sábado, 2 de janeiro de 2010

Ao pai dos abandonados

Em algum ano novo...


Não esperava nada daquela noite. Era mais uma noite solitária. O apartamento estava vazio, e só o vento fazia algum barulho quando passava por todos cômodos, pois o apartamento era projetado para aproveitar a brisa que vinha do mar. O apartamento ainda estava com seus enfeites de natal. A árvore montada com o pisca-pisca toda sobre ela, e bolas pintadas a mão na ponta de cada galho de plástico. Vários papais noeis, cada um de uma maneira diferente, estavam espalhados pelas mesas da casa, principalmente a da sala. O mais engraçado tinha uma cachaça na mão e estava sentado no alambique. Mais pisca-piscas na varanda. E um papai noel subindo uma escada completava a decoração natalina. Com certeza, não era ele que tinha arrumado tudo. Foi a mulher que ele amava, mas ele nunca disse, e ela nunca soube. Sempre se preocupou consigo. E até comprou um apartamento no Recreio, com o luxo que queria. Comprou um carro importado, pois todos no prédio tinham um. Ele não queria ficar para trás. Queria chegar junto deles. Eu estou aqui. Estão me vendo? E isso foi sempre o que quis. Agora, o apartamento estava vazio. E se ninguém ligava para ele. Ele não ligaria para ninguém. Sempre tivera um genio difícil. A cada ano ia ficando pior. Mais e mais brigas. E todos colocavam a culpa nas costas uns dos outros. E ele mandavam todos para o inferno. E ficava sozinho.
Já tinha tomada algumas latinhas de cerveja. A geladeira estava cheia. Se ele tinha um vício, era a cerveja. Precisava tomar todo dia. Sempre que ia fazer as compras do mês, comprava pelo menos uma caixa. Nesses dias solitários, ou festivos, ele comprava muito mais. Enchia a geladeira, e mal tinha espaço para a comida, que era carinhosamente feita pela a mulher que ele amava. Ela ficava o dia inteiro lá. Ela falava o que ele tinha que comprar, e ele comprava. Ela preparava tudo, sem reclamar, fazia com gosto. Depois, ela ia embora. Mas, ficava preocupada com ele. Ligava para saber se está tudo bem. Ele de mal humor, e sempre zangado, não respondia, ou era grosso no seu modo de falar. Acabava magoando-a. Ela ficava aflita. E sobrava para mim... Sempre disse que isso ia acontecer com ele. Ele era uma fortaleza. Daquelas que quando você diz oi, ou apenas olha mais fixamente, ele já puxa as suas armas e aponta para você, só para intimdar. Falava poucas palavras e não mostra nenhum afeto. Sei que o pai dele era assim também. Batia muito nele quando chegava bêbado. Só falava mais, quando era para falar do meu futuro. E como falava. Eu sempre o contrariava. Ele acabava ficando puto. Bebia e dormia. Eram as únicas coisas que fazia para se sentir melhor. Brigávamos muito. E já tivemos discussões sérias. Ele sempre tentou impor sua opinião, nunca conseguiu. Tentava impor sua vontade. Só por causa da mulher amada, eu deixava passar. E assim nós não víviamos.
Estava ficando de noite. Tinha dormido. Acordara com sono. A primeira coisa a fazer foi pegar uma latinha de cerveja da geladeira. Deu o primeiro gole e se sentiu melhor. Ia ser uma longa noite pela frente. Com sorte, dormiria antes da meia-noite. Ligara a televisão. E ficava assistindo aqueles programas chatos. Não tinha muito interesse, mas não tinha escolha. Não havia nada para fazer. Não procuraria outra coisa diferente. Tomava sua cerveja em um ritmo mais intenso, pois não gostava de cerveja quente. E na latinha, a cerveja esquenta bem rápido. Alguns fogos explodiam por ai. E escutava as explosões, seguidos de gritos de feliz ano novo. Mas foi outro barulho que o surpreendeu. Não acreditou no começo. Depois de alguns minutos a campainha tocou de novo. Foi anteder imaginando quem fosse. Não conseguiu visualizar. Abriu a porta um pouco e espiou. Era um menino.
- Oi, como você está? - perguntou o menino que coçava o olho.
Sem entender nada, respondeu.
- Estou bem, o que você quer?
O menino percebeu o tom rude, mas continuou sereno.
- Soube que você vai passar o ano novo sozinho.
- Sim, vou. - De novo com um tom bem rude.
- Eu não quero que você passe sozinho. - Ele ficou pasmo. Sentiu uma ponta de alívio, alguém se importava, mas se manteve firme. Pensou por um instante. Achou que não teria problema. Não faria nada de especial mesmo.
- Tudo bem.
Deixou o menino entrar. Depois que bateu a porta. Ele foi para a cozinha. Jogou no lixo a latinha vazia, foi a té a geladeira e pegou outra cheia. O menino ficou com os olhos atentos a todos os passos dele. Ele voltou para a sala. E viu o menino com os olhos nele. Eles ficaram um tempo assim. Ele sacou suas armas e quis instimidá-lo, mas nada o fazia desviar os olhos. Fez uma cara de lobo mal. E o menino não teve medo. Até que ele se zangou e perguntou furioso.
- O que está olhando?
O menino, de novo, sentiu o tom rude. Era cheio de certeza e protegido pela sua grossura.
- Eu não vou desisitr de você. - restrucou com uma voz suave e um pequeno sorriso.
Essa resposta o pegou desprevenido. Apenas saiu de fininho. E tomou mais um gole de cerveja. Foi para o sofá. E ficou lá. O menino andou pelo apartamento inteiro. Ia de um canto a outro. Passou um tempo. Foi parar no sofá. O menino percebeu as fotos em cima da mesa. Começou a fazer perguntas sobre elas. Ele não respondeu. O menino insistiu e mostrou a foto para ele. Ele pegou e lembrou. Foi aquela vez. Eu e sua mãe fomos para a Ilha Grande. Essa foto é em umas das praias. Não lembro o nome. Mas é uma bem escondida. Ficamos andando no mato por uma hora até chegar lá. A praia era linda. Faz muito tempo. E o menino foi pegando uma foto atrás da outra. Muito curioso. Essa, foi no nosso casamento. No altar. Ficamos tão bêbados nesse dia, que quase cai com ela em meus braços. Ele começava a ter vontade rir. O menino não se conteve e riu. E foi explicando cada foto. Lembrava de todas como se estivesse acontecendo agora, na sua frente. Mostrou outra. Isso foi no carnaval. Ah! O carnaval. Foi a primeira escola que desfilei. E lembrava dos blocos que participou. Dos acontecimentos hilários. Dos beijos perdidos. Das músicas cantadas. E da mulher que sempre amou. Estava na foto, junto com ele. Quanta saudade. O tempo passou rápido. Já era meia-noite. Os fogos explodiam. O barulho era imenso. Os gritos eram altos. Eles perceberam. Entre olhares, se abraçaram.
- Feliz Ano Novo, pai.
- Feliz Ano Novo, filho.
E amava o menino que não deixou ele ficar sozinho nessa noite solitária.

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