domingo, 29 de novembro de 2009

Mudar a mudança

Não saberíamos dizer
se tivéssemos as palavras.
Não queríamos saber
se tivéssemos algumas.

Mundos novos
se encontravam.
Um tanto intensos
se chocavam.

E a loucura de seus atos
seduziam todos os sonhos
que foram por estradas solitárias
e sentiam saudades dos que ficaram.

Não sabiam o que ia acontecer com suas vidas.
E não queriam saber mais do já sabiam.
Descobririam que um instante misterioso de amor
era suficiente para mudar uma vida inteira de dor.

E que um momento sutil de entendimento
pode mudar uma vida de desentendimento.
Diziam que estávamos perdidos.
Perdidos dentro de nós mesmos.
Achávamos uma pessoa diferente
que transformava nossos dias.

Era um beijo.
Ninguém queria parar.
Talve fosse eterno.
Ninguém ia parar.

Fomos para uma ponte baixa
jogar nossas lágrimas no rio.
Em nossa loucura, pulamos
promentendo não mais chorar.

Queríamos compartilhar a alegria
com todos aqueles que não a tinham
que a perderam em algum lugar do passado
e não conseguiram mais voltar sozinhos.

Queríamos mudar a mudança
de direção e sentido da vida de todos os envolvidos
nessa paixão contida por anos e anos.

Bêbados anônimos

"Todo grande escritor está sempre escrevendo o mesmo livro." Gabriel Garcia Márquez
Compreendi essa frase no momento em que terminei de lê-la.



Era feio. Míope. Usava um óculos bem estranho. Era fininho e com uma lente bem grossa. Era gordinho e não estava em forma como todos esperam. Havia aquela expressão de passividade em seu rosto pequeno. Com certeza, você não o acharia atraente. Faria aquela expressão de nojo quando ele passasse. E não daria a mínima chance dele falar qualquer coisa. Mas não foi isso que fez me interessar por esse individuo de uma hora para outra. Estávamos todos no bar. Não sei se todos, mas algumas pessoas. Havia pessoas que eu não conhecia. E toda hora pediam uma garrafa para aliviar a sede e o prazer dos que estavam esperando por isso a semana toda. Os copos sempre cheios, como tinha que ser. E então, ele me aparece. Com uma tristeza que arrepiava o meu alívio. Com uma frustração que invadia o meu espaço. Com os olhos cheios de água, daquelas que não aceitam cair em qualquer lugar. E diz que ama aquela garota. Apontou para ela. Ela estava pegando alguém. Entendi na hora. Acho que já tinha entendido. Não dava para negar que sentia o mundo dele desabar. E insistiu em falar do amor com um bafo de álcool e o um coração partido. Depois da decepção, vem logo o sentimento do foda-se tudo. Fada-se o mundo! Fada-se ela! Foda-se! E a raiva segue o seu percurso. Eu disse que era assim mesmo. Deve-se sofrer de amor pelo menos uma vez na vida, para saber que está vivo. Ele olhou para mim. Nesse instante percebi que ele tinha olhos bem negros. Difícil de perceber com os óculos a vista. Ele disse que todas as vezes que amou, sofreu. E não aguentava mais. E todas as mulheres que amou, nunca perceberam que ele estava ao seu lado escondido o tempo todo. Nunca souberam nem mesmo seu nome. Ele era à sombra delas. Amando-as à distância. Elas nunca souberam que foram amadas. Nunca perceberam que ele existia. Como poderia falar de algo tão intenso em tempos tão frágeis? Pediram mais cerveja. Os copos estão cheios, como tinha que ser. Como poderia falar do trem da loucura para pessoas tão sãs de seus caminhos? Disse que não sabia porque a amava. E não queria mais tentar compreender. Iria enlouquecer por expressar o amor em palavras vagas. Eu disse que entendia. Falei que ele iria esquecê-la. Sabia que era mentira, mas não sabia o que dizer. Ele disse que nunca esqueceu nenhuma. Lembrava de todas. Lembrava de como era amá-las. Essa lembrança fez aparecer um rápido sorriso no meio de olhos cheios de água e sentimento. Olhou para ela. Estava tomando a sua cerveja. Não sabia explicar direito. Era algo tão diferente de tudo o que vivemos. Eu disse que era para ele dizer que a amava. Ele queria gritar para o mundo. E que todos deixassem tudo de lado para amar uns aos outros. Caímos em gargalhadas gostosas. E mais cerveja chegava. Os copos sempre cheios, como tinha que ser. E o amor chega a ser uma palavra tão esquecida. Enquanto ele falava, eu também lembrava. Ele não parava de olhá-la. E como queria dizer que ela era uma mulher. A mulher que ele amava. Nunca a faria sofrer como ela, sem saber, sempre o fez. Seguraria suas lágrimas quando elas teimassem em cair. Abraçaria de um jeito doce e ao mesmo tempo forte quando ela não aguentasse as suas pernas. Quebraria seu ego em várias partes sufocantes que sumiriam quando ela sorrisse para vida. Ele tentava explicar. Mas, era difícil de começar. Ele começou a chorar. E confessou que não sabia porque estava falando isso tudo para mim. Ele não me conhecia. Na verdade, era a primeira vez que nos vimos. Os copos estavam vazios. E queríamos pedir mais cerveja. O bar já estava fechando. Ele disse que ia para casa e perguntei o seu nome. Eu disse que entendia e que ele não estava sozinho quando foi embora. E enquanto ele ia, eu dava um riso meio bobo e percebia que ele era só mais um dos que amam nesses tempos do cólera.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Quando o lobo não caça mais

