terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O relógio e o menino

Procurava o brilho de nenhuma estrela no céu de fachada
apenas observava o brilho estridente de uma rajada
nessa mesma hora batia o sino pequenino de Belém
na madrugada da rua escura não nascia ninguém

a astúcia abrupta de sua malandragem estufava no peito
a imensa estúpida coragem talvez lhe impusesse respeito

Correu como menino que era
através das dobras e trevas
raptou aquilo que não era seu
um relógio da herança de quem já morreu

Atravessou a noite, pasmo, de sua aventura impura
cortou as amarras, casco, de sua candura pura
desviou de obstáculos, nulo, de seu obscuro
trilho o caminho, rindo, do seu umbigo

despejou os quilos de pedra dos decretos de leis
mergulhou de um vez nas amargas águas desses reis

Correu como menino que era
através das dobras e trevas
carregando um objeto de valor
causando os rebuliços da dor

Voou pela beirada da calçada de uma ingrata sociedade
deixando escapar o prêmio da mísera eternidade
fugiu das garras de uma repressão atrasada
que se aproximava com a raiva arrastada

o equilíbrio se foi na hora que o relógio caiu
ninguém acreditou no que viu e no que ouviu

Sobreviveu como forte que era
através do choque com a rua deserta
foi carregado nos braços todo quebrado
levado as pressas para algum reparo

Lá disseram que tinha conserto
não tinha perdido o seu valor
todos acordaram para o seu alívio
desaparecendo o resto do pavor

sábado, 18 de dezembro de 2010

Dia de José

despertador tocou, tá na hora de acordar José
de levantar, lavar o rosto e ir para o batente
uma reza ao pé da cama para não perder a fé
um rosto castigado, já magoado e nada contente

Esperar no ponto e enfrentar onibus lotado
pensar nas contas que vão passar do vencimento
olhar pela janela e ver tudo passar tão rápido
não pense que ninguém conhece esse lamento

reclama do trabalho, quase cai no assoalho
diz que essa tristeza ainda vai matar
machucado de desgosto, cheio de cansaço
volta para a casa e chega no mesmo lugar

quando passa e começa um samba antigo
trazendo tudo aquilo que o tempo levou
vai derramar lágrimas num peito amigo
caindo a injúria da vida no dia que acabou

Vai José vai...
cantar até de manhã
e pedir mais um bis
Vai José vai...
amar até amanhã
e fazer alguém feliz

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Meio-dia

Meio-dia
O dia começa com a esperença futura da alegria
Meia-hora
A hora passa no ritmo dos soluços de quem chora

Tentativa irreal de segurar o tempo com as mãos
optativa de quem apenas quer uma oportunidade
na cadência revelada dos tantos e tantos nãos
desembarcam em cruzadas sangrentas de verdade

Meia-hora
A hora se esconde atrás da pequena aurora
Meio-minuto
O minuto cristalizado na crosta do mundo

O real se mostra a partir de ossos quebrados
sofrimento de quem ama a chama na varanda
na dessarumação imposta de partes de quadros
recheados da covardia de quem está na cama

Meio-minuto
O minuto instaura o preconceito de maluco
Meio-segundo
O segundo traz o intransponível muro

entoa a balada do décimo ciclo da morte
nossos corpos encaixam no ritmo do jamais
o impossível corte na face do norte
liberam pequenas coisas que não voltam mais

Meio-segundo
O segundo que tem medo do escuro?
Meio-dia
O dia começa no momento que ia

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Flores do meu jardim

Hortência

Na noite fria de um inverno
ela nasce no seu canto
com as pétalas para céu
enrolada no próprio véu

Mostra o azul de suas pétalas
na tristeza do seu solo
Mostra o rosa de suas entranhas
na timidez do seu colo

Presa dentro do caule
Essa mulher não se solta
Acaricia a vida
com as pontas da sobra

Vai segurando as gotas
Lágrimas que vem da chuva
e não se esgota
de procurar uma curva

Na estrada que a acompanha
nas horas desses dia
ela segue sem fazer manha
com tudo o que ela escondia

Não há olhares da janela
a solidão do seu bem
fica apenas para ela
e para mais ninguém


Margarida

Ela vem cheia de graça
com gosto de carnaval
Um jeito que abraça
e passa como um vendaval

Mostra suas pétalas para o mundo
e quer um toque profundo
de corpos que se chocam
acabam e se esfolam

Atenção em todas as direções
Tiros de canhões
Um sorriso liberto
de uma estrela decadente

E do seu solo, nasce forte
se entrega completamente
ao seu samba de raiz
Ela sempre pede bis

Na batucada de bamba
seu coração fica perdido
pedindo alguma chama
de um fogo não acendido

Uma explosão de passos
com as palavras que canta
emocionando os seus olhos
de uma alegria que encanta

E morreria feliz
escutando o seu último samba


Rosa

Ela vai vivendo cada instante
com a cor que aparecer
Com seu espírito delirante
ela quer apenas conhecer

Com os olhos pela vida
ela fica a esperar
para ser compreendida
por alguém que saiba cantar

E sempre esquecida
ela quer se mostrar
sempre com a mesma ferida
não aguenta mais chorar

Na sombra da mesma árvore
ela implora um pouco de sol
Para seus raios suaves
penetrarem no seu desabrochar

De pétalas que se abrem
De corações que se encontrem
De beijos que se unem
De sorrisos que se entendem

