segunda-feira, 9 de julho de 2012

A praia deserta daquela mulher

Amanhecendo
o sol nasce
para vê-la
carregando
a esperança
de um novo dia
e o vento da maresia soprado por ela
me arrepia

Sorriso entregue
beijo com gosto
salgado
a candura que encanta
guarda o seu
coração maltratado

Aos meus ouvidos,
o som do seu cantar
desperta
o meu lado mais sonhador
o reflexo azul
do espelho do seu olhar
confunde
os lapsos inusitados do meu amor

Seus olhos tristes
têm a ternura
dos mitos
das carícias
do seu lugar
o toque malicioso
da sua pele morena
esconde os mistérios no fundo
no fundo do seu mar

Anoitecendo
a lua chega
para brilhar
pelos seus
olhos da cor
da madrugada
e espero que o tempo não venha apagar
o poema escrito
em suas areias amadas

E através
da minhas mágoas
queria ser tudo o que ela quer
para me banhar
nas profundas águas
da praia deserta
daquela mulher

Mais um copo cheio

Mais um copo cheio
já vem alguém
trazer uma lição
olha meu receio
ninguém sabe
do meu coração

Mais um copo cheio
conversa distraída
para me acalmar
trabalho de jardineiro
mas não sei a hora
que vou acordar

Mais um copo cheio
pego um cigarro
para me acompanhar
fagulha de centeio
a cerveja começa
a me alegrar

Mais um copo cheio
peço mais uma
pro dono do bar
aproveitando meu devaneio
ele volta dizendo
que já vai fechar

Mais um copo cheio
mais um dizendo
que já vai parar
um samba com recheio
não tenho mais ímpeto
para dançar

Mais um copo cheio
a essa hora
para que cantar?
nunca ninguém veio
agora bêbado
onde vou me segurar?

sábado, 28 de abril de 2012

A separação do encontro

Não sabia que o cheiro de flores poderia chegar tão longe, e se espalhar por essas ruas largas e estreitas dessa cidade amargada por suas próprias entranhas, também não sabia se era o perfume dela, ou se estava sendo enganado mais uma vez por seu olfato, sentido um tanto safado, mas sensível aos aromas dos amores perdidos na multidão. Os ventos avançam sorrateiros, não disfarçam quando tocam o seu rosto com firmeza e seus olhos fecham e abrem no mesmo instante em que os pelos da minha nuca arrepiam pela sensação que passou. Os ventos seguem lúdicos, brincando de levantar as saias das mulheres petrificadas pela espera, e os homens aproveitam a situação para abraça-las na esperança nas coisas do amor, e a estação de trem se torna uma coadjuvante abandonada pelo tempo do agora. Nossos corpos vagarosos, receosos e espantados buscam ocupar o espaço vazio entre nós, tentando dizer sobre os desejos medrosos de corações enganados pelo destino. Nossos gestos desiludidos tentam se encontrar no instante que passou, segundos antes de se desencontrar pelos caminhos falhos da nossa jornada. Segurando os pesados trilhos da vida, nos cumprimentamos da mesma forma tímida da primeira vez que fomos apresentados, e na falta de palavras sinceras apenas sobram os olhares furtivos de quem espera que tudo termine rápido para, finalmente, seguir em frente. As marcas violentas cuidadosamente infligidas por nós, são cicatrizes visíveis a olho nu, e as mágoas ficam mais que qualquer outra coisa, para pisar nelas, lembrar delas, usufruir delas, e guardá-las com carinho para nos comprometermos a não viver mais isso, e saímos com ego renovado e mais sábios do que nunca. Então ela me pergunta: você vê o que eu vejo? O esforço de ver é a agonia dos meus dias. Ela aponta para os cantos obscuros da visão dizendo que há uma beleza escondida por lá. Esfrego o rosto, talvez seja cansaço ou sono, procuro com os olhos cada detalhe que tenha passado despercebido, mas não, não a nada lá, somente a velha realidade estampada na cara. O feroz barulho do trem chegando nos acorda no susto e esquecemos o assunto. A atenção de todos é desviada para o trem, imenso que causa espanto com seu corpo metálico, e uma algazarra toma forma quando ele retorna a sua estação de origem. Concentrados em nossos destinos e levados pela multidão insensível ao seu redor, embarcamos em diferentes vagões deixando a estação vazia, sem emoção e recordação do que aconteceu ali, pois só dizemos o que podemos admitir. Enquanto o trem começa a se deslocar, partindo para outro lugar, sentamos numa cadeira vaga, nos acomodamos e não resistimos em olhar pela janela, então o silêncio da viagem confessa a vontade gritante que temos de descer na próxima estação, para podemos compreender porque não demos um beijo de despedida.