Estava na cama desde que acordou. Não conseguia parar de pensar no que ele nunca parou de pensar. Muitos anos se passaram e ainda estava na cama. Tinha alugado um quartinho de uma senhora muito simpática. Ela já era idosa e quieta. Oferecia bolos e outros doces que gostava tanto de fazer. Sempre que sentia o cheirinho de algo bom vindo da cozinha, apressava-se para saber o que a senhora tinha feito. Sempre comia um pedaço. O problema é que esse momento o fazia imaginar uma família. Lembrar que não poderia ter uma. E ficava essa mistura de alegria e tristeza. Depois de comer o que fosse, já tinha esquecido. Voltava para seus pensamentos preocupantes, angustiantes e exaustivos. Passava o dia inteiro escrevendo frases soltas em pedaços de papel diferentes. Tentava juntar as frases e extrair um sentido de tudo aquilo. Não conseguia. Perdido em fragmentos de uma vida sem sentido. Então lia. Livros e mais livros. Estava preso a todos os personagens que falavam sobre sua vida, tudo aquilo que ele não compreendia, mas aceitava. Pilhas e pilhas de livros estavam espalhados pelo pequeno quarto. E vários papéis estavam jogados pelos cantos. Ainda estava na cama com seus cinquenta anos. Às vezes, ia para um bar perto. Ficava olhando para as moças bonitas, e bebia sua cerveja. Ficava horas. Até não agüentar beber mais e ir pra casa bêbado. Resmungava sobre a vida o caminho todo de volta. E terminava se achando um “merda” quando chegava. Lamentou pela sua vida até as rugas aparecerem no seu rosto. Agora, ele ia fazer o que já devia ter feito. Já estava cansado dessa rotina entediante e desses pensamentos que iam e vinham, e acabavam com toda a esperança do dia que surgia. Guardava tudo para si mesmo e explodia quando bebia. Dormia e esquecia. Depois de anos tentando descobrir se tudo daria certo ou não, agora, já não importava mais. E sentia-se bem por isso. Até sorriu quando se levantou. Espreguiçou-se. E espiou o dia lá fora. Era um dia de sol intenso. O calor entrava no quarto junto com o vento. Não reclamou do mormaço. Havia uma vontade tão grande de viver intensamente aquele dia que o calor era apenas o coadjuvante. Tomou o banho mais prazeroso de sua vida. As águas tocavam e refrescavam o seu corpo com delicadeza. Fechava os olhos e escutava o barulhinho da água caindo. Fez a barba bem devagar. Sua atenção não ficou presa no espelho. Saiu do banheiro cheiroso. Vestiu a roupa que mais lhe agradava. Quando abriu a porta do quarto, sentiu o cheirinho doce vindo da cozinha. Não hesitou e foi direto para lá. E lá estava a senhora. Andava devagar e sentia dores na coluna, mas nunca reclamava. Estava tirando um bolo de chocolate do forno, quando ela o viu chegar.
- Bom dia – disse sorrindo.
- Bom dia – respondeu.
- Quer um pedaço de bolo?
- Claro – respondeu com um sorriso.
E a senhora continuava a sorrir. Ela cortou um pedaço e colocou em um pratinho. Saboreou cada pedaço que pegava com o garfo. Mastigava devagar sentindo o chocolate desmanchar na boca. Bolo de chocolate. Era o seu favorito. Estava muito bom. Eles não paravam de sorrir um para outro. Não lembrava quando foi a última vez que teve tanta facilidade em sorrir assim. Fechava os olhos e mastigava. Lembrava de quando sua mãe fazia um bolo assim. Como ela gostava de agradá-lo. Sem pedir nada em troca.
- Quer mais? – perguntou a senhora.
- Não, obrigado.
- Por favor, aceite. Eu sei que você quer.
- Está bem.
Enquanto comia o segundo pedaço de bolo, ela o olhava. Ela sabia o que estava acontecendo. Era como se tivéssemos uma ligação por causa de um bolo e um sorriso. Era estranho. E foi preciso apenas poucos minutos. Até acabar o pedaço de bolo.
- Obrigado pelo bolo. Preciso ir.
- De nada, querido. Vai com Deus!
Ambos sorriram quando se despediram.