Já não quer as mesmas palavras
que vem de todos os lados
E fica toda boba
quando alguém quer seus encantos

Se o medo vai para cá
Ela vai para lá
Se o mundo vem com a dor
Ela vai com o seu amor


Jasmim

Para ela não tem versos rimados
Vai tirando o pouco de significado
das palavras faladas por essas pessoas
de bocas amarelas e arredondadas

Quando ela passa por aqui
Vai nascendo por ai

Essa flor não fica presa a terra

De seus olhos rasgados
De uma embriaguez maluca
Vai distribuindo sorrisos
manchados com sua loucura

Essa flor vem debaixo do vento

De sonhos imagináveis
De uma alegria imutável
Sentem a presença natural
de seu amor inquebrável

Essa flor vai embora com as outras

De sua crença nos sentidos dobrados
De sua esperança fatídica
Voam no céu dessa menina
que ainda toma banho de chuva

Se o mundo vem a encontrar
Ele vai sem querer mudar


Essas flores

Elas vêm e vão
Na mesma ou em outra direção
Dentro de um pouco de felicidade
Vão deixar uma imensa saudade

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O cheiro de flores que vem de lá

Ela vem com seu cheiro de flores
com todas as suas dores
uma mulher e seus amores

Ela vem com seus olhos castanhos
com seus jeitos estranhos
se destacando dos rostos risonhos

Ela quer o amor de um homem infeliz
chega bem perto do meu nariz
e quer ver todo mundo feliz

Ela quer os sonhos roubados do mundo
dentro de um boeiro imundo
de alguém muito vagabundo

Seu cheiro vai além do meu horizonte
chegando até muito longe
por trás da velha ponte

Atravessando todos os ventos que levou
gosta do sol que chegou
e de brincar com quem eu sou

Seu perfume conta as lutas das nossas lendas
os mistérios das nossas vidas
e a sensualidade das suas calçadas

Ela queria ser uma atriz do novo cinema
fazer assim parte de um poema
desvendendo o seu próprio dilema

Ela queria apenas me dar a solução
do meu adormecido vulcão
de um dia perdido de verão

Logo eu penso que tudo já acabou
quando seu cheiro passou
existindo no que começou

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um dia com uísque

O tempo de gestação de um uísque varia muito e depende do seu processo de conclusão. Tem uísque que nasce com 8 anos que são os mais jovens e outros só com mais de 20 anos que já se apresentam para o mundo mais maduros e admirados , e por isso, mais cobiçados. O meu copo se sente muito bem com um uísque de 12 anos, não por acaso, é o que eu acabo apreciando mais frequentemente. Para prolongar a companhia do uísque, o misturo com 2 pedras de gelo, e vou tomando em pequenas e demoradas bicadas sem emoção. Assim, passo o meu dia como uma mulher casada. Lavando e passando roupa, arrumando a casa e fazendo comida, com cabelo desarrumado, avental de flores, rosto machucado e corpo cansado. Olhos ainda brilhantes perdidos no tempo que passa massacrando meus últimos pedidos. Com o corpo pedindo repouso e o coração fraco, ela espera o afago do vento que entra quando a porta é aberta, mas que ainda encontra a casa deserta. E quando pensa que é feliz, a tristeza vem fazer o seu jogo, pedindo mais um trago de uísque. E agora, o gelo já derreteu, a dose desce pela garganta com a suavidade de uma mulher retraída em seu lar. Quando o copo se esvazia, enfim, o marido chega para o jantar. Ela se anima querendo que sua inocência seja violada, querendo ser traída pela ilusão de estar ao seu lado, porém quando percebe ele já está roncando virado de costas do outro lado da cama sem dizer uma palavra siquer. Uísque com duas pedras de gelo, por favor, ela diz para si mesma.
Dizem por ai que meninos sonham demais e penso que seja por isso que não tomam uísque. Mas depois que o dia passa, com os sonhos desgastados por tudo o que viveu, o menino, talvez nunca querendo, acaba virando homem para enfrentar o mundo. Cai nas fáceis graças do uísque em seu copo, e como ainda tem a energia da juventude explorando seu fogo excitado pelas belezas de um amor, o ritmo do encanto muda para uma rasgante entrada triunfal em sua garganta de um uísque puro. Lá vem a dona do cabaré, com seu rosto sofrido, mas com cuidado maquiado, seu caminhar enfeitado e sensual, sua boca com charme de princesa, e olhos que conquistam toda atenção que ela precisa ter. Ela se aproxima e diz pausadamente: para você, tudo amor, menos o cu, porque não está a venda. Apenas responde com um sorriso fingido que quer tudo o que ela oferecer. Todavia, o impacto calorento do uísque vai embora muito cedo, e só fica o fundo vazio do copo. Uísque com duas pedras de gelo, por favor, ele diz para si mesmo.

