sábado, 30 de maio de 2009

O alto da montanha

Nós nos abraçamos,
mas o medo chegou logo,
aos poucos, nos afastamos
E ficamos nos olhando.

E ficamos nos olhando...

Escalando a montanha
com fome e e sede
cansado e sem forças.
Pedras e pedras.

O vento gelado
bate na nuca
arrepia meus cabelos
me apresenta ao frio.

No alto da montanha
talvez possamos tocar no céu.
Será a sensação de voar.
Mas ninguém chegou ao topo.

Ninguém chegou ao topo.
Porque nós conseguiriamos?

Você aparece de repente ao meu lado
e está sorrindo,
então se joga no ar.
Era uma fumaça de cigarro
saindo dos meus lábios.

As pedras pontudas
ferem minhas mãos.
Dá vontade de se jogar.
Porque continuar?

Os poucos e fracos raios solares
que atravessam todas as barreiras
me lembram o calor do meu corpo
das paixões desse pequeno coração.

Você aparece de renpente ao meu lado
e sorrindo se aproxima,
se joga dentro da minha boca
rasgando como whisky sem gelo.

São só alucionações
de quem já foi louco.
São só ilusões
de quem já amou.

As pedras pontudas
ferem minha mão.
Da vontade de se jogar.
Porque continuar?

Você aparece de repente ao meu lado
com seus meigos olhos.
Eu não confio mais neles.
Eles não me enganam mais.

Então, continuo a subir.
Entre sentimentos pedrificados,
lágrimas congeladas
e com os pés descalços

sempre descalços...

E no alto da montanha cheguei.
consegui te ver lá de cima.
Você corria desesperadamente
para bem longe daqui.

desaparecendo no horizonte...

domingo, 17 de maio de 2009

Homem morto andando

Quando tudo que você ama
cai como folhas amarelas no outono.
Elas estão caindo...
Uma a uma.