E tudo o que estava dentro dele influenciava o que ele via. E aquela velha melancolia não aparecia. O que você percebe agora que se abriu para um mundo novo de expectativas? Tudo pode acabar quando eu virar as minhas costas e uma bala me atingir. Talvez, tudo mude ou deixe de existir. Isso não importa. Saber que uma pessoa escolheu uma das verdades que brigam entre si como a causa de um disparo é a tristeza que rema a favor da maré. E de uma certa forma, todos ficam marcados. É difícil compreender tudo o que se passa em um piscar de olhos. Mas, o sentimento que o acolhia era tão suave e agradável que morreria feliz. Poderia fazer tudo de mais fantástico sem perceber. Era como estar drogado por uma felicidade sem direção. Uma confusão gostosa de sensações se entrelaçando no momento de uma batida nervosa do coração. Lembrava da primeira vez que se sentiu assim. Quando era mais jovem e conheceu uma garota. Sua relação com ela foi tão intensa, louca e amorosa. Porém, nunca deixou que tudo saísse do seu controle. Presenciava algumas inconvenientes situações. Tentava algumas investidas comuns. Acabava que nada o agradava. E mundo os engoliu. Não lembrava do dia em que tudo isso não fazia mais parte da sua vida e quando ela tinha ido embora. Ele queria se divertir hoje. Conseguiu alguns trocados vendendo poesias no centro com muita dificuldade. Ficou andando pelo centro de manhã até a noite. Em um sol de rachar. Apesar do cansaço e esgotamento, não se intimidou e continuou. Fazer uma coisa desse tipo era bom, por incrível que parecesse. Também era viver a vida. Sofrer com ela. Depois, descansar as pernas e molhar a garganta com uma cerveja gelada nesse calor que não cessa. Parou para atravessar o sinal e viu na vitrine de uma loja, flores expostas. Sabia agora quando que as pessoas reparavam nas flores. E porque elas compravam algumas. Entrou e ficou admirando as dúzias de flores, de narcisos, rosas, margaridas, cravos, tulipas, entre outras. Era difícil escolher. Escolheu uma de cada flor que tinha na loja. Cada uma com um aroma diferente. Era uma maravilhosa mistura. E a cor e o formato das flores se encaixavam em uma sincronia sensual. Percorria seu caminho com o vento sussurrando em seu ouvido. Finalmente chegou em um prédio. Entrou, subiu e depois bateu na porta com o número indicado no papel que segurava. Um garotinho atendeu.
- Oi, sua mãe está?
O garoto olhou para trás e gritou.
- Mãe! É para você! – saiu correndo.
Ficou parado na porta esperando. A ansiedade tomou conta de seu peito. E as pernas tremeram. Ela apareceu. E imediatamente disse.
- Oi. – com os olhos surpresos.
- Oi.
Sem saber o que dizer por um minuto, ele entregou as flores para ela.
- São bonitas. – ela disse.
Colocando as flores no chão, ela o abraçou. Há muito tempo não sentia o aperto gostoso de um abraço. Desfrutava da ternura que surgia com todas as forças que tinha.
- Quanto tempo não nos vemos. – ela disse.
- É verdade. Estive pensando se você não quer beber alguma coisa e conversar. – respondeu.
- É claro.
Ambos sorriram. E foi por esse sorriso pelo qual se apaixonou que tudo o que ele viveu, valeu a pena.

domingo, 15 de novembro de 2009

As batidas de um coração apaixonado pela vida

Nos olhos do dragão – parte 1


Sentia o calor do fogo
da boca do dragão
A fúria de gritos e berros.
Machucados no corpo.
Cicatrizes na vida.

Queria mudá-lo
para um ideal que ele planejara.
Tinha todo um plano.
O mesmo plano de sempre.
Colocado em prática todo dia.
Todos os passos rigorosamente seguidos.

E, se, por algum motivo,
as regras fossem quebradas.
Egos desapontados.
O dragão vai abrir a boca.
E a raiva caíra sobre rostos tristes.

Não poderá dizer nada.
Tudo o que vai ser dito é o suficiente.
Suas ações vão ser comedidas
por pensamentos moralistas.
Certo ou errado?
Todos já escolheram.

A vida é assim.
É a realidade.

E depois de tudo isso.
Você vai ser reconhecido.
Você vai ser notado.
Você vai ser apreciado.
E vai sorrir para o dragão.

Mas eu não entendi isso tudo.
Tenho medo de dragões.
Corria o máximo que podia.
Queria distância de todos eles.