Flores sem cores

Sei que vão falar de mim
quando eu for pro botequim
me apoiar nas paredes de papel
e nunca mais ver o céu
A bola preta vai chegando na caçapa
enquanto eu peço a próxima cachaça
meu amigo ela desce indisgesta
pois adora fazer uma festa

Então, eu falo para a Nair
não deixa o meu coração cair

Não consigo mais explicar
por isso digo que não vou voltar
com olhos turvos fico tentado a ver
qualquer flor pelo meu belo prazer
com o andar torto ainda resisto
na ânsia de morrer ainda insisto
nessa incontrolável vontade de beber

Então, eu falo para a Cris
não deixa o meu coração por um triz

Vou me embora mudando de calçada
aqui não tem flor a ser admirada
e o destino será o próximo bar
já estou com vontade de cantar

Então, eu falo para a Sofia
não deixa o meu coração na covardia

Preso nos braços dessa eterna desilusão
vou dizendo que não perdôo mais a felicidade
apenas espero o meu corpo cair no chão
e de um sorriso acabado brindo com a saudade
dessas flores sem cores

Então, eu falo para a Paixão
não deixa o meu coração não

sábado, 6 de novembro de 2010

Samba de maluco

Nos tempos antigos, nos arredores do Eng. de Dentro, de quando nós, os loucos, éramos tratados de uma forma racional, sendo cobaias da ciência, e ignorados pelas pessoas de fora, e também, das de dentro, comecei a andar pelas ruas do hospital, distraído, quando ouvi gritos rasgantes ao longe. Percebi que um paciente estava sendo espancado por dois enfermeiros, seguro por uma camisa de força, e dizendo em uma voz alta que aquele mundo não era nosso. Atrás deles um médico apontava para o lugar onde ele deveria ser levado, para ser tratado a base de eletrochoque. Outro louco, como nós, apareceu assustado e com cuidado me perguntou ao pé do ouvido o que estavam fazendo com ele. Com o mesmo tom de voz baixo, respondi que para o mundo deles, ele ia ser curado.
Como na história nada fica parado, e tudo muda de um certo modo, Nise da Silveira implantou um novo modo de ver a loucura, dizendo que nós poderíamos fazer arte e também parte de algo maior. Agora, tentavam compreender os caminhos confusos de nossa loucura. Trabalhos feitos por nós foram expostos em todas as partes do mundo. E das marcas da morte de uma violência surgiu um amor pela vida perdido por tratamentos convencionais de tempos passados. Da poesia desse mundo maluco, apareceu um sorriso no rosto de cada um de nós, pois é nela que as diferenças se tornam iguais. Derrubando os muros e preconceitos sempre existentes, fazemos todo o ano o nosso carnaval, mostrando o nosso avesso pelo avesso, e encontrando uma felicidade em cantar para, finalmente, nós mostrarmos o nosso mundo. É dessa paixão reprimida que está a força para o começo de um novo samba...

Sentado na areia

na praia sentado na areia
nada sinto pelo ar
e o sangue escorre saindo da veia
e fica salgado de mar

Mar volte para mim
sozinho não dá mais não
Mar não vá sem mim
me leva embora sem razão

Mar volte para mim
se entregue ao meu amor
Mar não vá sem mim
não me deixe aqui, por favor

Mar volte para mim
já não tenho mais vaidade
Mar não vá sem mim
só ficou a chorosa saudade

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A rua das casas vazias

Ainda escondido atrás da cortina da sala
vou guardando cada peça de roupa na mala
Ainda me pego espiando pela janela
só para ver se alguém passa por ela

A inocência do sonhador fica atrás da porta
colhendo o gosto amargo da plantada rosa
sonhos solitários espreitam querendo despertar
para provar o doce de uma vida mais saborosa

E no jardim...
quando os pequenos pedaços de flores com perfume de loucura
chamam com o despero profundo alguém que venha com alguma ternura
Ninguém mais estará aqui

E no fim...
quando eu passar pelo portão
será que vou deixar meu coração?

Sei que tudo isso é coisa sua
de querer apenas sorrir
passo pelas casas vazias dessa rua
para me despedir e partir

sábado, 14 de agosto de 2010

O homem com seu violão

Ele veio do céu
mas não era santo
era um homem com seu violão
tocando...
e uma árvore velha e crescida
jazia diante de sua vida
sem folhas, com marcas de mágoas
O vento trazia a mémoria em fragmentos
e a tristeza aparecia com seus lamentos
escorrendo com as lágrimas de aflição
do homem com seu o violão na mão

Ele veio do mundo
mas não era culto
Não ficava remoendo sua existência
dentro de sua alma solitária
Preferia sentar no bar
vendo as mulheres a navegar
com seus olhos de dragão
elas queriam apenas a atenção
do amor que ele queria dar

Ele veio da terra
mas não queria guerra
das mesmas balas de canhão
do sangue espalhado pelo chão
ela só queria seu violão na mão
para cantar
a esperança de um fraco coração
querendo apenas a salvação
apenas viver a sua canção

Ele veio do mar
mas não era peixe
Estava todo maltrado
e um pouco surrado
apertava as cordas do violão
para segurar sua emoção
e cantava quando os ondas vinham
sentia a dor quando elas partiam

Ele veio do circo
mas não ere palhaço
com um sorriso de alegria
contagiava os meninos
que brincavam em pleno dia
e som do violão era bem alto
acompanhava a partida de futebol
e quando a bola rolava para o mato
dava para ver o amarelo brotar do sol

Ele veio do nada
e não se achava
não tinha nenhuma certeza
apenas bebia sua cerveja
desfrutava de sua bela herença
deixada pelo trago de sua fumaça
e ao som de sua última canção
acariciava com carinho o seu violão

acariciava com carinho o seu violão...

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O inverno de nosso tempo

No inverno do nosso tempo
de pensamentos que vem
o coração esfria ao lento
esperando por ninguém

E tudo vai embora
com o vento de outrora
E você sabe meu bem
o que é ter alguém?

