quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

No meio da natureza

Era uma montanha e um longo caminho até o céu. Sabia que ia subir por essas curvas que nem sempre vão para os mesmos lugares e que seu corpo talvez não aguentasse a fadiga. Mas isso era um detalhe que não tinha importância. Ele precisa respirar. E sabia que ia respirar um ar que seus pulmões não estão acostumados. Ia viver sensações que seus sentidos não estão acostumados. E como isso tudo o empolgava. Sabe aquelas coisas que você anseia para fazer e que te dão um ânimo para viver? Essa era uma delas. E bem cedinho ele acordou. Há muito tempo que ele não tinha disposição para acordar cedo. Mesmo estando de ressaca. Mas só de imaginar o que estava por vir, um sorriso já aparecia e toda a disposição do mundo estava ao seu lado. Ele estava fazendo o que queria, o que gostava e isso o revitalizava. Tomou um banho demorado. Colocou uma roupa bem leve, por causa do calor. A persiana do quarto ainda estava abaixada. Mal podia esperar para ver o sol junto com o céu azul e poucas nuvens produzir uma alegria de criança. Levantou a persiana com gosto e viu aquele céu. Parecia tão diferente e igual. E os raios tocarem imediatamente seu rosto. E o calor foi até intenso, misturando com calor do seu próprio corpo. E os olhos se fecharam por causa do sol forte, e ficou só sentindo o calor aumentar. Pegou sua mochila. E tudo o que precisa. Arrumou tudo. Sua boca estava muito seca. Bebeu toda água que pode. Estava pronto. Talvez já estivesse há muito tempo. Encontrou um amigo em sua rua. E lá foram os dois. Pegaram dois ônibus para chegar em uma reserva. E todas as árvores estavam juntas. Pareciam que estavam uma de mão dada com a outra. E fomos em frente, entrando na natureza.
Não existia um silêncio. Era como se fosse um canto. Como se todos os seres vivos presentes cantassem suas canções. Sabe o que era mais incrível? Podíamos ouvir as canções. Cada melodia, suas nuances, leveza e expansão. Estava em todo o lugar. Era muito agradável. E cada um tinha algo para cantar, e cada canção era diferente. Daria para passar o dia inteiro parado só ouvindo o canto de todos. Mas no meu íntimo, sabia que havia muito mais coisas a descobrir. E começamos a caminhar. Para mais perto do céu. E logo começou a perceber que o tênis que usava estava machucando o pé. O tirou. Pisou na terra misturado com restos de plantas e outros animais. Era fofa. Sabia que seu pé estava exposto. Feridas viriam. Mas sentir a terra a cada passada era único. Como era gostoso. Às vezes a terra cobria o pé, em outras o solo era duro e estável. O seu pé já se misturava à lama, terra e todo o tipo de restos de areia. Havia pedras pelo caminho, e seu pé sempre firme em cima delas. Depois de enfrentar algumas pedras de um pequeno córrego, eles chegaram a uma cachoeira. E o vento das águas balançava nossos cabelos e refrescava nossos rostos. Era uma pequena cascata que parecia uma mulher nua e as suas águas caiam com o peso de seus amores, e não se importava com quem estivesse a observando. Na verdade, suas águas seduziam os meus olhos, e me convidam para prová-las. Não resisti e nem queria. Tirei a camisa e deixei as águas dela lavarem minha alma. O lugar era meio fechado, mas dava para ver uma pontinha do céu. Deitei em uma pedra e enfim meu corpo descansava. Bebemos um pouco de água. Logo depois, continuamos. Voltando pelas mesmas pedras que passamos. Já estava criando bolha no meu pé. Mas nem percebia e nem queria. Voltou à terra molhada e fofa, e a pouca dor não aparecia.