Eles diziam estava tudo errado.
Meu corpo com as marcas da repressão.
As marcas de tudo que era o certo.
E o dragão aparecia
dizendo o que eu tenho que fazer.
Era assim que tinha ser.

Planejei os dez anos que passaram.
E agora?
Planejarei os dez anos que virão.
O dragão tinha orgulho.

Eu queria a minha verdade.
Queria dizer tantas coisas,
mas não sabia por onde começar.
Isso me matava.
Estavam conseguindo que
eu desiste de viver

Eu era uma borboleta.
O que o dragão mais temia.
Era a inconstante mudança
de um sonho exagerado
de uma realidade não aceita.

Queria o que todos diziam que era impossível.
Queria o impossível.
Fazer do impossível,
a natureza do mundo.

Queria viver de amor.
E todas as perguntas surgiam.
Mas como? Como vai conseguir isso?
Querendo saber desesperadamente a resposta.
Nunca conseguiram uma.



Nos olhos do dragão – parte 2


Como podemos ficar assim?
Tentando acabar com a dor
com qualquer forma de alívio.

Como podemos ficar assim?
Estar tão tristes que não cantamos mais as nossas músicas preferidas
Como que isso aconteceu?
Estar tão tristes que não temos força para amar.



O vôo da borboleta


As cores não tinham nomes.
Havia uma sensação de paz
que flutuava ao lado.
Era um estado de transição.

Tudo no mesmo lugar.
Tudo ao mesmo tempo.
A sutileza do bater das asas
contra e a favor do vento.
De movimentos suaves.
Uma arrebatadora paixão.

E sentia que tudo ganhava vida.
Não sabia mais se era só eu,
ou se tudo era eu.
Eles não iam me deixar.

Havia mais vida por trás dessas palavras conhecidas
que se desmanchavam com o mar.
Com suas águas, cuidava de suas feridas.
Não era mais uma estranha emoção.

E era tão profundo
que a entrega era natural
Havia uma sensação de que
as nuvens nadavam no mar
E o mar nadava nas nuvens.
Onde o céu encontrava a terra.

E tudo acontecia
com os ritmos das batidas
de um coração apaixonado pela vida.

Sem perceber.
Já estava voando para o céu
para ser uma daquelas estrelas
de um céu estrelado.



O beijo do sol na lua


O sol sempre de um lado do mundo
E a lua do outro.
Sempre sorriam um para o outro.
Eles se conheciam.

De suas mãos caíam
seus pensamentos triturados.
Esperavam o dia que se encontrariam.
Eles já sabiam.

E nenhuma palavra poderia dizer
o que eles tinham.
E nenhuma palavra poderia dizer
o que eles seriam.

Estavam bem longe,
de tudo o que você acha que sabe.
Estavam bem longe,
de tudo o que você espera deles.

Eles estavam vivendo.
E se encontraram, como tantas vezes antes.
E com um toque.
Surgiam incontáveis raios de luz
que iluminavam o sorriso da lua.

E com um beijo.
Eles esqueciam do mundo.
Esses corações apaixonados
não voltariam para a realidade.



Nos olhos do dragão – parte 3

Ninguém nunca entendeu.
Como vai conseguir?
Era impossível.

Os olhos do dragão já me enxergavam.
E isso, o incomodava.
Ele fazia parte da minha vida
Eu fazia parte da vida dele.

E começou a amar o dragão...



Então, vamos...


Consegui perceber
aquela velha alegria.
Cheia de esperança.
Com seus sonhos loucos.

E comecei a cantar um samba
que não queria acabar.
E foi em um dia de carnaval
que os sonhos daquela velha alegria
mudaram aquela mesma realidade.

Pessoas fantasiadas.
Convidando outras para uma fantasia.
Sentimentos que se tocavam
Eram seduzidos por tudo que sentiam

E tudo acontecia
com os ritmos das batidas
desses corações apaixonados pela vida.

E agora?
Eu não sei.
Vamos ser felizes?
Então, vamos...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Como as pessoas são infelizes