Olhando para o céu sem fim
folhas mortas passam por mim
vou descendo essa imensa rua
querendo te ver toda nua
de todo esse temor

E os raios solares desse dia
aquecem com cuidado meu coração
que adora contruir uma fantasia
com um beijo de um furacão
livre desse rancor

E nessa noite que vem congelante
meu corpo treme constantemente
E as pétalas dessas flores caem do céu
apenas para me ver chorar

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Não fique triste Maria

No amargo do dia
não sei o que fazer
Não me olha assim Maria
não sei o que dizer

Aos teus pés Maria
Será que vê minha agonia?
Que escorre com as mágoas
de um grande mar de águas
que seguem na mesma direção
das batidas do seu coração
dessa incomoda dor...


Não fique triste Maria
só tenho essa poesia
para te pedir perdão
pela tristeza do chão
do chão frio das sementes
desacreditadas em nascer
na terra do amor...

Não fique assim Maria
vai viver o lindo dia
não perca sua alegria
não era isso que queria



E seu lhe dar uma flor Maria
Você vai me dar o seu sorriso?

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Minhas mentiras

As águas de suas entranhas
vão passar por essas calçadas
tocando meus olhos intactos
que ao piscar, fecharão
que ao pisar, morrerão
em um dia de verão

Por espelhos controversos
vamos ver os reflexos
das minhas mentiras
das minhas palavras concretas
feita de pedras, de relvas
contruídas pelo entardecer

Seremos dois vagarosos andantes
sem nenhum chão
seremos dois pontos distantes
de uma mesma mão

E o rio de nossas vidas
vai sumindo por essas ruas
escorrendo as últimas gotas
que ao brilhar, calarão
que ao secar, sumirão
no mesmo dia de verão

Da falta de sonhos pegáveis
com um laço caloroso da paixão
Vamos apenas acreditar
nas minhas mentiras
nas minhas palavras passadas
feitas com cheiro de pavor
de um trágico amanhacer

domingo, 20 de junho de 2010

Canto de Iemenjá

Seus olhos castanhos morenos de mar
ooohhh iá iá
Seu corpo perseguindo a correnteza do ar
ooohhh iá iá
Sentindo a inteira beleza do luar
ooohhh iá iá
Vivendo e balançando com as ondas do mar
ooohhh iá iá

terça-feira, 1 de junho de 2010

Mais uma noite...

Com lábios secos e petrificados
meu corpo a sentir um calor
a imaginação de um menino
a destruição de um carinho
caminhos ao contrário
cruzamentos inacabados

Com lebranças prazerosas
memórias penosas
sentidos deslumbrados
sonhos conquistados
pequenas felicidades
descobertas e encobertas
desconexas e controversas

Com um toque de sensibilidade
dessa pouca instabilidade
de um ser como um todo
da entrega das partes
de um amor despedaçado
afundando em um mar
solitário e ordinário

Com as noites cotidianas
o álcool no meu sangue
a fumaça nos meus pulmões
a mente na loucura
o mundo esfaqueando minhas costas
o coração em suas mãos
e os meus olhos a te encontrar

domingo, 30 de maio de 2010

A última gota do amor

às vezes, dá vontade de cantar um samba
e escrever um lindo poema
às vezes, dá vontade de ser uma pedra
e mandar todo mundo ir a merda

De garrafas vazias quebradas pela metade
faz tudo parte da minha extrema realidade

E já não encontro mais felicidade
de tanto esperar, sinto sua falta
com uma profunda saudade
de quando eu era dela

Dentro de uma solidão inqueita
vou enganando a minha tristeza
querendo saber todas as formas
de sorrir enquanto o meu mundo
desaba com sabor de uma dor

Fica tudo na agústia retida
nessas passos para o infinito
que toca todas as direções
e inaugura precisas razões

mas no bater de asas de um beija-flor
as superfícies mudam de cor
de um único sentimento
que a todo momento
trasnsforma sutilmente
todo esse rancor

E essas eternas loucuras
navegam pela vida
com pequenas doçuras
que estavam perdidas
sem nenhuma candura
com muitas feridas

E de tantas paixões
das mesmas canções
o fim, a despedida
o começo, um abraço
e o que mais?

E podem enterrar meu corpo
na terra molhada da fria chuva
se os meus sonhos não nadarem
nas profundezas das águas do mar
desse coração que olha nos olhos
e segura a última gota do amor

domingo, 16 de maio de 2010

Olhando o mar

Olhando o mar
meu coração manifesta
milhares de poesias
com diferentes palavras
que vão me deixando
cada vez mais louco
Olhando o mar
fico me perguntando
como o mar pode amar?
Olhando o mar
ele me entrega bem devagar
o seu coração na minha mão
e sinto ele batendo agitado
o que me faz acreditar
que o meu também pode bater assim

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Vem assim

vem assim
até mim
abraçar minha tristeza
com sua destreza
de garota travessa

aqui fumando
fico bebendo
sempre esperando
você logo vir
para me possuir

Vem assim
para cuidar de mim
conter o meu choro
que vem desse dia
vem que estou louco
pela sua alegria

a vida está cansando
dos nossos desencontros
e fica se animando
com os nossos reencontros
e a sufocada paixão
presa no meu coração
não quer dizer adeus
quer dizer

Vem assim
até mim
beijar minha saudade
com sua felicidade
de menina tempestade

aqui no canto
fico pensando
sempre esperando
você logo passar
para me enfenizar

com seu encanto
e o nosso canto
cantarei
e a sufocada paixão
presa no meu coração
não quer dizer adeus
quer dizer...

sábado, 1 de maio de 2010

Dois românticos

E se um romântico infeliz bater na minha porta
para pedir um pouco de amor em troca
Direi a ele que o homem com as flores já passou?
Direi a ele que a roda de samba já acabou?