Eu sou um homem morto. Hoje, vou encontrar a morte. No meu quarto, eu me preparo para esse momento. O destino vai me apresentar a ela. Não sei o que vou dizer. Não vai ter nada para dizer. Estou nervoso. A navalha na minha bochecha raspando cada fio de barba. Passo a mão. Está perfeita. Comprei o terno mais caro que seus olhos podem ver. Cada braço se encaixa perfeitamente com a manga. Um terno cinza. Gravata cinza. Acho que o cinza é a cor da morte. Acho que ela vai gostar. Cabelo penteado. Prepara duas malas prateadas. Colocando nelas coisas que vai precisar pelo caminho. Mão na maçaneta. A porta é aberta. Não tem volta.
Comecei a andar. É uma calçada comum. Pessoas passam. Para lá e para cá. Cada passo, mais perto. O sol ainda não se pôs. Ao longe, uma pessoa passando. Não era qualquer pessoa. Essa me conhecia. Minha mulher.
- Raul?
- Sou eu.
- Estava procurando você.
- Não temos nada para conversar, Micaela.
- Como não temos nada? Onde você esteve?
- Por ai.
- Nada mais interessa para você, não é? – pergunta Micaela.
- Nada mais. Eu sou um homem com um único destino agora.
- Qual?
- A morte.
- Porque você está fazendo isso?
- Micaela, nós não temos mais nada.
- Mas, eu te amo. – diz Micaela.
- Talvez eu tenha te amado, mas você se nega a sentir o cheiro da carniça. Não percebe? Não há mais nada para mim aqui.
- Raul?!
- Eu já me acostumei com o cheiro. Porque não me esquece? – diz Raul.
- Eu te odeio. – diz Micaela.
Ela começa a chorar, saindo igual ao um furacão, batendo o ombro no peito de Raul. Ele olha para trás até ela sumir. Não tem volta. Eu sei o que tenho que fazer. Eu tenho certeza absoluta do que fazer. Está como um concreto de milhares de toneladas na minha cabeça. Pesa. Mas você sempre tem força para carregar. Ainda falta muito. Preciso continuar. Um passo de cada vez.
Andando, chego em um beco. É aqui. Está escuro, com poucas faixas de luz, apesar de ser dia ainda. Uma porta no final do beco. Deve ser o lugar. Entro com vontade. Determinado. Uma loja de armas clandestina. Pequena. Imunda. Uma mesa velha no meio do recinto com algumas pistolas repousadas. Um velho homem, de pele escura, se balançava na cadeira de balanço e fumava seu cachimbo freneticamente. Pausando só para me dirigir à palavra.
- Não interessa quem é você, mas o que você quer? – diz o velho.
- Eu preciso de uma arma.
O velho esboçou um sorriso, com apenas dois dentes, mas de ouro.
- Eu tenho essas pistolas. É só dizer a que você quer.
- Eu já sei qual que eu quero. Esse trinta e oito aqui. – Apontou para o trinta e oito meio enferrujado, na quina da mesa.
- Essa é a preferida dos assassinos. – Agora, o velho deu uma gargalhadinha. – Vai matar alguém, filho?
- Vou.
- Que Deus tenha pena da alma dele. – Mais uma gargalhadinha.
- Então quanto é?
- Oitenta reais.
- Tudo bem.
Colocou uma das malas na mesa. Abriu. Vários pacotinhos de dinheiro. Tirou uma nota de cem. E jogou na mesa.
- Pode ficar com o troco. – Pegou a arma, jogou dentro da maleta. Saiu. Continuou andando.
Lá fora, um frio amargo batendo contra seu rosto pálido. Da escuridão de uma sombra pulam dois lobos. Lobos cinzas. Cinzas da vida que já queimou, da vida que sobrou. Dentes afiados. Raiva em seus olhos. Preparados para o ataque. Com fome de carne fresca. Com fome do que resta.
- Vocês são a morte? – pergunta Raul.
O silencio das palavras nunca ditas.
- Pensei que minha morte não fosse dolorosa.
Os lobos correm em direção a ele. Não reagiu. Não se mexeu. Mas sentiu as mordidas. Sentiu o cheiro do sangue. Sentiu a dor. Eu vou morrer. Fechou os olhos. Sempre fechava. Não queria ver o que iria acontecer. Ele nunca quis ver o que acontecia. De repente, não sentiu mais nada. Os lobos sumiram. Porque não morri? Então, se levantou. Vou continuar.
Caminha pelas ruas cada vez mais vazias. Estava chegando à noite. Segurava as duas maletas bem forte. Uma luz vermelha a frente. Um homem guardava uma porta. Raul se aproxima.
- Oi, senhor Raul. Pode entrar.
- Obrigado.
Entrando por um corredor escuro com luzes vermelhas fracas. Outro homem o esperava.
- Senhor Raul?
- Sou eu.
- Estava esperando o senhor.
Abriu uma cortina preta que se misturava com o ambiente escuro. Várias mesas. Muitas mulheres seminuas dançando em postes de luz. Várias notas de dinheiro espalhadas pelo chão. Homens jogando dinheiro no ar. Outros caindo bêbados das cadeiras. Muita gritaria. Dava para ver outro corredor escuro com poucas luzes, onde alguns homens entravam abraçados com alguma mulher. Nesse instante, um homem, no meio da sala dava “tapinhas” na bunda de uma das mulheres que apenas rebolava exaustivamente. Todas as mulheres estavam muito maquiadas. Outro rodava um sutiã que ele tinha roubado e jogava para o ar, enquanto os outros corriam atrás. Um bar. Vários drinks e bebidas saindo a cada minuto.