Eu não gosto dela. Mentia, várias vezes por dia. Ninguém gosta de ninguém. Era uma mentira necessária. Para vida continuar. E a avalanche de sentimentos se manifesta, quebrando todas as suas barreiras caindo sobre o cansaço dessa noite. Nessas horas, é extremamente interessante um gole de vinho. Não aqueles vinhos bons e chiques. Aqueles franceses caros, que para mim, tem um gosto horrível, mas para a maioria é delicioso. Não. São aqueles mais doces mesmo. Os mais baratos, com exceção do vinho do Porto. Pego uma garrafa de um vinho do rio grande do sul que está na geladeira. Ele fica esperando momentos como esse. Derramo aquele líquido com cheiro meio estranho em um copo comum. Encho até a boca. E tomo. Uma sensação muito boa aparece. E vai um copo atrás do outro. A visão embaça. E a gargalhada sai mais fácil. E ri sozinho. A sensação vai se intensificando. Já conseguimos esquecer de tudo. Agora, vou dizer verdades para o espelho quebrado. Vou dizer o que eu quiser. E você? Não vai me impedir. Então, vem tudo de uma vez. E fica sem respirar por um momento. E uma raiva muda a expressão de serenidade. Agora, vou mostrar o que você pode esperar de mim. Ameaço quebrar a garrafa. Não! Digo para mim mesmo. Desculpe, querida. Eu não gosto dela, mas eu gosto de você. Não me deixe esperando. Você é minha acompanhante essa noite. Outro copo cheio de vinho invade a garganta. E a euforia já estava demorando. Essa noite, eu fui homem. Quer saber como tive uma noite muito boa? Eu peguei uma mulher hoje. E fui para cama com ela. Foi bom. Fiz tudo com ela, o que eu queria fazer com você. Ela é uma vagabunda. Mas, não tem importância. Mais uma gargalhada. E ri sozinho. Outro copo. É para aguentar. Não sabe mais o que dizer. E agora que a tristeza dá o bote. Ela cai devagarzinho. Como uma folha se desprendendo de uma árvore e flutuando até o chão. E mesmo, sem querer, chora. Lamenta. E lágrimas são suficientes para finalmente fazer o dia nascer. Com ele a dor. Vai rasgando junto com o efeito do álcool. O dia não pode nascer de novo. E bêbado, diz que está preso aqui. E a avalanche de sentimentos se manifesta. Querem te deixar louco. Como estamos escapando? E não esperamos mais nada? Esses sentimentos são metralhados, e seus corpos são guardados na gaveta do armário. E nós escutamos o som do silêncio. Até quando vamos nos proteger? Não conhecemos mais um ao outro. A distância vai falar por nós. E você vai pensar que sabe de tudo. Mas, não sabemos nada. Outro copo cheio de vinho. As lágrimas são enxugadas com cuidado e o dia nasce nublado. Eu queria te oferecer um copo de vinho. Eu sei que aceitaria.

Eu não gosto dele. Mentia, várias vezes por dia. Ninguém gosta de ninguém. Eu preciso dizer que ele não faz parte da minha vida. Nunca daria certo. Nós vamos seguir por caminhos distintos. Então, porque eu me importaria? Preciso dizer que eu não penso mais nele. Porque tenho que repetir tanto? Não me entendam mal. Ele é um cara legal. Porém, não combina comigo. É isso. Estou esperando por alguém que não tem nada a ver com ele. Eu tenho uma lista de qualidades. Ele não tem nenhuma delas. O homem que eu quero precisa ser assim e assado. Sei que é difícil. Mas, o homem perfeito vai aparecer. O que consome toda a esperança desse dia nublado? Ontem, sai com um candidato. Era um homem sério. Mais velho que eu. Tinha experiência de vida. Eu não quero um jovem boboca. Era meio sem sal, mas tinha uma vida sólida e estável. Isso conta muito. Fomos para casa dele e dormi lá. Não me ligou mais. Deixei para lá. Ficava lembrando de momentos felizes. E você estava neles. Não pude deixar de perceber. E você voltava. Não conseguia me livrar de você. O que esperar de nós?
Eu vou para noite. Vou encher a cara e me perder para qualquer um. Muitas luzes. Muita música. Dançava até não agüentar. Os mesmos papos. As mesmas investidas. O que mais esperava ouvir? Com certeza, o homem dos sonhos não estaria aqui. Quem sabe, não posso me divertir? O primeiro que ofereceu um beijo. Ela o beijou. Porque se importar? Pegou quantos pode conseguir. Aquela euforia tomou conta do ego. Eu estou muito bem. Não preciso de ninguém. Quem é você? Acha que pode tirar me liberdade? E já bêbada, diz para o céu que ela é livre. Gargalhou. E sorriu sozinha. Foi embora. E a tristeza foi chegando e a acompanhou até o ponto de ônibus. Subiu com ela. Seria tudo isso um sonho? Ela sentia algo por alguém. Estava com raiva. Não podia ser. Chegou em casa. As lágrimas que sobraram da última chuva começaram a cair do céu nublado. Eu preciso de um abraço. Queria que me fizesse sorrir de novo. E com um sorriso molhado, ela lembrou de você. Viver como nunca antes. O que estou dizendo? Não vou sofrer por ninguém. A distância vai falar por nós. E os sentimentos se calarão. Eles não têm voz aqui. Ela vai se sentir segura. Como todo mundo. O que poderia mudar? Quem vai consolar nossos corações magoados?