Florear

Bate outra vez
outra vez, talvez, uma fantasia
fantasia para despertar os dias
dias que tanto queria
queria que você provasse o ato de ficar
ficar além do tempo
tempo de voltar
voltar para algum lugar
lugar incompreendido de corações perdidos
perdidos sonhos encontrados no olhar
olhar de qualquer canção de amor
amor, será que vai me deixar?
deixar comigo a sua tristeza
tristeza calada de sua flor
flor caída ao lado de outra flor

Não sei do seu amor

Construí minhas estradas
para você chegar
e quem sabe se encantar

com carinho, seus olhos, eu olhava
com um sorriso, dos meus olhos, desviava
e eu sorria da timidez que vinha do nada

te recolhi no meu lugar
e cantei para te ninar
até que o sol pudesse raiar

e agora está tão longe
mesmo estando distante
meu desejo é o nosso instante

caminhos não cruzados
expuseram nossas dores
gosto amargo dos amores

mas um dia eu apareço
querendo um recomeço
nas estrelas te reconheço

em todas as vozes
escuto sua palavra
mesmo ainda calada

te procuro
sem querer
em todos os lugares

te reconheço
para te peder
em todos os olhares

e a agonia só vai acabar
quando você me procurar
para me encontrar

e o nosso amor transbordar

mas se não quiser voltar
não deixes de me avisar
para,enfim, eu poder chorar

quinta-feira, 1 de março de 2012

Nelson e Lígia

As rugas espalhadas pelo o seu rosto denunciavam os antigos desgostos de sua vida. Olhava-se no espelho do banheiro que refletia as lembranças da juventude que não volta mais e das tristezas levadas por sua mão calejada pelas cordas. Inseparável violão estava em um canto do pequeno quarto esperando para ser manejado. Escondia as suas lágrimas debaixo de um semblante alegre, pois a velhice já atacava o corpo e a beleza jovial que as mulheres desejam, e a saudade dos tempos de rapaz sempre lhe magoavam. Sua atenção voltava para o seu braço, uma tatuagem com o nome dela “Lígia”, com uma mão queria arrancá-la do seu braço, feri-la e causar um sangramento na pele e um sofrimento no coração, com a outra queria tocá-la, acariciá-la e se entregar ao acalanto que o nome dela trazia na memória. A tatuagem estava borrada, mas suas letras ainda eram legíveis. Penteava o cabelo virtuosamente, vestia sua roupa mais agradável, passava a colônia mais perfumada e se esforçava para ficar bonito outra vez. Com passos lentos, pegou em cima da mesa seu maço de cigarros, retirou um e pôs na boca, riscou o palito de fósforos e acendeu o cigarro sagrado, continuou sua caminhada para o quintal, sentou em sua cadeira de balanço e deu a primeira tragada daquele dia. Balançava no ritmo da inquietude do raiar de um novo dia.
Diziam que ele sempre se achava uma vítima da vida. Muito pelo o contrário, já havia sido julgado por ele mesmo e culpado era sentença marcada em seus devaneios, carregando toda a culpa que encontrava, sendo dele ou não. Quando tocava nessas divagações sobre sua vida, uma vontade controlada de chorar lhe aturdia os olhos, todo o corpo doía em sincronismo com as poucas batidas de um velho coração. Mais um trago do cigarro e tirava sarro do seu pequeno e pobre jardim, de poucas flores, quase vivas, espinhosas, quase mortas, desprotegidas, implorando o cuidado que ele não podia mais dar. Ria sem gargalhar. Balançava devagar, esperando o que já passou, passar. E as cinzas que se espalhavam eram tudo o que ficava, era o resto de tudo o que foi embora, que se acabou e o abandonou em seu ninho que carinhosamente foi construído para o amor. E das suas amargas lamúrias, reclamava sozinho de uma mulher sem alma, dizendo que tinha sido bom para ela, deu seu nome, passou fome, mas seu peito sempre sangrava na despedida que lhe entregava mais uma ferida. E não conseguia explicar de onde surgia a fé que lhe ajudava a suportar, apenas balançava e esperava uma visita triste da saudade para lhe fazer, enfim, chorar.
Cansou de balançar e se levantou sabendo que tinha certeza de uma coisa: precisava cantar. Foi encontrar com o seu antigo e gasto violão para juntos saírem por ai. E foi para a rua, com um cigarro aceso na mão e um sorriso apagado na boca. Do alto de uma mangueira, foi descendo a rua. Todas as pessoas o cumprimentavam e Nelson retribuía com o seu mesmo sorriso e um aceno de violão. Perguntavam-lhe para onde iria. Sempre respondia: para boemia. Havia marcado um encontro com seu amigo Guilherme que queria lhe mostrar um samba novo, motivo mais do que natural para se tomar umas cervejas. O lugar marcado era o de sempre, Praça Tiradentes, e Nelson já chegou pedindo uma gelada para o calor e para alma. Repousou o violão em sua perna e começou a dedilhar algumas notas para que seus dedos se acostumassem com as cordas. Cerveja na mesa e copo cheio. Tocava a música de sua desgraça, melodia saboreada pela sua dor, sentia pelo sol não poder viver perto da lua, e no final, o último verso terminava com ninguém. Guilherme deu um tapa nas costas do amigo e o cumprimentou, chegando no término da primeira cerveja. Rapidamente apresentou-lhe ao novo samba que tinha composto. Começaram de forma lenta, trocando ideias, porém logo o samba já estava pronto e os dois cantavam como se já conhecessem aquelas palavras desde sempre. Quando vinha uma cerveja, um samba era cantado. Todos eram sambas de amores perdidos, mas que pela transformação de suas histórias em poesias, nunca mais foram esquecidos.
Lígia, com seus passos desconcertados, e sua beleza levada pela impureza das ruas, passava na hora de mais um samba falando da dor, e como também a conhecia muito bem, parou e cumprimentou Nelson e Guilherme, no qual a convidaram para se sentar e tomar uma cerveja com eles. Ela aceitou de bom grado e eles continuaram a lembrar de sambas antigos e a mostrar para os seus ouvidos, e para os dos que passavam, palavras que já foram vividas. De vez quando paravam e conversavam um pouco, mas logo que alguém lembrava de outro samba, não hesitavam em cantá-lo. E foi assim até a noite, quando Guilherme se despediu dos dois e foi embora já muito bêbado. Nelson e Lígia acabaram ficando mais um pouco, apenas conversando, para que o violão pudesse descansar de uma vez. Depois, caminharam pela praça, enquanto falavam da noite de hoje e do dia de amanhã. E o desejo balançava seus corações atordoados, sem rumo, desesperados pelo acalanto que não tinham, mas que queriam um do outro. Sentaram em um banco da praça, pelo alto nível de álcool em seus sangues, sem mais demora, e sem um beijo de boa noite, adormeceram ali mesmo, se amando silenciosamente até que se chamassem saudade.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quando ela chegou com o amor