Ele vai ficar plantado em frente a minha casa
gritando para eu ouvir que não é assim que termina
e vai ficar apontando para o horizonte da manhã
e dizer que ainda existe um outro amanhã

E fico sentado com o mesmo uniforme de guerra
eu bebo alguma cosia para ficar preso na terra
pois o tempo não sonha para quem fica na retaguarda
como soldados nas trincheiras de uma causa perdida

mas ele vai me desafiar
e vai ficar a noite inteira
não vai me deixar dormir
mas os pesadelos não vão sumir

E vou mandá-lo embora
Vá para sua casa
que um dia você vai acabar assim
mesmo que encontre algum jardim

Meu rapaz, as paisagens estarão desbotadas, sem cores
não adianta fingir que são flores
você não vai acabar com essas dores
neste mundo e nenhum outro há amores

Me escute, pois já vivi de tudo
Tudo muda e muda tudo
E de mim, você não vai conseguir
encontrar nada para prosseguir

E não me venha bater na minha porta
de infeliz já basta eu
E não venha com nenhuma nota
de esperança para aquele que se esqueceu

Desculpa meu senhor, mas bater na sua porta
e que eu vou fazer agora
nenhum discurso com palavras cortantes
entrará na minha veia como algo viciante

E se comprou as plavras mais certas
para essa vida tão singela
eu quero que você saia desse chão
para ver se você tem razão

Seus inimigos já se foram em vão
Quem enfrentar agora?
Só sobrou esses cacos dessa solidão
que você esconde debaixo de casa

E de tudo que muda
não mudas o medo
que tens das mudas
do seu mesmo arvoredo

E se não nasce uma flor
e porque não pediu perdão
e ainda sente essa dor
que se instalou no seu coração

A minha tristeza é perceber
que você nem nota
quando eu bati na porta
era para dizer

que o nosso encontro ia acontecer

e quando você quiser
os carinhos de uma mulher
vai ter que sair de casa
para poder me conhecer

vai abrir meia porta
para poder me ver
sei que não vai negar
o que tenho para lhe oferecer

Do nosso encontro
você vai me abraçar
e o nosso sentimento
vai nos mostrar

que por tudo que a gente morreu
não vai nos impedir de viver
e do nosso encontro que aconteceu
vamos expor o que nos fez sofrer

E seremos dois românticos
batendo de porta em porta

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Com seus olhos de mulher

Oh! Meu senhor!
não sei de onde vem essa flor
com seus olhos de mulher

ela vem para ver
a festa da primavera
que eu me pus a fazer
apenas para ela

ela fica toda prosa
com o samba que toca
e dança com os cabelos ao vento
ela não vai ficar no meu esquecimento

ela vai sentido
todo o sentido do amor
nesse corpo ferido
dessa mesma flor

Oh! Meu senhor!
não sei de onde vem essa flor
com os seus olhos de mulher

ela canta a vida
como alguém vivida
e sorri para o dia
com aquela alegria

e lá vem ela
com sua graça
parece que passa
por uma passarela

e mesmo com seus caprichos
ainda tenta alguns rabiscos
nesse palco armado
do nosso paraíso

Oh! Meu senhor!
não sei de onde vem essa flor
com seus olhos de mulher

Queria que você escrevesse uma poesia

como eu queria
que você escrevesse uma poesia
com o seu coração aberto
para o meu carinho repentino

e que pudesse falar
do que você ainda nega
agora pode deabafar
o que a gente não entrega

não precisa ficar aflita
pois as palavras vem vindo
de um lugar não muito longe
do que nós temos vivido

Como eu queria
que você escrevesse uma poesia
com cheiro de rosas
e palavras bonitas

com o encanto de quem ama
na vida de quem fica
e se seu choro borrar o papel
é so olhar para o céu

como eu queria...
a sua poesia

domingo, 11 de abril de 2010

O homem alegre

Ele sempre chegava
com aquela alegria
E como ríamos
do que acontecia

E mesmo cabisbaixo
desses longos dias
quando ele aparecia
eu já ria

E todo mundo falou da tristeza
quando o homem alegre se foi

Ficava me chamando de bicha
pois eu gosto de amar
mas eu sabia
sempre soube
que ele também amaria
essas pessoas queridas

Eu quera que ele tivesse visto
eu vestido de mulher
para não aguentar
de tanto gargalhar

E todo mundo falou da tristeza
quando o homem alegre se foi

Nós vamos continuar rindo
Como sempre fizemos
Sempre fizemos

domingo, 4 de abril de 2010

Eu preciso ir embora

É díficil aguentar um coração
quando ele está cheio de mágoas
do que poderia ter sido
do que poderia ter dito
Eu vou ficar no meu canto
aqui, sozinho e quieto
sem forças para dizer
e para fazer
mais nada nessa vida

Eu preciso ir embora
talvez eu consiga alguma paz
dessa triteza que não passa

É díficil segurar um coração
quando ele não dá mais trégua
sem parar de beber
dessa água amarga e fria
E dessas palavras sem significado
desses olhos sem brilho
desses gestos mascarados
desses sentimentos massacrados
qualquer carinho
pode ser o último

Eu preciso ir embora
talvez eu consiga alguma paz
dessa triteza que não passa

sábado, 6 de março de 2010

Deixe-me ir

Deixe-me ir
Preciso ir
Deixe-me ir
Será que vai ficar?

