terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O relógio e o menino

Procurava o brilho de nenhuma estrela no céu de fachada
apenas observava o brilho estridente de uma rajada
nessa mesma hora batia o sino pequenino de Belém
na madrugada da rua escura não nascia ninguém

a astúcia abrupta de sua malandragem estufava no peito
a imensa estúpida coragem talvez lhe impusesse respeito

Correu como menino que era
através das dobras e trevas
raptou aquilo que não era seu
um relógio da herança de quem já morreu

Atravessou a noite, pasmo, de sua aventura impura
cortou as amarras, casco, de sua candura pura
desviou de obstáculos, nulo, de seu obscuro
trilho o caminho, rindo, do seu umbigo

despejou os quilos de pedra dos decretos de leis
mergulhou de um vez nas amargas águas desses reis

Correu como menino que era
através das dobras e trevas
carregando um objeto de valor
causando os rebuliços da dor

Voou pela beirada da calçada de uma ingrata sociedade
deixando escapar o prêmio da mísera eternidade
fugiu das garras de uma repressão atrasada
que se aproximava com a raiva arrastada

o equilíbrio se foi na hora que o relógio caiu
ninguém acreditou no que viu e no que ouviu

Sobreviveu como forte que era
através do choque com a rua deserta
foi carregado nos braços todo quebrado
levado as pressas para algum reparo

Lá disseram que tinha conserto
não tinha perdido o seu valor
todos acordaram para o seu alívio
desaparecendo o resto do pavor

sábado, 18 de dezembro de 2010

Dia de José

despertador tocou, tá na hora de acordar José
de levantar, lavar o rosto e ir para o batente
uma reza ao pé da cama para não perder a fé
um rosto castigado, já magoado e nada contente

Esperar no ponto e enfrentar onibus lotado
pensar nas contas que vão passar do vencimento
olhar pela janela e ver tudo passar tão rápido
não pense que ninguém conhece esse lamento

reclama do trabalho, quase cai no assoalho
diz que essa tristeza ainda vai matar
machucado de desgosto, cheio de cansaço
volta para a casa e chega no mesmo lugar

quando passa e começa um samba antigo
trazendo tudo aquilo que o tempo levou
vai derramar lágrimas num peito amigo
caindo a injúria da vida no dia que acabou

Vai José vai...
cantar até de manhã
e pedir mais um bis
Vai José vai...
amar até amanhã
e fazer alguém feliz

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Meio-dia

Meio-dia
O dia começa com a esperença futura da alegria
Meia-hora
A hora passa no ritmo dos soluços de quem chora

Tentativa irreal de segurar o tempo com as mãos
optativa de quem apenas quer uma oportunidade
na cadência revelada dos tantos e tantos nãos
desembarcam em cruzadas sangrentas de verdade

Meia-hora
A hora se esconde atrás da pequena aurora
Meio-minuto
O minuto cristalizado na crosta do mundo

O real se mostra a partir de ossos quebrados
sofrimento de quem ama a chama na varanda
na dessarumação imposta de partes de quadros
recheados da covardia de quem está na cama

Meio-minuto
O minuto instaura o preconceito de maluco
Meio-segundo
O segundo traz o intransponível muro

entoa a balada do décimo ciclo da morte
nossos corpos encaixam no ritmo do jamais
o impossível corte na face do norte
liberam pequenas coisas que não voltam mais

Meio-segundo
O segundo que tem medo do escuro?
Meio-dia
O dia começa no momento que ia

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Flores do meu jardim

Hortência

Na noite fria de um inverno
ela nasce no seu canto
com as pétalas para céu
enrolada no próprio véu

Mostra o azul de suas pétalas
na tristeza do seu solo
Mostra o rosa de suas entranhas
na timidez do seu colo

Presa dentro do caule
Essa mulher não se solta
Acaricia a vida
com as pontas da sobra

Vai segurando as gotas
Lágrimas que vem da chuva
e não se esgota
de procurar uma curva

Na estrada que a acompanha
nas horas desses dia
ela segue sem fazer manha
com tudo o que ela escondia

Não há olhares da janela
a solidão do seu bem
fica apenas para ela
e para mais ninguém


Margarida

Ela vem cheia de graça
com gosto de carnaval
Um jeito que abraça
e passa como um vendaval

Mostra suas pétalas para o mundo
e quer um toque profundo
de corpos que se chocam
acabam e se esfolam

Atenção em todas as direções
Tiros de canhões
Um sorriso liberto
de uma estrela decadente

E do seu solo, nasce forte
se entrega completamente
ao seu samba de raiz
Ela sempre pede bis

Na batucada de bamba
seu coração fica perdido
pedindo alguma chama
de um fogo não acendido

Uma explosão de passos
com as palavras que canta
emocionando os seus olhos
de uma alegria que encanta

E morreria feliz
escutando o seu último samba


Rosa

Ela vai vivendo cada instante
com a cor que aparecer
Com seu espírito delirante
ela quer apenas conhecer

Com os olhos pela vida
ela fica a esperar
para ser compreendida
por alguém que saiba cantar

E sempre esquecida
ela quer se mostrar
sempre com a mesma ferida
não aguenta mais chorar

Na sombra da mesma árvore
ela implora um pouco de sol
Para seus raios suaves
penetrarem no seu desabrochar

De pétalas que se abrem
De corações que se encontrem
De beijos que se unem
De sorrisos que se entendem

Já não quer as mesmas palavras
que vem de todos os lados
E fica toda boba
quando alguém quer seus encantos

Se o medo vai para cá
Ela vai para lá
Se o mundo vem com a dor
Ela vai com o seu amor


Jasmim

Para ela não tem versos rimados
Vai tirando o pouco de significado
das palavras faladas por essas pessoas
de bocas amarelas e arredondadas

Quando ela passa por aqui
Vai nascendo por ai

Essa flor não fica presa a terra

De seus olhos rasgados
De uma embriaguez maluca
Vai distribuindo sorrisos
manchados com sua loucura

Essa flor vem debaixo do vento

De sonhos imagináveis
De uma alegria imutável
Sentem a presença natural
de seu amor inquebrável

Essa flor vai embora com as outras

De sua crença nos sentidos dobrados
De sua esperança fatídica
Voam no céu dessa menina
que ainda toma banho de chuva

Se o mundo vem a encontrar
Ele vai sem querer mudar


Essas flores

Elas vêm e vão
Na mesma ou em outra direção
Dentro de um pouco de felicidade
Vão deixar uma imensa saudade