quado ela chegou com o amor
foi mais um descuido do meu coração
embriaguez pelo perfume sutil de sua flor
e dos seus olhos negros vi nascer a paixão

acariciei os caminhos ondulados dos seus cabelos
toquei com carinho as marcas do seu macio rosto
admirei seus olhos fechados enquanto beijava seus lábios carnudos
arranquei o sofrer do cotidiano quando ofereci o meu acalanto

e se entregando do seu jeito para mim
despertou a poesia do seu sono profundo
me entrelaçou na ternura que dizia sim
do quarto escuro e solitário surgiu o nosso mundo

nossos rios corriam para desaguar no misterioso mar
mesmo conhecendo cada pedaço da dor, não negamos mais
os descontrolados e tortos passos dos atos de amar
e seu navio naufragou quando encontrou meu cais

anoitecemos, ficando lado a lado
esquecendo o brilho intenso da lua
remexendo tudo o que estava guardado
não escutamos o som que vinha da rua

acordamos apenas para viver
o que queria muito acontecer
e nosso silêncio disse naquela manhã
que a despedida não fazia parte do amanhã

A traição de um beijo

aqui fico esperando os seus passos
e da sua boca algumas perdidas palavras
mas tremo por sentir a distância dos seus braços
e o eco longínquo de nossas diferentes estradas

brindo com o copo na mão
para arrancar toda a emoção
marcada no meu peito com o ferro e fogo do desejo
da destruidora e traidora comoção daquele beijo

beijo que sempre foi meu
mas deste para outra mulher
não me digas que não aconteceu
de você, nada pode se querer

grito para o mundo que não posso te encontrar
confuso coração permace sem luz
será que vou me condenar se um dia te perdoar?
carrego comingo essa pesada cruz

bebo para tudo isso esquecer
as lembranças que me levam a você
mas apenas consigo endurecer
pelo exato momento que me fez padecer

rompi com as longas pontes dessa ferida
de um amor carregado por imensas correntes
maltrato as pétalas daquela orgulhosa margarida
quando não me tocam com gestos indecentes

da sua partida, um copo vazio
não sei se dá desgrança ou da graça que rio
mas você sempre estará aqui no meu agouro
enquanto eu sentir a falta do teu choro

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Juras

são essas eternas juras de amor
lamentos de seu sorriso a despertar
canções compostas por um sonhador
que diz
palavras escritas com pó de giz
e você
querendo todas elas
cores de nossa aquarela
querendo qualquer uma
para não sobrar nenhuma
para as feridas das juras de dor

são essas eternas juras de amor
momentos de uma boca a te beijar
emoções perdidas de um cantor
que canta
a vida que ainda encanta
e você
querendo toda essa confusão
para fugir da sua solidão
querendo apenas a rendição
das juras de um magoado coração