domingo, 29 de novembro de 2009

Bêbados anônimos

"Todo grande escritor está sempre escrevendo o mesmo livro." Gabriel Garcia Márquez
Compreendi essa frase no momento em que terminei de lê-la.



Era feio. Míope. Usava um óculos bem estranho. Era fininho e com uma lente bem grossa. Era gordinho e não estava em forma como todos esperam. Havia aquela expressão de passividade em seu rosto pequeno. Com certeza, você não o acharia atraente. Faria aquela expressão de nojo quando ele passasse. E não daria a mínima chance dele falar qualquer coisa. Mas não foi isso que fez me interessar por esse individuo de uma hora para outra. Estávamos todos no bar. Não sei se todos, mas algumas pessoas. Havia pessoas que eu não conhecia. E toda hora pediam uma garrafa para aliviar a sede e o prazer dos que estavam esperando por isso a semana toda. Os copos sempre cheios, como tinha que ser. E então, ele me aparece. Com uma tristeza que arrepiava o meu alívio. Com uma frustração que invadia o meu espaço. Com os olhos cheios de água, daquelas que não aceitam cair em qualquer lugar. E diz que ama aquela garota. Apontou para ela. Ela estava pegando alguém. Entendi na hora. Acho que já tinha entendido. Não dava para negar que sentia o mundo dele desabar. E insistiu em falar do amor com um bafo de álcool e o um coração partido. Depois da decepção, vem logo o sentimento do foda-se tudo. Fada-se o mundo! Fada-se ela! Foda-se! E a raiva segue o seu percurso. Eu disse que era assim mesmo. Deve-se sofrer de amor pelo menos uma vez na vida, para saber que está vivo. Ele olhou para mim. Nesse instante percebi que ele tinha olhos bem negros. Difícil de perceber com os óculos a vista. Ele disse que todas as vezes que amou, sofreu. E não aguentava mais. E todas as mulheres que amou, nunca perceberam que ele estava ao seu lado escondido o tempo todo. Nunca souberam nem mesmo seu nome. Ele era à sombra delas. Amando-as à distância. Elas nunca souberam que foram amadas. Nunca perceberam que ele existia. Como poderia falar de algo tão intenso em tempos tão frágeis? Pediram mais cerveja. Os copos estão cheios, como tinha que ser. Como poderia falar do trem da loucura para pessoas tão sãs de seus caminhos? Disse que não sabia porque a amava. E não queria mais tentar compreender. Iria enlouquecer por expressar o amor em palavras vagas. Eu disse que entendia. Falei que ele iria esquecê-la. Sabia que era mentira, mas não sabia o que dizer. Ele disse que nunca esqueceu nenhuma. Lembrava de todas. Lembrava de como era amá-las. Essa lembrança fez aparecer um rápido sorriso no meio de olhos cheios de água e sentimento. Olhou para ela. Estava tomando a sua cerveja. Não sabia explicar direito. Era algo tão diferente de tudo o que vivemos. Eu disse que era para ele dizer que a amava. Ele queria gritar para o mundo. E que todos deixassem tudo de lado para amar uns aos outros. Caímos em gargalhadas gostosas. E mais cerveja chegava. Os copos sempre cheios, como tinha que ser. E o amor chega a ser uma palavra tão esquecida. Enquanto ele falava, eu também lembrava. Ele não parava de olhá-la. E como queria dizer que ela era uma mulher. A mulher que ele amava. Nunca a faria sofrer como ela, sem saber, sempre o fez. Seguraria suas lágrimas quando elas teimassem em cair. Abraçaria de um jeito doce e ao mesmo tempo forte quando ela não aguentasse as suas pernas. Quebraria seu ego em várias partes sufocantes que sumiriam quando ela sorrisse para vida. Ele tentava explicar. Mas, era difícil de começar. Ele começou a chorar. E confessou que não sabia porque estava falando isso tudo para mim. Ele não me conhecia. Na verdade, era a primeira vez que nos vimos. Os copos estavam vazios. E queríamos pedir mais cerveja. O bar já estava fechando. Ele disse que ia para casa e perguntei o seu nome. Eu disse que entendia e que ele não estava sozinho quando foi embora. E enquanto ele ia, eu dava um riso meio bobo e percebia que ele era só mais um dos que amam nesses tempos do cólera.

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