Deixe-me ir
sem estar enrolado
Deixe-me ir
sem estar segurado

Deixe-me ir
caminhar pelas nuvens
Deixe-me ir
no balanços desses olhares

Deixe-me ir
fazer meus milagres
Deixe-me ir
encher esses corações com alegria

Deixe-me ir
distribuir sorrisos
Deixe-me ir
sorrir de tudo

Deixe-me ir
chorar com os braços abertos
Deixe-me ir
abrir o peito e cantar

Deixe-me ir
me entregar aos seus encantos
Deixe-me ir
mergulhar no seu mar

Deixe-me ir
viver minha fantasia
Deixe-me ir
fantasiar com a vida

Deixe-me ir
ainda te amando
Deixe-me ir
continuar a te amar

Deixe-me ir

Deixe-se ir...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A loucura reprimida

Então doutor, o que eu tenho?
Será que pode ser descrito?
Está em algum dos seus livros?
Você tem algum perfil para minha pessoa?
Talvez alguma filosofia para a minha vida?
Ou alguma patologia para a minha mente?
Com seu rosto sério e óculos estáticos,
será que vai achar alguma saída?

Não tenha medo de se perder
nos meus olhos arregalados
Você é o único que pode dizer
Você é quem manda aqui
Eu sou o resto da sociedade
que grita a sua própria loucura
Para que gritar tão alto?
Se logo, não poderei mais falar

Então, doutor?
Já sentiu essa dor?
Eu sei que você tem
algum remédio escondido
Pode me dar algum?

Elas chegaram na minha vida
Quem disse que eu tive alguma escolha?
Cuidaram da minha flor
Com um sol que não existia
Com as lágrimas de saudade
Minha flor não morreu
Já viu como ela está bem viva?

Sabe, doutor. Acho que as amo.
Tem algum diagnóstico para isso?

Eu não acredtio que essas
sejam suas únicas palavras
Palavras que vão murchando
Elas vão se deteriorando

Você não quer sair daqui?
Está preso em suas fortes convicções
Está enterrado nesse hospício
Sua vida se foi para tão longe?
Você não quer sair daqui?

Não precisa dizer mais nada
Dos choques na cabeça
Na mordaça na boca
Na cura dos doentes
No isoloamento dos loucos
Todos vão ficando mais sãos

Me diga, doutor, o que estamos fazendo aqui
enquanto o dia está lindo lá fora?

O que foi doutor?
Ela se suicidou, não foi?
Será que ela era louca?
O que?
Está chorando?
Pensei que psiquiatras não choravam
Pensei que isso fosse exclusivo dos loucos


Obs: Inspirado pelo filme Garota Interrompida

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Brincando de esconder na árvore das folhas medrosas

Em um dia qualquer
alguém plantou uma árvore
com folhas medrosas
Ela está crescendo
nesses dia ensolarados e chuvosos
E nessa árovre que adotamos
Estamos brincado de esconder

Dizem por ai que é asim mesmo
brincam de fugir desses encantos
Eu queria usar minhas garrafas vazias
onde crianças usam para manter seus insetos
E guardá-las em uma ármario misterioso
Não era a minha vez de esconder?

Da minha boca
transborda o álcool
O que esperar de mim?
A fumaça de um cigarro
É assim que tudo termina

Do seus olhos
voam borboletas coloridas
que já foram lagartas
Não sabem para onde voar
Pousam na árvore de folhas medrosas
Esperando alguma ação
desse vento que não sopra
Ninguém sabe a direção
É a sua vez de se esconder

De um lado da árvore
você quer um beijo desesperado

Do outro lado da mesma árovre
Até quando eu tenho que contar?

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Quando um samba vira chorinho

Estou esperando alguém passar
por essa porta abandonada
com um violão tocando um samba
sem esperança
cantado com palavras de consolo
em um caminho dessas pedras pontiagudas
eu acabei sozinho, eu sei

Esse samba já virou chrorinho
com direito a essas lágrimas
que saiem desses olhos de aflição
Com essa dor já muito velha
de uma atenção negada
acompanhada de palavras mais rasgadas
nesse peito que se fechou, se fechou

Tropeçando na vida
caio nos braços da lua
e junto ao meu ouvido, ela diz
que eu posso ser feliz

sábado, 6 de fevereiro de 2010

O primeiro amor de um menino em um retrato preto e branco

Uma imagem borrada em movimento
pessoas entristecidas pelo tempo
não percebem, não olham, não notam
o menino observando
todos passando

Fragmentos em preto e branco
Partes desconexas de um mesmo ato
desencontros entrelaçados
que surgem da esquina ao lado

Dentro dos porões dessa mesma ditadura
Dentro dos padrões dessa mesma revista
Dentro de um olhar perdido, esquecido
Dentro de um menino

Essas lágrimas escorrem pelas beradas
de um retrato envelhecido
Cores desbotadas e sem brilho
do choro de um menino