Era um lindo dia. O sol tinha aparecido. E inflamava os corações. Muito calor. Era o dia do encontro. A distância não poderia mais falar. Eles ficaram frente a frente. Apenas se cumprimentaram e perguntaram se estava tudo bem. Afirmaram. Sentaram. E começaram a beber. O que mais se poder fazer? Acenderam um cigarro para disfarçar. Não paravam de se olhar. E a avalanche de sentimentos se manifesta. É difícil segurar. Tem que se controlar. Bastaria dizer. Quem sabe o que pode acontecer? O tempo passava. Não sei como aconteceu, mas começamos a conversar. Foi por um breve momento. Porém, os corações ficaram esperançosos. Esboçavam um sorriso. E veio de novo, tudo aquilo que sentiam se transformar em pensamentos, palavras e poesias. As mais lindas que você já leu. E o sol dizia nos nossos ouvidos para nos beijarmos. O vento nos mostrava como devíamos nos tocar. A árvore ensinava a nos olharmos. E lá estavam os olhos, onde mora o amor. E todos eles diziam que nunca viram um dia mais lindo. E a vontade de nos abraçarmos aumentava. Precisávamos nos distanciar de novo. E se quiséssemos viver isso? Acho que não descobrimos o que isso significa. Tenho medo de saber. Pode não ser como uma poesia. Não podemos escrever nossos versos?
O dia foi passando. Ficamos esperando no ponto de ônibus. Demorou. Sentamos lá trás. Estávamos bêbados. E jogávamos palavras ao chão. Falamos muita merda. Depois, veio o silêncio. Uma conversa mais séria. E chego o momento. Aquele que por um segundo não aguentamos. Nesse instante, nos olhamos tão profundamente que acabamos caindo debaixo de nossos beijos. Nos perdemos neles. E ficamos submersos. Sonhando que estávamos felizes. E nossas bocas sempre se encontravam querendo um pouco de paixão. E todos os astros diziam que isso era a felicidade. Quem acreditaria? Já estava chegando no ponto onde ela descia. No outro momento, estávamos arrependidos.
- Vou descer no próximo ponto. – ela disse.
- Ainda não vamos ser sinceros um com outro? – ele disse.
A distância falou por nós.
Eu queria que ela ficasse.
- Adeus. – ele disse.
Eu queria ficar.
- Adeus. – ela disse.

domingo, 1 de novembro de 2009

A trégua

Os três andavam pela rua. Um era careca e os outros dois tinham um cabelo baixo. O careca ia no meio, e os outros do lado. E claro, como você perceberia, eles eram brancos. Eles tinham orgulho disso. Na verdade, todo o sentido da vida deles estava relacionado com a sua cor. Eles eram brancos. A cor formada todas as suas características humanas. Era a sua alma. Seu espírito. Matariam e morreriam por ela. Como já fizeram muitos. Eles estavam nervosos. Estavam entrando em território inimigo e estavam desarmados. Eles precisavam fazer isso. Tinham a coragem do soldado na guerra. Lutavam por uma causa maior. Era o que importava. Chegaram no final da rua. Dois homens estavam de vigia, em pé, no meio da rua. Eram dois homens fortes. Os dois com um black power bem grande e penteado. E claro, como você perceberia, eles eram negros. A cor deles também dizia quem eram. Sua alma. Eles estavam com uma ak-47 cada um. Segurando com muita força. Dava para perceber o suor na arma. Estava muito calor. E eles já estavam ali há muito tempo. Os brancos chegaram perto.
- O que vocês brancos estão fazendo aqui? – perguntou um negro.
- Queremos falar com o seu líder. – respondeu o branco.
- Você acha que vamos deixar vocês passarem?
- Nós viemos aqui desarmados, como você pode ver. Temos um assunto em comum para discutir.
- Nós estamos em guerra. Só não atiro em você agora, pois a covardia não faz parte de nossas tradições.
Eles estavam em guerra. Como sempre, usaram as diferenças para construir os inimigos. Brancos contra negros. Já se tornaram mais que raças. Mais que cores. Eram exércitos. Lutavam por uma causa maior. A eliminação do outro. Apenas assim, a paz que tanto desejavam chegaria para a nova sociedade que ia surgir, fosse ela negra ou branca.
- Nós também não somos covardes. Existe uma situação que eu e seu líder precisamos discutir. É uma situação à parte da guerra. Vai contra os meus valores. E tenho certeza que também os seus. – diz o careca.
- Está bem. Nós vamos levar vocês até lá. Mas, se tentarem alguma coisa, atiraremos sem hesitar.
- Tudo bem. – concordou o careca.
Eles começaram a andar. E logo, chegaram em uma praça. Muitos pais brincavam com seus filhos no parquinho da praça. Todos negros. Todos felizes. Uma estátua imensa do Malcolm X estava no meio da praça. Ele estava com a mão esticada e o dedo apontando para frente. Em baixo, estava escrito, “Malcolm X, um dos grandes heróis da luta para a construção de um mundo negro. Em frente, meus irmãos”. Em volta da praça, estavam vários homens armados, preparados para a ação. Havia um museu da repressão branca, onde contava toda a história da escravidão negra e da diáspora africana. Escolas onde a educação foi toda repensada para a construção da nova sociedade negra.
Eles passaram pela praça. E chegaram em um prédio. Subiram alguns degraus. Mais homens armados. Uma porta se abriu. Um homem negro estava sentado em uma cadeira. Com o seu black power exemplar. Fumava um cigarro. E estava cercado de homens armados.
- Os brancos aqui, querem falar com o senhor.
O homem fitou os olhos dos brancos. E calmamente disse.
- O que vocês querem? Falem rápido e depois saiam.
- Quero oferecer uma trégua. – falou o careca.
- Uma trégua? Estão ficando sem forças?
- Não é isso. Deixe me explicar.
- Então explique.
- Não sei se você ouvir falar das duas bichas que moram na zona de conflito.
- Não ouvi falar.
- Eles estão nos atacando no ponto fraco. Estão dando abrigo e cuidados para os desamparados da guerra. Tanto negros quanto brancos. Estão dizendo a eles que nossas cores, tradições, nossas histórias não existem. Estão deturpando o que acreditamos. Essas bichas estão destruindo nossos valores. Precisamos fazer alguma coisa.
- Eu entendo. E concordo com você. Precisamos eliminá-los.
- Sim. Para isso, precisamos de uma trégua.
- Compreendo. Temos uma trégua.



