quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O cheiro de flores que vem de lá

Ela vem com seu cheiro de flores
com todas as suas dores
uma mulher e seus amores

Ela vem com seus olhos castanhos
com seus jeitos estranhos
se destacando dos rostos risonhos

Ela quer o amor de um homem infeliz
chega bem perto do meu nariz
e quer ver todo mundo feliz

Ela quer os sonhos roubados do mundo
dentro de um boeiro imundo
de alguém muito vagabundo

Seu cheiro vai além do meu horizonte
chegando até muito longe
por trás da velha ponte

Atravessando todos os ventos que levou
gosta do sol que chegou
e de brincar com quem eu sou

Seu perfume conta as lutas das nossas lendas
os mistérios das nossas vidas
e a sensualidade das suas calçadas

Ela queria ser uma atriz do novo cinema
fazer assim parte de um poema
desvendendo o seu próprio dilema

Ela queria apenas me dar a solução
do meu adormecido vulcão
de um dia perdido de verão

Logo eu penso que tudo já acabou
quando seu cheiro passou
existindo no que começou

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um dia com uísque

O tempo de gestação de um uísque varia muito e depende do seu processo de conclusão. Tem uísque que nasce com 8 anos que são os mais jovens e outros só com mais de 20 anos que já se apresentam para o mundo mais maduros e admirados , e por isso, mais cobiçados. O meu copo se sente muito bem com um uísque de 12 anos, não por acaso, é o que eu acabo apreciando mais frequentemente. Para prolongar a companhia do uísque, o misturo com 2 pedras de gelo, e vou tomando em pequenas e demoradas bicadas sem emoção. Assim, passo o meu dia como uma mulher casada. Lavando e passando roupa, arrumando a casa e fazendo comida, com cabelo desarrumado, avental de flores, rosto machucado e corpo cansado. Olhos ainda brilhantes perdidos no tempo que passa massacrando meus últimos pedidos. Com o corpo pedindo repouso e o coração fraco, ela espera o afago do vento que entra quando a porta é aberta, mas que ainda encontra a casa deserta. E quando pensa que é feliz, a tristeza vem fazer o seu jogo, pedindo mais um trago de uísque. E agora, o gelo já derreteu, a dose desce pela garganta com a suavidade de uma mulher retraída em seu lar. Quando o copo se esvazia, enfim, o marido chega para o jantar. Ela se anima querendo que sua inocência seja violada, querendo ser traída pela ilusão de estar ao seu lado, porém quando percebe ele já está roncando virado de costas do outro lado da cama sem dizer uma palavra siquer. Uísque com duas pedras de gelo, por favor, ela diz para si mesma.
Dizem por ai que meninos sonham demais e penso que seja por isso que não tomam uísque. Mas depois que o dia passa, com os sonhos desgastados por tudo o que viveu, o menino, talvez nunca querendo, acaba virando homem para enfrentar o mundo. Cai nas fáceis graças do uísque em seu copo, e como ainda tem a energia da juventude explorando seu fogo excitado pelas belezas de um amor, o ritmo do encanto muda para uma rasgante entrada triunfal em sua garganta de um uísque puro. Lá vem a dona do cabaré, com seu rosto sofrido, mas com cuidado maquiado, seu caminhar enfeitado e sensual, sua boca com charme de princesa, e olhos que conquistam toda atenção que ela precisa ter. Ela se aproxima e diz pausadamente: para você, tudo amor, menos o cu, porque não está a venda. Apenas responde com um sorriso fingido que quer tudo o que ela oferecer. Todavia, o impacto calorento do uísque vai embora muito cedo, e só fica o fundo vazio do copo. Uísque com duas pedras de gelo, por favor, ele diz para si mesmo.

Flores sem cores

Sei que vão falar de mim
quando eu for pro botequim
me apoiar nas paredes de papel
e nunca mais ver o céu
A bola preta vai chegando na caçapa
enquanto eu peço a próxima cachaça
meu amigo ela desce indisgesta
pois adora fazer uma festa

Então, eu falo para a Nair
não deixa o meu coração cair

Não consigo mais explicar
por isso digo que não vou voltar
com olhos turvos fico tentado a ver
qualquer flor pelo meu belo prazer
com o andar torto ainda resisto
na ânsia de morrer ainda insisto
nessa incontrolável vontade de beber

Então, eu falo para a Cris
não deixa o meu coração por um triz

Vou me embora mudando de calçada
aqui não tem flor a ser admirada
e o destino será o próximo bar
já estou com vontade de cantar

Então, eu falo para a Sofia
não deixa o meu coração na covardia

Preso nos braços dessa eterna desilusão
vou dizendo que não perdôo mais a felicidade
apenas espero o meu corpo cair no chão
e de um sorriso acabado brindo com a saudade
dessas flores sem cores

Então, eu falo para a Paixão
não deixa o meu coração não

sábado, 6 de novembro de 2010

Samba de maluco

Nos tempos antigos, nos arredores do Eng. de Dentro, de quando nós, os loucos, éramos tratados de uma forma racional, sendo cobaias da ciência, e ignorados pelas pessoas de fora, e também, das de dentro, comecei a andar pelas ruas do hospital, distraído, quando ouvi gritos rasgantes ao longe. Percebi que um paciente estava sendo espancado por dois enfermeiros, seguro por uma camisa de força, e dizendo em uma voz alta que aquele mundo não era nosso. Atrás deles um médico apontava para o lugar onde ele deveria ser levado, para ser tratado a base de eletrochoque. Outro louco, como nós, apareceu assustado e com cuidado me perguntou ao pé do ouvido o que estavam fazendo com ele. Com o mesmo tom de voz baixo, respondi que para o mundo deles, ele ia ser curado.
Como na história nada fica parado, e tudo muda de um certo modo, Nise da Silveira implantou um novo modo de ver a loucura, dizendo que nós poderíamos fazer arte e também parte de algo maior. Agora, tentavam compreender os caminhos confusos de nossa loucura. Trabalhos feitos por nós foram expostos em todas as partes do mundo. E das marcas da morte de uma violência surgiu um amor pela vida perdido por tratamentos convencionais de tempos passados. Da poesia desse mundo maluco, apareceu um sorriso no rosto de cada um de nós, pois é nela que as diferenças se tornam iguais. Derrubando os muros e preconceitos sempre existentes, fazemos todo o ano o nosso carnaval, mostrando o nosso avesso pelo avesso, e encontrando uma felicidade em cantar para, finalmente, nós mostrarmos o nosso mundo. É dessa paixão reprimida que está a força para o começo de um novo samba...

Sentado na areia

na praia sentado na areia
nada sinto pelo ar
e o sangue escorre saindo da veia
e fica salgado de mar

Mar volte para mim
sozinho não dá mais não
Mar não vá sem mim
me leva embora sem razão

Mar volte para mim
se entregue ao meu amor
Mar não vá sem mim
não me deixe aqui, por favor

Mar volte para mim
já não tenho mais vaidade
Mar não vá sem mim
só ficou a chorosa saudade