- Bom, senhor Raul. Ali está o bar. Peça o que quiser. Está vendo aquela mesa ali.
- Estou.
- É a sua mesa reservada. Pode escolher qualquer garota. Ela fará o que quiser. Aquele corredor escuro tem vários quartos para uma maior privacidade. Que o seu pau aproveite a estadia. Alguma dúvida?
- Não.
- Então, tudo bem.
- Obrigado.
Raul foi direto para o bar. Observou as bebidas expostas. Cruzou os braços sobre o balcão e colocou as maletas no balcão.
- Oi, Eu quero uma dose do whisky mais vagabundo que você tiver.
- Sim, senhor.
O barman abaixou e pegou uma garrafa de whisky sem rótulo. Toda branca em contraste com a cor amarronzada do whisky. Abriu devagar. Ele virou as costas e trouxe um copo redondo, típico copo para se tomar whisky. Derramou lentamente.
- Pode encher o copo – disse Raul.
O barman olhou pra ele. Encheu quase até o topo do copo.
- E pode deixar a garrafa aqui em cima.
- Tudo bem. – disse o barman.
Com um gole rápido tomou a primeira metade do copo. Sentiu sua garganta rasgar. A sensação que queria. Seus olhos começaram a observar o local. Estava procurando uma garota. Olhava para todas, mas depois se perdia. Tomou o que tinha sobrado no copo. Encheu até o topo do copo dessa vez. Um toque no seu ombro. Olhou para trás. Uma mulher. Linda. Corpo escultural. Foi encomendada especialmente pela casa. Lapidadas por máquinas e processos químicos. Nem Deus conseguiria fazer melhor. Tudo bem, Deus fez. Mas modelamos perfeitamente. Era ela...
- Posso tomar um pouco? – ela pergunta.
- Claro. Barman traga outro copo.
O barman trouxe o copo, e Raul serviu a linda mulher.
- Pode encher o copo. – ela disse.
- Está bom.
Foi até o topo. Ela tomou tudo em uma golada. Raul ficou surpreso.
- Pode encher de novo para mim?
- Claro.
Foi até o topo de novo. Os dois viraram o copo.
- Então, eu tenho duas coisas especiais para você. – disse Raul.
- O que?
- Estão nas minhas maletas. Que tal, nos irmos até um lugar mais calmo? Quanto você custa?
- Eu sou a mais cara da casa.
- Não importa o preço. Eu pagarei.
- Está bem. Venha comigo.
Ela segura a gravata dele, e vai conduzindo-o até o corredor escuro com luzes fracas vermelhas. Vários quartos com portas fechadas. Muito gemidos, gritos, tapas. Mas o último não tinha ninguém. Os dois entraram. Raul repousou as maletas na cama. Com uma leve batida, ela abriu. Tirou uma seringa. Um saco com cocaína. E outro com heroína.
- Hoje, vamos tomar um speedball. Você nunca tomou nada como isso na vida. – diz Raul.
- Parece bom.
Misturou a cocaína com a heroína. Delicadamente. Fez várias carreiras.
- Então, vamos começar.
Ela levou o seu nariz até a mistura e cheirou uma carreira. E logo, ela sentiu. Sua cabeça girar. Raul tirou a camisa e o terno. Cheirou uma carreira. Nunca tinha tomado nenhuma droga pesada assim. Não alguma ilegal. Cheiraram todas carreiras.
- Agora sim, baby! Vamos lá! – diz Raul.
Ela começou a tirar a roupa violentamente. Soltou um grito. Depois uma risada histérica. Tudo em volta de Raul começava a se desmanchar. Estava tudo borrado.
Ela colocou as mãos na parede. Ficou toda aberta. Tudo aberto. É só entrar. Raul já tinha tirado a calça.
- Eu sei onde tenho que enfiar o meu pau! – grita Raul.
Começou a rir histericamente. Seus sentidos estavam ruins, mas como bêbados, sempre encontram o caminho. Colocou as mãos no tronco dela, então encontrou o porto seguro. Prazer absoluto. Meu Deus. O corpo estava leve. Ela gemia. Ela gritava. Tirou as mãos dela. Mexia o quadril e nada mais. Ficava olhando para o lado. Tudo rodando. Várias luzes vermelhas queimavam os olhos. As paredes iam me esmagar. Isso era a morte! Só podia ser. Voltou a rir histericamente. Os dois começaram a vomitar, ela na parede, ele nas costas dela. Vomitavam para todo o lado. Pintaram o quarto. Não se importaram com o cheiro. Raul fechou os olhos. Eu morri. Caiu na cama. A mulher caiu no chão e começou a nadar no vomito. Ria histericamente. Seu coração foi parando de bater. Até não respirar mais.
Mãos e pés livres. Movimentos ondulares agitam a água. No fundo do lago só existe a escuridão, nenhuma luz se atreve a chegar até aqui. Os movimentos parecem não dar em nada. Nado esperando chegar à superfície, mas ela nunca apareceu. Já não respiro faz um tempo. O desespero aparece, mostrando sua face. Os movimentos cada vez mais rápidos, cada vez mais inúteis. Eu luto. Contra o que? Meus pulmões estão se enchendo de água. Até que minhas forças não são mais as mesmas, vai se extinguindo como a chama de um isqueiro, se apaga. Meu corpo nu parado na água começa a boiar e flutuar até a aguardada superfície. Dá para ver o céu, a lua, as estrelas e até acho que respiraria o ar, mas não posso mais. A agonia de ver meu corpo ali parece à morte, mas é só mais um pesadelo.

Bucetas com nome
me convidam a entrar.
Mulheres sem nome
perdidas no ar.

Dois corpos mortos no quarto
com movimentos espáticos
disseram um para outro
suas últimas palavras.


Tudo o que você é.
Está na palma das minhas mãos.
Eu vou te dar tudo.
Ria histericamente.

Raul acordou com o cheiro de vomito pelo quarto. O corpo da prostituta estava caído em um canto do quarto. Não teve a coragem de tocá-lo, presumiu que estava morta. Vestiu a roupa que estava em cima da cama. Colocou o sapato e tentou não se sujar com o vomito espalhado. Pegou as maletas, arrumou tudo direito e saiu do quarto. Andou rápido. Passou por todos sem dizer nada. Saiu. Continuou andando.
Já era noite. Uma casa a sua esquerda chamava a atenção. Olhou pela janela. Crianças trabalhavam. Algumas colavam sola de sapato, outras costuravam vestidos. Elas não paravam. Não olhavam para fora. A concentração estava voltada para o trabalho de tal forma que nem uma bomba os incomodaria. O som de passos rápidos surgia do próximo beco do lado da casa. Um garoto pareceu. Um menino negro. Com olhos negros. Ele esbarrou em Raul.
- Moço, me ajude. O homem vai me pegar.
- Porque eu ajudaria você?
- Porque... Moço acho que você ainda não está morto.
Um homem saiu do nada do beco gritando.
- Vem cá, seu negro filho da puta!
Pegou o garoto pela gola da camisa. Com um pau, feito de madeira construído especialmente para esse tipo de coisa, bateu no braço do menino, causando uma dor imensa e fazendo o cair no chão. Arrastou o menino pelo outro braço até a porta dos fundos da casa que dava para o beco. As lágrimas do menino ficaram na calçada. Seus olhos imploravam ajuda. Continuei andando.


Moço olhe para mim.
Eu preciso de ajuda.
Moço, não me deixe aqui.
Ele vai me pegar.