O dia amanhecia outra vez. Havia acabado de acordar. Estava com um sorriso no rosto. Uma felicidade que invadia junto com a luz do sol. E entrava em sua vida, como entrava pelo quarto. Outro homem apareceu na porta do quarto.
- Eu fiz seu café da manhã.
- Obrigado. Já vou descer para comer.
Eles eram um casal. E claro, como você perceberia, eles eram gays. O problema era que um era branco e outro negro. O que complicava ainda mais as coisas para o mundo. O colorido de tudo em volta era o que eles viam. É difícil contar as cores. Distingui-las. Quando você está nesse estágio. Quando você não dá nomes às cores. Apenas as vê. Cada hora de uma forma diferente. Em transição. E tudo muda de cor. E a cor muda de forma. Ele desceu. Havia uma sala. Com várias camas. Já estava cheia de gente. Algumas mulheres, alguns homens, mas a maioria crianças. As maiorias das crianças tinham perdido seus pais. Cada dia que passava, mais pessoas chegavam. Pedindo ajuda. Tinham perdido tudo, ou todos. Lá estavam negros e brancos. Alguns se toleram, outros não ligavam. Alguns queriam sair dali rapidamente. Não aguentavam. Ignoravam que o casal que o ajudavam era gay. Eles são gays, mas estão nos ajudando. Alguns não aceitavam e iam embora. O café da manhã estava pronto. Todos comiam na mesma sala onde dormiam. O casal discutia que estavam ficando sem espaço, precisavam de outro lugar. Eram tempos difíceis. Havia alguma coisas neles. Alguma força. Todos percebiam. Ninguém sabia de onde vinha. Eles não reclamavam. E faziam com gosto. Ninguém entendia. Davam beijos na frente de todos. As pessoas tentavam evitar. As crianças eram as que menos se importavam. Brincavam o dia todo. E adoravam os dois. Eles contavam histórias engraçadas, faziam brinquedos malucos de madeira e outros materiais e se fantasiavam de tudo. Eles queriam que a guerra acabasse.



- O que está fazendo aqui moleque?
- Só estou olhando, tia.
Ele era um menino. Um menino negro. Sujo e maltratado. Sozinho. Olhando com seus olhos arregalados aqueles doces deliciosos que seu paladar nunca tocou. Porém, a dona da loja não queria que ele ficasse ali. Estava espantando os clientes. Ele estava parado, imaginando aquele doce na sua boca. Volto a si com os gritos dela. E saiu caminhando. E foi por ai.
- Hei! Moleque.
Um homem alto, magro, negro e com um black power estiloso o chamou. O menino foi até ele.
- O que aquela branca fez com você?
- Ela me expulsou. Eu só estava olhando os doces.
- Onde estão seus pais?
- Morreram.
- Garoto. Você é negro. Você faz parte da raça negra. Como pode ficar esmolando pela rua? Sem destino e sem educação?
O garoto ficou indiferente. Mas gostou do que ouviu.
- Você sabe que estamos em guerra?
- Eu sei.
- Você tem que lutar no nosso lado. Você tem que afirmar que é um negro. Vamos, vou te levar até onde nós estamos construindo o começo.