Subindo até o céu. Não que o céu fosse um lugar especial. Mas sabe quando alguma coisa te encanta e você quer tocar para ver como é? Era bem isso. A cada passada, um sentimento de êxtase possui meu corpo e uma felicidade feroz invadia a minha intimidade fazendo eu ir pelo o caminho que as árvores apontavam com suas raízes e galhos com leveza e simplicidade. Eu era um bodisatva, não daqueles que se concentram e se excluem de tudo e todos para chegar à iluminação. Mas que sentia que toda iluminação estava de algum modo em tudo e todos, e tentava extrair naturalmente com os sentidos. Os insetos picavam sua pele. Mas nem percebia e nem queria. E em todo o lugar as águas não paravam de declamar poesias de amor, às vezes, até sussurrando no meu ouvido. Escalamos pequenos morros, encontramos vários córregos e um pequeno lago com uma cachoeira. Subíamos até o céu. Cansados e exaustos, mas felizes. De tanto andar, chegamos em uma gruta. Mesmo estando suados, logo que entramos na gruta, um frio intenso arrepiou nossos pêlos e abalou nossa subida. Foi à única vez que lembrei de algo fora de tudo o que eu vivia agora. E com certeza não era uma lembrança boa. Daquelas que nós damos risadas e lembramos com gosto. Era uma lembrança do meu eu. A gruta estava escura, e dava para me ver jogado no canto sentado. Tinha acreditado fielmente em mim que não dei mais atenção aos outros, e a mais nada. Já tinha desesperadamente conseguido todos os prazeres do mundo, e agora a insatisfação não acabava e com ela eu me alimentava. Ficava contando para mim mesmo o que eu já tinha feito. Quando descobriu que ninguém valia a pena, fiquei só comigo mesmo. E nas profundas torturas do seu orgulho, a tristeza escorria para debaixo de um coração fechado em sua própria gruta. E todo esse pensamento me paralisou. Meu amigo me deu um tapa nas costas, chamando minha atenção. Olhei para ele, e saímos da gruta. Perguntei como ele estava se sentido. Ele apenas sorriu. Continuamos subindo.
E o dia cada vez mais lindo, o céu cada vez mais azul. O sol mais intenso e escaldante. Um pouco mais de subida, decidimos parar um pouco. Tinha uma pequena vista que não estava coberta pelas árvores. E de lá, dava para ver uma linda cachoeira que jogava suas águas com a força e se estendia até lá embaixo. Apesar da força, ela descia graciosa. Desviando de seus obstáculos e chegando até o fim. Ficamos parados muito tempo, apenas observando. E aquela vontade de se enroscar com suas águas, que junto com outras cachoeiras e rios declamavam a todo momento versos de suas vidas, emanava do fundo de nossos desejos mais íntimos. Os raios solares tocavam naquelas águas de um modo delicado e doce que refletia seu gesto para todos os lados do mundo. Eles sabiam que estavam sendo observados o tempo todo pelas pessoas que passavam. Eles queriam ser vistos por olhos apaixonados. E não tinha como não se apaixonar por eles. Todos que passavam ficavam surpresos e admirados. Decidimos continuar. E já estávamos perto do céu. Fomos para o ponto mais alto que podíamos. E quando chegamos vimos quem eram os loucos. Um grupo de pessoas estranhas vestidas com roupas mais estranhas ainda não conseguiram se segurar. E estavam dançando uma dança desconhecida que era um agradecimento por todo amor compartilhado por eles nesse lugar que tinha os acolhido. E tentavam imitar o canto de todos os seres dessa floresta. Quando mais nos aproximávamos deles, eles iam deixando de ser estranhos e no meio do ar mágico que surgia, nós abrimos todos as nossas portas fechadas. E tudo o que poderíamos pensar de tudo e deles não caberia mais em nossas mentes. Nessa hora, olhei para o céu. Não era eu que estava tentando chegar a ele. Mas, ele que queria chegar até mim. E quando chegou, me abraçou forte. Como se soubesse quem eu era desde sempre. Como se fossemos grandes amigos de infância. Como se me conhecesse desde a primeira vez que nos vimos. E sem pedir nada em troca, me ofereceu todo o azul que ele tinha.

Nenhum comentário: