terça-feira, 20 de outubro de 2009

A fumaça de um cigarro

Era uma salinha apertada. Todos estavam meio espremidos uns com os outros. O engraçado é que desse aperto, com as pessoas mais juntinhas, surgiam muitas conversas. Era o local onde os fumantes poderiam saborear o seu cigarro. Eles eram excluídos do restante. Porém acabavam se unindo. Havia dois sofás pretos, um de cada lado da salinha. Muitos pôsteres de propagandas antigas de eletrodomésticos. Uma janela que era a válvula de escape da fumaça, senão todos morreriam com a própria fumaça. Não havia ventiladores, então imagine o calor que faz lá dentro. Era sempre um monte de pessoas a sair e entrar. Eu passei a noite toda nessa sala. Não saia daquele sofá. Meu corpo simplesmente não queria se desfazer do conforto daquele sofá, e sempre ansiava por mais um trago no cigarro. E lá estávamos nós. Eu e meu cigarro. Tinha o tirado do maço há algum tempo e ficava acariciando-o com os dedos. E com os meus olhos eu o desejava. A minha boca ficava molhada. Como eu preciso de você, falei para ele na minha mente. Disse para outros cigarros que ficaram no maço para não terem ciúmes, pois iriam ser tratados da mesma forma. Dessa forma especial. Eu ri de mim. Falando com cigarros, tendo tanta gente na sala. A minha atenção estava toda nesse cigarro. Ele era meu. E iria me proporcionar um prazer. Talvez, me fizesse um favor. Cigarros não falam. Cigarros, nada fazem. Mas, eles conseguem me deixar maluco. E eu já não consigo viver sem eles. As pessoas gritavam, se exaltavam, conversavam, beijavam, dormiam e... fumavam. O silencio do cigarro era como se ele escutasse cada palavra que eu dizia na minha mente. Era incrível. Ele não transbordava nenhuma emoção. Isso me acalmava. Enfim, ia levar a ponta do cigarro aos meus lábios. Com um movimento convincente e penetrante ele caiu na minha boca. Com o isqueiro coloquei brasas na sua outra ponta. E a fumaça foi para os meus pulmões. Era a cura de toda aquela algazarra. Era a sincronia de todas as partes perdidas. E a fumaça saía com a força da água caindo de um penhasco e se misturava com as outras fumaças que havia pelo ar. Eu dava um sorriso de vitória. É uma pena que ele se foi tão rápido.
Então, entrou na salinha, um homem. Vestido calça jeans e uma camisa de alguma marca famosa qualquer. Com um cigarro na mão ele sentou do meu lado. Me pediu o isqueiro. Eu emprestei. Ele começou a puxar conversa. E claro, estragou tudo o que tinha feito até agora. Peguei outro cigarro e não acendi. Ele começou a falar e eu queria que ele fosse embora. Falou que essa noite tinha muitas “gringas” na casa. Porém as mulheres estavam cheias de frescura, ele não tinha pego ninguém. Todos os amigos deles tinham ido embora sem pegar ninguém também. Ele estava bêbado. Eu desesperadamente queria uma cerveja. Ele não queria ir embora. Não podia ir. Como poderia? Sem pegar ninguém? Nunca! Ele disse que ainda tinha esperança, e eu falava que ele ia conseguir. Ele me abraçou e disse que eu era um bom amigo. Eu fiquei aliviado de vê-lo ir embora. Agora, era eu e meu cigarro. Acendi e fumei. E tudo voltou ao normal. Já estava me sentindo melhor. Um amigo meu apareceu. Trazendo uma cerveja para mim. Agradeci, e logo me esqueci dele. Aquela cerveja descendo pela minha garganta em doses homeopáticas era algo muito bom, apesar de não estar muito gelada, isso não atrapalhava. Algumas pessoas começaram a fumar maconha na janela. Pensei que seria uma boa pedir um trago, porém não queria conversar. Alguns seguranças vestidos todos de