Passas largos e rápidos
o silêncio do choro
o menino observando
todos passando

Dentro de um bomba atômica
Dentro de um grito
Dentro da última gota de dor
Dentro de um menino

Parado e ouvindo
o silêncio do choro
o menino observando
todos passando

O retrato está se desfazendo
com um toque do vento
pode desaparecer
pode esquecer

Uma força em volta dos corpos
repelindo, afastando, protegendo
tudo o que restou do vento
desse menino observando
todos passando

E com o sopro do vento
aparece uma menina
ao lado do menino
ficam obervando
todos passando

E com a força desse vento
eles fecham os olhos
seguram a mão um do outro
com a mesma intesidade

Passos largos e rápidos
o silêncio compartilhado
com os olhos fechados
todos passando

E o vento arrasta
o retrato caído
no chão do lamento
Era o primeiro amor de um menino

Mãos dadas
toques desmachados
batidas crescentes
sangue passando
veias pulsando

E o vento passa
olhos abertos
ficam observando
todos passando

Um encontro sem palavras
Um toque sem desculpas
Um gesto com suas asas
Era o primeiro amor de um menino

Uma imagem borrada em movimento
pessoas entristecidas pelo tempo
não percebem, não olham, não notam
O retrato em preto e branco
fica observando
todos passando

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ela queria apenas amar

Ela queria se banhar
e pedir um amor para o mar
as ondas caiam e tocavam
seus pés encolhidos
Ela esperava o mar
com uma rosa segura
em mãos feridas
olhava o horizonte
em olhos encardidos
e mal dormidos

Ela sempre pensava

Será que ela era
a tela de um quadro
de um pintor famoso
onde todos passavam
olhavam e admiravam
mas a sensação que ficava
era a de um objeto inanimado
sendo analisado e condicionado?

Será que ela era
uma personagem de um livro
de um escritor famoso
onde todos liam e reliam
aclamavam e sustentavam
mas a sensação que ficava
era que suas palavras
estavam petrificadas
eram esquecidas e guardadas
na gaveta ou em qualquer lugar?

Será que ela era
um délirio radiante
de um poeta de rua
que comia uma prostituta
na esquina de uma rua imunda
tentando deixar sua angústia
para alguém que mereça?

Ela ficava triste
muito solitária
depois de brigas
descasos e surras
confrontos, desencontros,
raivas e magoas

Suas lágrimas formavam palavras de lamento
nessa areia fofa que se transmformava
E o ritmo das ondas do mar lentamente
apagava as letras formadas
de um pranto que era levado embora

Ela queria apenas amar
e esperava qua a brisa do mar
chegasse com uma bela paixão
Ela queria apenas se entregar
uma rosa com beijo molhado
uma mulher com o olhar fisgado
que se perde no mar do seu coração

seja lá onde isso ia dar
seja como isso ia continuar
seja como sempre foi
seja como sempre será

Ela olhava para o mar
com esperança de encontrar
uma razão para ficar
Ela não queria voltar

Ela balançava com o mar
gostava dos carinhos
que o mar vinha lhe dar
Ficava excitada só de tocar
nas águas quentes e mornas
das ondas que não cansavam
de voltar e ver que ela
não cansava de olhar

Ela era aquela mulher
escondida no peito
de corações que se encontravam
para se perdoar

Ela era aquela mulher
escondida nos olhos
desses amantes descobertos
nas palavras de um poema

Ela era aquela mulher
com uma flor no cabelo
um sorriso no rosto
e com todo o seu amor no ar

Ela queria apenas amar
e ser amada pelo mar
Ela queria apenas amar
pois o mar a fazia sonhar

sábado, 2 de janeiro de 2010

Ao pai dos abandonados

Em algum ano novo...