A vontade curiosa tinha me conquistado. E espiei de novo pela janela da próxima casa. Um homem e uma mulher. Parecem casados. Discutindo, claro. O homem deu um tapa no rosto da esposa. Não escutava o que diziam, talvez não quisesse. Ele apontou o dedo para ela, alertando-a. O marido pegou uma bandeira e saiu da casa. A raiva da mulher chegava até a janela. Ela pegou uma faca, gritou e depois chorou. Continuei andando. Logo na frente, encontrei o marido dela, balançando uma bandeira com as seguintes palavras “Vamos lutar pela paz”. Era uma passeata pela paz. Várias pessoas andando, com roupas brancas e vários gritos pela paz. Eles vinham de uma rua perpendicular a minha. Do outro lado, os tanques aparecem. Soldados marchavam, fortemente armados. Os tanques começaram. As balas voavam. Um a um. Os corpos desmoronavam. O sangue jorrava nas letras de paz. Eu apenas observava tudo aquilo. Todos mortos, nenhum sobrevivente. O comandante saiu do tanque. Desceu para a rua.
- Muito bem rapazes!
E todos retribuíram com um grito, levantando as armas no ar.
Raul se aproximou do comandante.
- Comandante, porque matou todos eles?
- Eles eram os inimigos.
- Mas quem são os inimigos?
- Todos que estiverem contra nós e não estiverem satisfeitos com o que nós fazemos. Espero que você esteja satisfeito. Continue assim.
Os soldados correram para os corpos. Eles se abaixavam e cheiravam os corpos. Colocavam as mãos no sangue, tocavam a pele e cheiravam com afinco. Eles se deliciavam.
Raul olhava tudo aquilo.
- Comandante, o que os soldados estão fazendo?
- Oras, eles estão tomando a droga da morte. É assim que eles conseguem continuar. Porque não experimenta?
Depois de um tempo, o comandante ordena.
- Vamos soldados, já está na hora de irmos.
Então, todos se vão. Para outra guerra. Para mais mortes conquistar. Os corpos ficam espalhados pela rua. A esposa sai de casa. E corre em direção ao marido. Ela começa a cheirar corpo e esfregar a mão nele. Ela se lambuzava no sangue. Algumas pessoas que estavam fumando crack na outra rua deixaram o copo de guaraná natural com pedras de crack cair no chão e também correram para os corpos. Todos estavam no êxtase. Eu me aproximei. Parei em frente ao um corpo. Eu abaixei. Olhei para ele. Talvez isso seja um passo para morte. Porque não provar? Respirei fundo e passei as minhas mãos no frio corpo nu daquela mulher que eu não conhecia.

Não posso negar.
A morte é o melhor prazer que há.
Se vocês ainda vão buscar.
É só chegar mais perto.

Corpos no chão.
Cheiro de sangue.
Droga viciante.
Quero outra dose.

Depois que você provar.
Do que mais vai precisar?
Vamos nos drogar.
Vamos lá, vamos matar.

Tudo o que você é.
Está na palma das minhas mãos.
Você quer se drogar?
A melhor droga eu vou te dar.


Estou com cheiro de sangue. Será que tem o mesmo cheiro que o meu? Estou rindo histericamente vendo um corpo queimar. Mas também da vontade de chorar, mas ela é pequena, quase imperceptível. As gargalhadas ganham facilmente. Eu vejo o corpo gritar. Pedindo para sobreviver mais um pouco. Mas ele merece morrer, pois eu decidi. Essa droga não vende por ai. Eu só a consigo assim. Eu estou doidão. Como isso é bom. Não sei nem quem era, mas ele está me dando mais prazer do que uma vadia. O corpo de tão quente, vira cinzas. Nunca quis saber seu nome. Apenas jogue as cinzas fora. O efeito da droga já passou.
Raul se levanta. Pega as duas maletas que deixou cair e não percebeu. Continua andando cambaleando. Meio atordoado. Segue pela rua onde deveria ir. Tenta enxergar, mas tudo está embaçado. Dá uns tapas na cara. Abre bem os olhos. Segue. Para. Coloca a mão na parede e respira um pouco de ar. Melhora. Segue. Mais para frente tem um homem negro vindo em sua direção. Ele chega. Para. Os mesmos olhos negros. Ele pega uma pistola escondida na cintura e aponta para Raul e diz.
- Passa a maleta com dinheiro.
- Você é a morte?
- Não. Passa o dinheiro, porra!
- Tudo bem. Não preciso mais dele.
Raul entrega maleta com o dinheiro para o homem.
- Porque você não me ajudou quando precisei?
- Não sei. – diz Raul.
- Parece que você está morrendo...
Rapidamente, o homem sai andando rápido. Raul olha para trás. Um policial passa por ele correndo. Aponta um fuzil para o homem.
- Pare ai! Diz o policial.
O homem para. Fica imóvel. O policial chega perto. Eu observo tudo.
- Aonde você vai com esse dinheiro, rapá?
- Eu não sei seu guarda.
- Esse dinheiro é meu.
Mais de trintas tiros no peito do homem que já foi um menino. Mais um corpo no chão. Será que alguém vai se lembrar dele? Será que alguém sabe quem ele é? O policial pega a maleta.