preto, entravam e saiam da sala, para observar o que as pessoas fumavam. Em uma dessas, o segurança arrastou pelo braço uma menina com um baseado na mão. Todos ficaram assustados por um breve momento, mas depois tudo voltou ao normal. Eu acendi mais um cigarro e fiquei calado. O meu amigo sentou e também acendeu um cigarro. Não vamos para a pista? Disse ele. Eu disse que não. Talvez, depois. Só disse isso para ele não ficar me amolando o saco. Vai ficar parado ai? Perguntou ele. Disse que por enquanto sim. Eu só pensava nos meus cigarros. Não vai chegar em nenhuma mulher? Provavelmente não. Ele disse que eu era chato. Se anima homem! Mas, eu só pensava nos meus cigarros. Seu desanimo para a vida me afeta, ele disse. Mas, ele não entendia. Eu estava bem aqui, porque sairia daqui? Ele se levantou e saiu chateado. Não tive pena dele. Nada me incomodava. Acendi outro cigarro. A noite foi avançando. A sala começou a ficar cada vez mais vazia. E quando mais vazia a sala ficava, mais eu sentia que tudo ia ficar bem. O silêncio era cada vez maior e os meus cigarros me escutavam com mais entusiasmo. A bebida tinha acabado. Não ia pegar outra. Não tinha muito dinheiro sobrando e ir até lá no bar, me dava náuseas. Então fiquei onde estava, até não ter mais ninguém. Fui até a janela. O céu estava em uma mistura de noite e dia. Escuridão e luz.
De repente, uma mulher entra na salinha. Ela senta no sofá e fica calada. Fui pegar um cigarro, mas só tinha um. Era o último. Não desesperei. Poderia comprar outro maço quando estivesse lá fora. Percebi que ela estava triste. Não havia percebido nada em ninguém a noite inteira. Não sei porque disse isso para mim mesmo. Ela está triste. O meu cigarro estava na mão. Eu o acariciava como sempre. Queria que ela saísse da sala, mas como dizer? Seria rude da minha parte. Ela tinha alguma coisa familiar, isso me incomodava. Por alguma razão ainda desconhecida do grande conhecimento humano. Eu a ofereci gentilmente o meu último cigarro. Ela enxugou as lágrimas. Não aceitou. Disse que não fumava. Ela começou a falar, soluçar, chorar e caminhar em volta da sala, depois sentar de novo. Eu escutei. Mas não disse nada. Ela foi para a janela e disse que o céu estava lindo. E mesmo? Perguntei para mim mesmo dentro do meu eu. Olhei para fora e não tinha nada de muito lindo. Se fosse uma pintura de algum artista famoso, com certeza, seria lindo. Eu teria ficado encantado e tudo voltaria ao normal. Acendi meu último cigarro, imaginado as mais maravilhosas obras de arte do mundo. Ela ficava só contemplando aquele céu sem tinta, nem expressão e sem conhecimento algum. Acabei dizendo para ela que era lindo. Ela olhou para mim e disse que eu estava mentindo. E era verdade. Então, disse que era feio. Ela deu um sorriso. Não estava entendendo nada. Ela foi até mim. Agradeceu. E disse uma última coisa: Pare de fumar. Fiquei olhando ela sair. Pare de fumar? Porque pararia? Se eu me sinto bem assim. E fiquei pensando o porque dela dizer isso. Olhei para o céu. Não parecia tão feio. Mas, ainda era feio. Eu dei um sorriso. Será? Não pode ser. Ela gostava de mim. De alguma forma. Amassei o maço vazio e joguei fora. E fui pelas ruas que já estavam bem iluminadas com o raiar do dia. Eu queria entender. Porque eu queria que nós ainda estivéssemos na sala? Porque eu queria continuar olhando aquele céu feio? Com certeza, eu preciso de um cigarro...

Um comentário:

João disse...

Estou eu aqui, lendo, absolutamente satisfeito. Cauê, um escritor maduro. E com estilo.

Juro que fiquei emocionado.