Alguns brancos e negros se encontraram. Era hoje. Dariam um jeito nessas bichas.
- O negócio é o seguinte. Nós vamos lá. Libertamos aqueles oprimidos. Cada um leva os da sua cor. Cada um pega um. Vocês ficam com a bicha branca. E nós ficamos com a bicha negra. Certo?
- Certo!
Eles foram andando. Todos fortemente armados. Pareciam que iam enfrentar tanques. Brancos e negros unidos. Andando juntos. Chegaram. Apontaram as armas. Contra esse poder nada se pode fazer. Todos saíram correndo. Alguns não queriam ir, foram mortos. Outros ficaram aliviados por verem outros compatriotas. As bichas levaram uns tapas no rosto e foram humilhados na frente de todos. E cada grupo levo o seu.



Era uma sala escura. E o homem branco e gay estava agora todo ensanguentado sentado no meio dela. Ele era forte. Eles se surpreenderam.
- Como um branco como você pode virar uma bicha?
Nada respondia e levava um soco no estômago. O torturaram por dias. Até ele dizer que ia fazer um tratamento para ser homem de novo. Um homem cristão. Ele aceitaria Jesus e seria aceito. Participaria da comunidade e compartilharia as suas crenças. Logo depois, ele foi visto andando por uma ponte. Foi à última vez que alguém o viu.



O homem negro e gay foi colocado no muro. Com vários fuzis apontados para ele. Ele estava com medo. Pensava no seu no parceiro. Talvez ele estivesse bem. Nã podia pensar no pior. Será que encontraria com ele de novo? E viveriam outra vez?
- Como um negro virou bicha?
- Você é que está dizendo.
- Então, você não é bicha?
- Eu não sou bicha.
- Mas, você namora um homem?
- Sim.
- Tudo bem. Nós podemos dar um jeito nisso. E questão de mudança. Talvez, seja uma doença. Um distúrbio. Uma anomalia. Com certeza, podemos tratá-la. O que mais me intriga é que você não aceita que é negro.
- Você é que está dizendo.
- Então, você é negro?
- Eu não sou negro.
- Olhe para sua cor. Sua cor é preta, não é?
- Sim.
- Então?
- Então, será você, quem decide, o que é o que, e quem é quem?
Ele parou e pensou.
- Se essa é a sua decisão, terei que executá-lo. Se você não consegue perceber a grande importância de ser um negro. Não pode fazer parte da nossa comunidade.
Ele fez um gesto com a mão. Uns homens trouxeram um menino negro. Agora, ele estava limpo, cheiroso e bem arrumado. Estava com um sorriso no rosto. Estava brincando na praça. Com outro gesto o líder o chamou.
- Bom garoto. Acho que você já tem idade para saber o que é ser um negro nesse mundo. Traga a arma.
Trouxeram uma pistola. Era bem leve e de fácil manuseio.
- Está vendo aquele homem ali. – E apontou com o dedo.
O menino afirmou com a cabeça.
- Você acha que ele é um negro. Um igual?
O menino afirmou com a cabeça.
- Eu sei que na aparência ele se parece conosco, mas ele não é um negro. Não tem o espírito negro que os nossos antepassados lutaram tanto para conseguir. Para deixar esse legado para nós. Ele não tem a nossa alma. Entendeu?
O menino afirmou com a cabeça.
- Para provar que você é um negro de verdade. Para provar que o seu espírito é negro. Eu quero que você o mate. Mate um homem que não merece viver. Um homem que não se enquadra dentro da nossa sociedade. Você quer que ele seja um estorvo para a nossa nova sociedade que nos aguarda, que estamos lutando tanto para construir?
O menino pegou na arma. Estava tremendo todo. Tinha que fazer. Ele era negro. Sabia disso. Tinha orgulho disso. Todo o sentido da vida dele estava relacionado com a sua cor. Ele era feliz agora. Não era mais maltratado. Sem isso, ele não era nada. A cor formada todas as suas características humanas. Era a sua alma. Seu espírito. Mataria e morreria por ela. Como já fizeram muitos.



Nos últimos minutos de vida, dizem que a vida passa como um filme. Mas, não foi assim com ele. Apenas algumas palavras que ficaram na sua cabeça. Queria que todos os escutassem. Queria que todos o entendessem. Para ele, não era mais um mistério. O colorido de tudo em volta era o que ele via.

Eu queria apenas ver
além de duas cores.
Eu queria apenas amar
além de dois sexos.
Eu apenas queria sentir
a vida além desse mundo
Será que nós conseguiríamos?
Quem nos impediria?
Quem atiraria?

A trégua acabou. A guerra recomeçou.