tudo que era dela. Sem olhar para ela, ele a jogava na parede. Com um desespero, ela mordeu a mão dele. Ela começou a gritar. Com todas as suas forças. Alguém tem que me ouvir. Alguém tem que me salvar desse pesadelo. Enquanto o homem ficava satisfeito. Ela já não aguentava mais. E toda a vizinhança acordou. Alguns fingiram que não viram nada. Outros aproveitaram e tocaram uma punheta com essa cena. E o espetáculo tinha que continuar. Alguns riram. Outros gravaram e colocaram no youtube, para outros poderem ver. E a platéia era grande. E o show ficava excitante. Mas, ela era apenas uma menina. Esse foi o mundo que ela conheceu. O homem sumiu. Ela não conseguia parar de chorar. Colocava o vestido azul com flores vermelhas rasgado e manchado de sangue. Ela andava. Ela não sabia aonde ia e nem quem ia encontrar. Ela estava sozinha.
Agora, ela era uma mulher. Já estava crescida e sua fruta já madura. Ela estava nua na cama desarrumada. E a noite vinha mais uma vez. Veio mais uma vez trazer o que ela queria esquecer. Veio invadindo sem avisar, sem mesmo dizer uma palavra de paz. Havia uma fila de homens a sua porta. Ela chamou o próximo. O próximo entrou. Ainda estava de paletó e parecia que tinha vindo do trabalho. E foi tirando a roupa, pois o tempo é o bem mais precioso e ninguém pode perdê-lo, assim tão sem nada mais a fazer. Ela, como sempre, se mostrava na posição de defesa. De quatro na cama. E ficava olhando para o travesseiro. Ele já estava nu e com o cinto na mão, pediu para ela colocar no pescoço. E assim ela fez. Enquanto ele trepava nela por trás, apertava progressivamente o seu pescoço com o cinto. Ela não sentia nada além do aperto no pescoço. Cada vez mais a sufocar. Ele se divertia de estar fazendo algo que o agradava e não olhava para ela. Ele estava montando em seu cavalo nas terras distantes, em um vasto campo verde. Galopava sem parar. E parecia perseguir um ponto cego entre as linhas abstratas dos objetos. Até se convergirem em algo realmente assustador e sair do seu corpo em um gostoso movimento libertador. Ela estava inerte. Não se importava. Só queria que acabasse logo e que a noite fosse curta. Todas as suas esperanças eram de que o tempo passasse rápido e que tudo isso acabaria logo. O cinto saiu de seu pescoço. O homem agradeceu e saiu do quarto. Ela se levantou. E foi para o espelho ver o que sobrou. Era um mostro ordinário, mas doce. A marca roxa no pescoço era nítida. E a expressão do rosto era a de sempre. Ela pegou a lâmina de barbear comprada na semana passada. Mostrou o seu pulso para ela mesma. E queria se cortar toda. Acho que posso começar pelo pulso. Queria virar pedacinhos e se espalhar por ai. Ela tinha raiva. Não a raiva de destruir tudo, mas a raiva de não fazer nada. Deixou cair à lâmina no chão. E tinha que voltar. Chamou o próximo. O próximo entrou. Esse parecia mais desesperado. E foi tirando a roupa. Tinha um espírito agressivo. Era um touro. Ela ficou na posição de defesa. Ele bufava. E a arrastava para todos os lugares, mas ela não sentia nada. Ele começou a dar tapas em todas as partes do corpo dela. Ela não se importava. Ele queria chegar ao seu destino o mais rápido possível, então ele não parava. Essa locomotiva não parava e soltava fumaça. Cada vez mais rápido. Gritos ecoavam pelo quarto. Palavras eram ditas em tons muito altos. Ele olhava para o teto. Estava encontrando. Tudo estava chegando. Era a natureza do homem. Aquela que as pessoas discutem tentando achar um final. Aquela que usam como a causa de todas as nossas verdades. Aquela que explica o que somos. Aquela que dirá para aonde vamos. E na fúria desse ato. Ele, simplesmente, acabou. Ela ficou imóvel. Sem querer, ela adormeceu.
E sem saber porque. Ela sonhou. Havia um homem nesse sonho. Ele sabia o que ela queria. Então, foi se aproximando. Ela notou. E pela primeira vez ficou nervosa. E sem saber como, ela já estava em seus braços. Eles se beijavam. E tudo ficava como uma linda pintura que todos apreciam, mas borrada, riscada e confusa. Estava tudo mudado. E tinha uma sensação gostosa no fundo. Naquele momento, ela não queria que a noite acabasse. E sem nenhuma explicação, ela nadava nos olhos de quem nunca tinha visto nessa vida. Ela sentia que água estava fria. E que batia no seu corpo quente. Misturavam-se. Entrelaçavam-se. Trocavam tudo o que ainda tinham consigo. Ela sentiu o vento batendo no cabelo. Acordou. Estava sempre no mesmo lugar. Ela se levantou. E procurou. E achou. O ursinho, ainda sujo e maltratado, que o pai dera para ela. Abraçou-o bem forte. E com eles nos braços, ela foi até a pequena varando do apartamento e viu o mundo lá fora. Tudo e todos passando. E uma lágrima escorreu dos olhos para o rosto e ela foi caindo até chegar em uma poça de água na rua. Um carro vinha velozmente e jogou a água da poça para a calçada. Ela era apenas uma menina. Ela virou a cabeça e notou a porta. Chamou o próximo. O próximo entrou.