Esmagarei os sonhos dos meninos
Que nascem com o mesmo destino
O que você pode fazer?
Eles são e sempre serão meus.

Na mesma hora, um homem com terno elegante, cheiro de perfume caro e fumando charuto cubano aparece.
- Policial, esse dinheiro é meu. – constata o elegante homem.
- Desculpe, senhor.
O policial entrega a maleta.
- Esse dinheiro vai ser usado na minha campanha para a presidência.
O homem elegante abre a maleta e começa a jogar o dinheiro para o alto. As pessoas surgem do nada. Muitas pessoas. Parecia um instinto natural humano. Elas corriam. Elas brigavam entre si. Disputavam o espaço e as notas que caiam. Elas estavam com fome. Eram lobos de olho na presa que passavam calmamente, sem saber que morreria naquele momento. Elas rosnavam umas para outras. Encaravam-se. E atacavam-se. Com raiva nas atitudes. Um apelo simbólico pela sobrevivência. Os mais fracos sempre são descartados. Eles sempre têm dificuldade na sobrevivência, se é que sobreviverão.
- Votem em mim! – gritava o político. – Votem em mim!


Dinheiro...
Eu te quero só para mim.
Vem para junto de mim.
Me da todo o seu sabor.
Você é especial.

Dinheiro...
Minha refeição do dia-a-dia.
O sentido da minha existência.
A perfeita sincronia de Deus.
A felicidade eterna.

Tudo o que você é.
Está na palma das minhas mãos.
Se é dinheiro o que você quer.
Dinheiro você vai ter.


As televisões ligam sozinhas nas lojas. Dizem para votar com consciência. Votar certo. Anunciam mais uma morte esquecida. Falam sobre a evolução da humanidade, dos futuros projetos tecnológicos que facilitaram a vida moderna, ou farão o homem tocar o solo de marte. Assassinatos, assaltos, genocídios e chacinas. Vem tudo do mesmo lugar. Ninguém vai desligar a televisão essa noite. Parecem que as noticias tristes estão bem longe daqui. Depois deve passar um programa de humor. Continuo andando. As pessoas continuam andando.
Devo estar chegando. As ruas cada vez mais vazias. Uma garotinha com uma caixa cheia de balas para na minha frente.
- Eu não tenho mais dinheiro, menina.
- Eu não quero dinheiro.
- Então o que você quer?
- Eu quero um pouco de felicidade. – respondeu a menina.
- Também não tenho isso.
- Nem um pouco no bolso?
- Não. – responde Raul.
- Então pode me dar um abraço? – Os olhos dela parecem esperançosos.
- Se eu não te der um abraço. Você vai se esquecer de mim? – responde Raul.
- Não, mas você vai me magoar. Tenho certeza que você não vai se lembrar de mim.
- Eu não sei. – diz Raul.
- Se você me der um abraço. Nós podemos passar por isso juntos. – diz a menina.
- Você não pode passar por isso. Ainda é muito nova.
- Parece até que você se importa comigo.
- Eu não sei. – responde Raul. – Acho melhor você...
A menina não ouviu e o abraçou. Por um momento, Raul não teve reação. Não resistiu e a abraçou. Era tão bom. E lembrava.
- Obrigada – ela disse. E saiu correndo.
A menina ia se perdendo no horizonte.
- Obrigado você. – disse Raul.
Uma lágrima chegou aos olhos, mas Raul se recusou a chorar. E continuou. Tinha que continuar. E andou.


Você estava aqui
e estava tão linda.
Você não me esqueceu.
Eu não estava sozinho.

Pensei que se você não encontrasse
a felicidade em mim
procuraria em outro lugar
bem longe de mim.

As pessoas vão pegando
as migalhas de prazer que brotam
de diferentes lugares
para renovar a eterna felicidade.

Porque não compreendemos o mundo
pela visão de dois amantes rolando na areia da praia?

Uma árvore sozinha
com seus galhos vazios.
As folhas levadas pelo vento
para muito longe.


E chegou. Em uma praia. Acho que é aqui. Raul sentou na areia. O mar estava calmo. Raul abriu a maleta. Pegou a arma. Sua mão tremia tanto que a derrubou. Voltou a pegá-la logo em seguida. Olhou para mar. Muito escuro. Nada dava para ver direito. Mas parecia que um homem estava saindo da água. Pisava nas areias e caminhava com astúcia. Então ele veio até mim. Era eu. Era igual a mim.
- Você é a morte? – Raul perguntou.
- Não. Você é a morte.
- Como assim?
- É você que está com a arma.
Raul olhou discretamente para a arma.
- Então quem e você?
- Eu sou sua vontade de viver. Sim, eu ainda existo.
- Veio me convencer a não atirar?
- Não.
- Não? Então eu vou atirar.
- Pode atirar.
Raul encostou a arma na sua cabeça. E sem respirar, apertou. Não aconteceu nada.
- Porque não aconteceu nada? – pergunta Raul.
- Essa arma não tem balas. Você não compro as balas. Eu o fiz esquecer de comprá-las.
- O que você quer comigo? – pergunta Raul.
- Eu quero entender porque você está aqui.
- Não quero mais viver.
- Porque?
- Eu não sei. Talvez esperasse demais de todos. Talvez esperasse que alguém me amasse. Talvez esperasse que alguém me abraçasse. Esperei demais. Agora, finjo não precisar de nada disso. Até que a morte não seja um caminho ruim.
- Entendo. Mas você lembra da última vez que se sentiu vivo?
- Não.
- Não lembra daquele carnaval quando você conheceu Micaela?
Raul apenas ficou parado escutando.
- Quando confetes de alegria imperfeitos de diferentes formatos e cores caiam sobre vocês. Seguiram o bloco que passava. Cantando a felicidade em versos de palavras bonitas que voavam pela multidão. O céu estava com um tom lindo de azul. O sol anunciava que o dia seria longo e dava bom-dia. Era um bom dia para se apaixonar...
Raul não conseguiu conter as lágrimas dessa vez. Já não queria mais segurar. E chorou. E sorriu. E lembrou.
- Depois, vocês rolaram na areia, quando o sol já ia embora e a lua já dava boa noite. E o mar abraçou vocês com várias ondas que nunca paravam. Então, você lembra?
- Sim. – respondeu Raul choramingando.
- Então, você não quer sentir isso de novo?
Raul ficou calado. E viu o sol nascendo. E viu as ondas do mar.
Largou a arma. Levantou.
Voltou pelo mesmo caminho.
Correndo.
Lembrando.
Pensando.
Amando.
Vivendo.

Você estava aqui.
e estava tão linda
Você não me esqueceu.
Eu não estava sozinho.

E agora, vou de encontro a você.
Espero que você ainda esteja lá.
Correrei para te alcançar.
Já não vou mais esperar.

Desculpe por fazer você chorar.
Desculpe por não acreditar.
Perdoe pelo ódio que surgiu.

Eu estou aqui.
Nós podemos passar por isso juntos.

E lá vem ela, a vida.
nas esperanças dos dias futuros
nas lembranças dos dias passados
nos meu sentimentos por você...

No horizonte.
Um pássaro.
com uma semente no bico.
Voa livremente.
Pelo lindo céu azul.