Não esperava nada daquela noite. Era mais uma noite solitária. O apartamento estava vazio, e só o vento fazia algum barulho quando passava por todos cômodos, pois o apartamento era projetado para aproveitar a brisa que vinha do mar. O apartamento ainda estava com seus enfeites de natal. A árvore montada com o pisca-pisca toda sobre ela, e bolas pintadas a mão na ponta de cada galho de plástico. Vários papais noeis, cada um de uma maneira diferente, estavam espalhados pelas mesas da casa, principalmente a da sala. O mais engraçado tinha uma cachaça na mão e estava sentado no alambique. Mais pisca-piscas na varanda. E um papai noel subindo uma escada completava a decoração natalina. Com certeza, não era ele que tinha arrumado tudo. Foi a mulher que ele amava, mas ele nunca disse, e ela nunca soube. Sempre se preocupou consigo. E até comprou um apartamento no Recreio, com o luxo que queria. Comprou um carro importado, pois todos no prédio tinham um. Ele não queria ficar para trás. Queria chegar junto deles. Eu estou aqui. Estão me vendo? E isso foi sempre o que quis. Agora, o apartamento estava vazio. E se ninguém ligava para ele. Ele não ligaria para ninguém. Sempre tivera um genio difícil. A cada ano ia ficando pior. Mais e mais brigas. E todos colocavam a culpa nas costas uns dos outros. E ele mandavam todos para o inferno. E ficava sozinho.
Já tinha tomada algumas latinhas de cerveja. A geladeira estava cheia. Se ele tinha um vício, era a cerveja. Precisava tomar todo dia. Sempre que ia fazer as compras do mês, comprava pelo menos uma caixa. Nesses dias solitários, ou festivos, ele comprava muito mais. Enchia a geladeira, e mal tinha espaço para a comida, que era carinhosamente feita pela a mulher que ele amava. Ela ficava o dia inteiro lá. Ela falava o que ele tinha que comprar, e ele comprava. Ela preparava tudo, sem reclamar, fazia com gosto. Depois, ela ia embora. Mas, ficava preocupada com ele. Ligava para saber se está tudo bem. Ele de mal humor, e sempre zangado, não respondia, ou era grosso no seu modo de falar. Acabava magoando-a. Ela ficava aflita. E sobrava para mim... Sempre disse que isso ia acontecer com ele. Ele era uma fortaleza. Daquelas que quando você diz oi, ou apenas olha mais fixamente, ele já puxa as suas armas e aponta para você, só para intimdar. Falava poucas palavras e não mostra nenhum afeto. Sei que o pai dele era assim também. Batia muito nele quando chegava bêbado. Só falava mais, quando era para falar do meu futuro. E como falava. Eu sempre o contrariava. Ele acabava ficando puto. Bebia e dormia. Eram as únicas coisas que fazia para se sentir melhor. Brigávamos muito. E já tivemos discussões sérias. Ele sempre tentou impor sua opinião, nunca conseguiu. Tentava impor sua vontade. Só por causa da mulher amada, eu deixava passar. E assim nós não víviamos.
Estava ficando de noite. Tinha dormido. Acordara com sono. A primeira coisa a fazer foi pegar uma latinha de cerveja da geladeira. Deu o primeiro gole e se sentiu melhor. Ia ser uma longa noite pela frente. Com sorte, dormiria antes da meia-noite. Ligara a televisão. E ficava assistindo aqueles programas chatos. Não tinha muito interesse, mas não tinha escolha. Não havia nada para fazer. Não procuraria outra coisa diferente. Tomava sua cerveja em um ritmo mais intenso, pois não gostava de cerveja quente. E na latinha, a cerveja esquenta bem rápido. Alguns fogos explodiam por ai. E escutava as explosões, seguidos de gritos de feliz ano novo. Mas foi outro barulho que o surpreendeu. Não acreditou no começo. Depois de alguns minutos a campainha tocou de novo. Foi anteder imaginando quem fosse. Não conseguiu visualizar. Abriu a porta um pouco e espiou. Era um menino.
- Oi, como você está? - perguntou o menino que coçava o olho.
Sem entender nada, respondeu.
- Estou bem, o que você quer?
O menino percebeu o tom rude, mas continuou sereno.
- Soube que você vai passar o ano novo sozinho.
- Sim, vou. - De novo com um tom bem rude.
- Eu não quero que você passe sozinho. - Ele ficou pasmo. Sentiu uma ponta de alívio, alguém se importava, mas se manteve firme. Pensou por um instante. Achou que não teria problema. Não faria nada de especial mesmo.
- Tudo bem.
Deixou o menino entrar. Depois que bateu a porta. Ele foi para a cozinha. Jogou no lixo a latinha vazia, foi a té a geladeira e pegou outra cheia. O menino ficou com os olhos atentos a todos os passos dele. Ele voltou para a sala. E viu o menino com os olhos nele. Eles ficaram um tempo assim. Ele sacou suas armas e quis instimidá-lo, mas nada o fazia desviar os olhos. Fez uma cara de lobo mal. E o menino não teve medo. Até que ele se zangou e perguntou furioso.
- O que está olhando?
O menino, de novo, sentiu o tom rude. Era cheio de certeza e protegido pela sua grossura.
- Eu não vou desisitr de você. - restrucou com uma voz suave e um pequeno sorriso.
Essa resposta o pegou desprevenido. Apenas saiu de fininho. E tomou mais um gole de cerveja. Foi para o sofá. E ficou lá. O menino andou pelo apartamento inteiro. Ia de um canto a outro. Passou um tempo. Foi parar no sofá. O menino percebeu as fotos em cima da mesa. Começou a fazer perguntas sobre elas. Ele não respondeu. O menino insistiu e mostrou a foto para ele. Ele pegou e lembrou. Foi aquela vez. Eu e sua mãe fomos para a Ilha Grande. Essa foto é em umas das praias. Não lembro o nome. Mas é uma bem escondida. Ficamos andando no mato por uma hora até chegar lá. A praia era linda. Faz muito tempo. E o menino foi pegando uma foto atrás da outra. Muito curioso. Essa, foi no nosso casamento. No altar. Ficamos tão bêbados nesse dia, que quase cai com ela em meus braços. Ele começava a ter vontade rir. O menino não se conteve e riu. E foi explicando cada foto. Lembrava de todas como se estivesse acontecendo agora, na sua frente. Mostrou outra. Isso foi no carnaval. Ah! O carnaval. Foi a primeira escola que desfilei. E lembrava dos blocos que participou. Dos acontecimentos hilários. Dos beijos perdidos. Das músicas cantadas. E da mulher que sempre amou. Estava na foto, junto com ele. Quanta saudade. O tempo passou rápido. Já era meia-noite. Os fogos explodiam. O barulho era imenso. Os gritos eram altos. Eles perceberam. Entre olhares, se abraçaram.
- Feliz Ano Novo, pai.
- Feliz Ano Novo, filho.
E amava o menino que não deixou ele ficar sozinho nessa noite solitária.