sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Escrevendo um poema de amor

Eu olhava para ela. Não sabia o nome dela. Não sabia quem ela era. Ela estudava na mesma faculdade que eu, mas nunca a tinha visto antes. Você acredita em amor à primeira vista? Eu não acreditava, até vê-la com meus olhos, e sentir, nesse exato momento. Como eu posso dizer? Como alguém consegue fazer minhas mãos tremerem? Sim! Elas tremiam. Minhas palavras se esconderem embaixo da minha língua? Sim! Elas se escondiam. Meu coração bater mais rápido e a adrenalina se espalhar pelo meu corpo? Sim! Isso acontecia. Parece à coisa mais boba do mundo, talvez seja. Parece que vou fazer a coisa mais excitante da minha vida! A mais desafiadora! A mais radical! Mais que desgraçada linda! Eu quero ficar perto dela, ao mesmo tempo, eu quero ficar longe. Só de olhar para ela, minha imaginação não parava nem um segundo. Pensava como seria a nossa primeira conversa, nosso primeiro beijo. Espera! Eu nem sei o nome dela! Ela olhava para mim. Será que ela está brincando comigo? Será que ela sabe o que eu sinto só olhando para mim? Será que ela já sentiu amor? O que eu estou sentindo? Será que faz algum sentido? Logo, ela desviava o olhar. Eu desviava o meu também.
Vinícius olhava para seu livro, cheio de palavras afogadas, como numa sopa de letrinhas. Não precisa olhar, seus pensamentos eram dela. Olhando para o horizonte do vazio. Um silêncio tomava conta do lugar, até que uma voz, de longe, ele ouviu. Não dava para entender, porém ela ficava mais forte, se aproximava.
- Vinícius, está ai?
Seus olhos começavam enxergar, era uma pessoa. Reconheceu a voz.
- E você, Leonardo?
- Sim, está tudo bem?
- Está.
As imagens se desembaraçavam e o rosto de Leonardo ficava claro para Vinícius. Não conseguiu segurar, e olhou para a menina de novo, desta vez, Leonardo o acompanhou.
- Ele é muita gata, né? – constatou Leonardo.
- É. – respondeu Vinícius com um tom seco.
- Soube que ela transa com todo mundo. Ela está na minha mira. – diz Leonardo, mostrando um sorriso maroto.
Vinícius esboça uma pequena tristeza.
- Vai para festa hoje? – pergunta Leonardo.
- Não sei, cara. Eu tenho que estudar.
- Estudar? Vamos para festa, cara!
- Eh... Estava precisando tomar umas cervejas mesmo. Estou muito estressado ultimamente. Acho que eu vou. É hoje?
- Não, é amanhã. Acha? Vamos cara! – insiste Leonardo.
- Está bem... Eu vou. – concorda Vinícius.
- Beleza! Então a gente se encontra depois. A festa é na casa do Paulinho, não se esqueça.
- Tudo bem, depois nós conversamos.
- Está bem, falou!
- Falou!
Leonardo desceu as escadas, colocando a mochila nas costas. Vinícius desceu logo depois. Precisava estudar hoje, por causa da festa amanhã. Chegou em casa, almoçou rapidamente, e foi para o quarto, estudar. Estudar era difícil, em tempos como esses. As palavras saiam voando pela janela. Ele virava as páginas, e as palavras cada vez mais se desprendiam do livro. É o estresse. Eu preciso comer alguma coisa. Acabou deitando na cama, e dormiu.
- Acorda, Vinícius! Hoje você tem aula?
- Tenho, mãe! Mas é só de noite. Deixa-me dormir, por favor. Ah... Mãe, eu vou a uma festa hoje.
- Festa? Não vai me deixar dormir hoje?
- Não faça drama.
-Não chegue tarde.
- Está bem.
Fechou os olhos e apagou. Abriu os olhos e acordou. Não tinha dormido tanto. Tomou um café, deitou no sofá e começou a olhar para o teto. Nada para fazer e a angustia acabava tomando conta. Batia a mão no sofá. Os joelhos eram jogados um contra o outro. Vou ouvir música. Colocou os dois fones no ouvido, deitou de novo e ligou o mp3. As músicas faziam os pensamentos viajarem pelas terras mais loucas da sua mente. Tentava descobrir o futuro, mas sempre caia no passado. O passado sempre traz alguma dor. Sempre traz alguma tristeza. E de alguma forma, isso afeta o presente momento. Os pensamentos viajam pelas lembranças. Poderia ter sido diferente? Poderia? Será que isso tem importância agora? São tantas coisas. Estão tão presentes aqui, que parecem que estão acontecendo agora. Será que eu ainda me sinto assim? Meus sentimentos viajam através do mundo. Meu mundo. Um caos. Muitos quadros em branco por toda parte, onde será que coloquei os pinceis? Você pode pensar que é um mundo perfeito. Mas não é. Depois descubro que eu perdi os pinceis, e não lembro onde estão. Eu quero meus pinceis! Sem eles, como vou controlar as cores que aparecem na minha cabeça? Cores malditas! Cores malditas! Vou continuar buscando os meus pinceis. Sei que essa busca vai me fazer infeliz, mas eu tenho escolha? Já tentou deixar suas cores livres? Já está difícil segurar como está, não vou agüentar a liberdade. Você agüenta? Com pinceis, eu posso desenhar cada contorno, eu posso escolher as cores, eu posso pintar o que eu quiser. Qualquer coisa. Eu estou no controle. Isso me faz bem. Será que isso é a felicidade? Será que estou me enganando? Como uma droga que te faz parece bem, mas no fundo, você está muito mal? E quando você percebe que está muito mal, as lágrimas correm pelo seu rosto. As cores fugindo do controle dos pinceis, do seu controle. Um medo de tudo aparece. Corra! Corra! Correndo de tudo. Será melhor correr, do que mostrar que você ainda pode chorar? Mas, por incrível que parece, existem momentos alegres, momentos únicos. Mas esses momentos se vão, e você não consegue correr atrás deles. Corra! Corra! Não consegue alcançá-los. Só resta esperar, que um bom momento aconteça. Mas existem milhões de outras coisas no mundo que tomam o seu tempo. Não dá para parar. Talvez nem venha acontecer de novo. Talvez não aconteça mais. Ficam nas lembranças, que nunca são lembradas. Esses dias estão frios. Um vento gelado na minha nuca. A neve caindo nos meus sonhos. Não me toque, eu estou gelado! Maldito frio! Mas faço tudo o que eu posso para sobreviver, dia após dia. Você sobrevive?
Vinícius observa o relógio, já está na hora de almoçar. O senhor tempo. Escravos do tempo, o que podemos fazer? O problema, talvez, não seja o tempo. Mas o controle sobre ele. O que podemos fazer? Quebrar esse controle? Não dá. Eu não consigo. Você consegue? Todos presos a ele. Horas, minutos e segundos, se apoderam da nossa vida, dos nossos instantes, dos nossos momentos. Porque tudo o que é bom passa rápido, e o que é ruim passa devagar? Maldito tempo! A cada instante, quando as horas no relógio passam, a dor aumenta. Como chicotadas dadas na mesma ferida. Até quando eu vou agüentar? Será que só vai acabar quando o meu tempo se esgotar? O tempo está sempre acabando. Se eu não me importasse, eu estaria fazendo o que eu queria, estaria... Porém eu me importo. O celular toca.
- Vinícius? É o Leo.
- Fala, cara.
- Está em casa?
- Estou.
- Vou passar na sua casa. Preciso falar com você.
- O que é? Fala logo.
- Eu direi quando estiver ai. Falou.
- Tudo bem. Falou.
Vinícius desligou o telefone, colocou o prato, que sua mãe tinha preparado com tanto carinho no microondas para esquentar. A fome devorou o prato em pouco tempo. A campainha tocou. Leonardo já chegou? Olhou pela janela, era Leonardo.
- Oi, cara. – disse Vinícius.
- E ai.
- Eu já vou abrir a porta.
- Está bem.
Colocou a chave na porta e a abriu.
- Entre.
Leonardo entrou na casa, foi logo sentando no sofá. Ele estava com um cara alegre. Eu já sabia o que estava por vir. Com certeza ele falaria de alguma menina que ele pegou. Não sei porque ele tinha que falar isso, mas sempre contava para mim suas histórias amorosas. Como se eu quisesse ouvir. As histórias sempre tinham, o personagem principal, ele próprio. Tinha a princesa, aquela que ele tinha pego. Depois vinha a trajetória, como ele conseguiu esse feito heróico. Então, eu fazia uma cara de “Ohh! Você é sinistro”. O problema dessa vez é que tinha um elemento que me interessava. Um elemento essencial.
- Lembra daquela garota de ontem? – pergunta Leonardo.
Como eu poderia esquecê-la?
- Lembro. – respondeu Vinícius. Essas palavras o atordoaram. Será que ele ficou com ela? Não pode ser.
- Nós ficamos ontem. Foi uma coisa louca. Do nada, estávamos nos pegando...
Essas palavras o machucavam. Vinícius não escutava mais. Fingia prestar atenção aos detalhes dados por Leonardo. Ele estava surfando em outra onda. Todo o calor se transformou em raiva. Ele, simplesmente, sorria e afirmava com a cabeça para Leonardo. Mas lá dentro, parecia que ia explodir. Onde está os meus pinceis? Droga! Eu preciso deles! Obrigado, Leonardo. Eu os encontrei. Como pude perdê-los? Eles estão aqui. Não posso culpá-lo. Ele não sabe o que eu sinto. Ele não sabe o que sente. Eu poderia contar. Não, não poderia. Ele não acredita nisso. Não me entenderia. Alguém me entende? Raiva maldita! Você não é nada sem mim. Não me diga o que fazer. Eu não vou dar bola para você.
- Então, foi isso. – Leonardo acaba de falar.
- Entendo.
- Cara, ela é muito gostosa. Não é uma mulher de se jogar fora.
É claro. Ele exagerava. Ela era linda. Mas uma mulher que tinha um corpo igual das outras. Um corpo normal, talvez um pouco magro, um pouco gordo. Não tinha seios fartos. Também não eram pequenos. Sua bunda se encaixava muito bem no seu corpo. Mas será que ela era só isso, ou tinha alguma coisa a mais? Alguém tem alguma coisa a mais? A vida tem alguma coisa a mais?
- Eu sei – respondeu Vinícius.
- Mas cara, ela é tão fácil que até você pega.
Até eu pego? Ele está me colocando na base da cadeia sexual. O mais fraco dos mamíferos a conseguir fêmeas.
- É – retruca Vinícius.
- Acho que vou ficar com ela na festa. - disse Leonardo.
A raiva apareceu de novo. Maldita raiva! Ela me quer. Está doida por mim. Ela quer me deixar louco. Já me deixou.
- Bom cara. Eu já vou nessa. Eu tenho que encontrar meu pai ainda. Então eu passo aqui depois e nós vamos para festa? – diz Leonardo.
- Eu tenho que tomar um banho para ir para aula. Tudo bem.
- Você tem aula? – pergunta Leonardo.
- Tenho
- Tenta sair mais cedo, para gente não chegar muito tarde.
- Está bem.
- Então, falou.
- Falou.
Acenando ele desceu a rua. Vinícius foi para a aula.
A aula estava chata. Vinícius não tinha nenhuma vontade de assisti-la. A raiva ainda estava com ele. Será que ela vai à festa? Será que ela vai ficar com ele? Tentava não se iludir, parar de pensar, mas não conseguia. Não conseguia evitar. Olhava para o quadro negro. As letras começavam a dançar na sua frente. A letra C dançava com a letra A. Elas pareciam tão íntimas, tão felizes. Conseguia ouvir o que uma sussurrava para a outra. Todas as outras letras começavam a dançar também. Contagiadas pela alegria. Um sorriso apareceu no rosto de Vinícius. Ele ficou olhando, parado, imóvel. De repente uma letra avançou na outra. Então elas começaram a brigar. Vinícius continuou sorrindo, agora em um tom diferente. Todas as outras letras também começaram a lutar. Eu vou dar um soco nele. Ele me mexeu com a minha garota, poderia pegar qualquer uma, porém tinha que ser ela. A culpa é dele. A culpa é minha. Segurou os pinceis. Ele fechou os olhos e balançou a cabeça. Abriu-os. Ainda estava ele, na mesma aula chata.
A aula acabou. Já era hora. Vinícius saiu da sala e andou pelo corredor, tinha uma janela, a noite estava clara. Era lua cheia, e como sempre, estava linda. Verificou o celular, duas chamadas não atendidas de Leonardo. Ele deve estar me procurando. Ligou para ele.
- Oi, Leo. É o Vinícius.
- Até que enfim. Eu estava atrás de você. Onde você está?
- Estou na faculdade.
- Ainda? Vai logo para casa. Quando chegar, ligue para mim.
- Tudo bem. Tchau.
- Tchau.
Vinícius, rapidamente, ia descendo as escadas até que avistou uma mulher sentada no canto da escada, com os braços cruzados por cima dos joelhos e com o rosto sobre as mãos. Chegando mais perto, ouviu soluços de choro. Era ela. A garota. Oh! Meus Deus! O que eu vou fazer? Não posso deixar ela chorando. Segurando meus pinceis com muita força, eu me aproximei.
- Oi.
A garota levantou a cabeça e olhou. Seu rosto de choro era evidente, não conseguia disfarçar naquela hora. Ela respirou fundo.
- Oi.
- Qual é o seu nome?
- Bianca. E o seu?
- Vinícius. Eu sei que você não me conhece, mas porque está chorando?
- Por nada.
- Desculpe, por perguntar.
- Não, tudo bem. Você é o primeiro que pergunta.
- Posso te acompanhar até o ponto?
- Claro, tenho que me arrumar para festa.
- Você vai à festa?
- Vou.
Ela enxugou o rosto e se levantou. Os dois começaram a caminhar. Andando pelas ruas estreitas.
- Porque as ruas têm que estar sempre tão vazias? – Bianca pergunta.
- Está muito tarde. – respondeu Vinícius.
Ela deu um pequeno sorriso.
- Não era disso que eu estava falando. – retrucou Bianca.
- Desculpe. Acho que entendi o que você quis dizer.
- Entendeu?
- A vida está vazia, pessoas vazias, tudo vazio. Eu te entendo.
- É, exatamente isso.
- É por isso que você estava chorando?
- Não... E que eu não me sinto feliz. Eu não sei porque.
- Eu sei como é. Mas já tentou o amor?
- Amor? Ele é uma prisão. Eu já me libertei dessas correntes.
- Uma prisão? – Vinícius esboça um sorriso irônico. – Parece que você se livrou de uma prisão, mas caiu em outra.
- Outra prisão?
- Sim, a solidão.
Bianca parou. Olhou nos olhos de Vinícius. Começou a percebê-los. Meus pinceis estão aqui. Começou a desenhar uma resposta. Então continuou andando.
- Eu acho que não. – mas descobria que sim. – Eu sou livre para ficar com quem eu quiser. Essa liberdade é incrível. Ninguém te dizendo o que fazer.
- Eu entendo. Mas para mim, isso é medo. As pessoas tendem a se relacionar umas com as outras, porém se elas transformam isso em uma prisão, então isso não é amor. Se você é livre, porque chora? Essa liberdade dói?
Nesse exato momento, eles tinham acabado de chegar ao ponto de ônibus. E vinha um ônibus que servia para Bianca.
- Eu vou pegar esse mesmo. Eu tenho que me arrumar para festa. Você vai à festa?
- Eu vou – respondeu Vinícius.
- Então nos encontramos lá. Gostei de conversar com você. Tchau.
- Tchau.
O ônibus se foi. Vinícius estava perplexo. Não acreditava que tinha conversado com ela. Será que ela tem algo mais? Ela tem. Ela é incrível mesmo. Uma alegria de esperança se lançava sobre Vinícius. Todos os rabiscos estavam se encaixando. As cores estavam em ordem. Os pinceis deslizavam, delicadamente, passando pelos quatro cantos do quadro em branco. Desenhava o rosto dela, com todos os detalhes. Usava cores prontas, misturadas até um certo ponto. Tudo tinha quer ser perfeito. Era um quadro perfeito. Nem os melhores artistas que a história já viu poderiam pintar um quadro assim.
Chegava em casa. Tomou um banho. Arrumou-se todo. Estava impecável. Leonardo tinha ligado dizendo que ia direto para a festa, pois tinha acontecido um pequeno problema. Despediu-se de sua velha vida. Foi para festa. Para alguns uma festa qualquer, para outros uma nova vida, um novo significado.
Chegava na festa. Muita gente. A música já o animava. Tudo o animava.
- Paulinho! Quanto tempo? – disse Vinícius.
- Você está sumido, hein. – responde Paulinho.
- É a faculdade, tenho estudado.
- Eu sei como é. Comecei a trabalhar.
- É mesmo, onde? – Vinícius pegou um copo de cerveja.
- Em uma locadora.
- Maneiro.
- Conhece minha namorada? – pergunta Paulinho.
- Não.
- Essa é Sofia.
- Prazer em conhecê-la.
- Prazer. – se comunicaram com um sorriso.
- Então aproveite a festa.
- Valeu, Paulinho.
Vinícius pegava outro copo de cerveja. Estava nervoso. Muito calor. Procurava ela. Procurava Leonardo. Observava a seu redor, mas não via ninguém. Cumprimentava algumas pessoas que não via há algum tempo. Mas sua concentração estava nela. Achou Paulinho.
- Você viu Leonardo por ai?
- Eu vi. Ele está no quintal. Ele está se dando bem.
- Como assim?
- Está com uma mulher.
É ela. Só pode ser. Não posso ver isso. A raiva. Ela de novo. Qual é a cor da raiva? Eu não sei. Mas ela estava presente. Segurava os pinceis. Calma. Calma. Vamos pintar. Eu preciso sair daqui. Estou ficando sem ar, muita confusão aqui dentro. Se eu ficar, me perderei. Vinícius saiu andando sem rumo. Não pensava nisso. Uma mistura de raiva e tristeza. Ele ia explodir. Pinceis nas mãos. Eu não posso ficar aqui. Uma voz lhe chamou. Ele parou, era a voz de Leonardo. Não! Não! Fingiu não escutar. Não se virou. Não olhou. Continuou andando. Concentrou-se em caminhar para frente. Leonardo gritou seu nome de novo. Vinícius parou. Tentou respirar fundo, mas não conseguiu. Olhou para trás. Avistou Leonardo e, atrás estava Bianca. Lembrou da briga das palavras. Como ele pode fazer isso comigo? Ele merece a minha ira. Ele merece minha raiva. A garota que eu amo. Como ele pode? A raiva é um brinquedo em meus punhos. Segurou mais forte que pode os pinceis e começou a pintar. Partiu para cima de Leonardo. Flexionou os dedos, e encaixou um soco no rosto de Leonardo. Seus olhos não eram mais os mesmos. Ele não era mais o mesmo. Quem ele era? Leonardo caiu no chão. Todos olharam assustados. Bianca e Paulinho foram socorrer Leonardo, que se levantava. Meio atordoado. Não estava entendo nada. Foi um saco bem forte. Vinícius estava parado, repetindo para si mesmo, ele mereceu, ele mereceu. Todos olhavam para ele como um estranho. Como ele pode fazer isso?
Bianca levantou foi para frente de Vinícius, ele estava imóvel. Ela olhou nos olhos dele.
- Porque você fez isso?
- Ele mereceu.
Não éramos olhos que ela viu antes.
- O que aconteceu com você. O que você está sentindo?
Vinícius olhou de volta para ela. Como eu estou me sentindo? Nunca me fizeram essa pergunta. Estava lá, cravado na terra seca. Enterrado, mas não morto, era como um tesouro de pirata, porém só ele sabia a localização. Tudo de valioso, ele colocava ali. Tudo o que não prestava ele colocava ali. Estava obscurecido pelas nuvens do céu, pelas nuvens de chuva. Era à sombra de uma árvore. Era um dia sem sol. Você revelaria o que demorou tanto tempo para esconder? Eu guardei tudo o mais fundo que pude enterrar. Em uma aquarela. Tudo o que eu tenho lá no fundo são cores. Não são as cores que os meus olhos podem ver. São cores diferentes. São aquelas que aparecem quando, eu me encontro com você. Elas sempre aparecem. Está tudo na minha cabeça. Está tudo no meu coração. Você não sabe como é difícil, não mostrá-las a ninguém. Não poder contar o que elas representam. O que seria do pintor, sem o seu pincel? Só um louco. Com palavras insanas. As cores se expandiriam. Não se pode ultrapassar os limites do quadro. Imagine as cores sujando o mundo fora do quadro. Elas não podem atravessar a fronteira dos sonhos! A realidade tem suas regras. Não ultrapasse a linha. Os meus sonhos. Onde estão eles agora? Você sonha? Eu sou um bom cidadão da razão. Não posso deixar isso acontecer. O que os outros vão pensar de mim? Os outros, sim, os outros. Agora, eles te acham um estranho, isso importa para você? Será que eles vão entender? Ninguém está aqui para entender, todos estão aqui para julgar. Julgar uma pessoa igual a você. Que sentem as mesmas cores. Que escondem e enterram seus segredos. Será que elas sentem? Nunca parei para pensar. Nunca parei para conversar. Nunca parei para saber. Eu deveria me importar? Eu quero gritar! Os pinceis estavam escorregando. Eu quero gritar! Não consegui mais segurar. A fronteira ia se acabar, o que ele sentia ia se misturar com o que ele via. Eu quero gritar! Os pinceis caíram.
Vinícius gritou com toda a força que tinha na garganta.
- Com raiva!
Todos ouviram, ficaram chocados. Todos perplexos, sem entender. Vinícius andou em direção a Leonardo. Olhou para ele. Leonardo estava imóvel, sem reação. Também não tinha conhecimento de nada. Não era uma palavra, mas uma cor que saia da boca de Vinícius. Ele coloria seu mundo, tomava conta de cada detalhe em branco.
- Estou com raiva de você. Não é de hoje. Eu não fui sincero com você. Acho que você precisava saber. Eu não poderia te dar um soco. Você não tem culpa de nada. Eu sou o culpado. Espero que possa me perdoar.
Lágrimas começaram a sair dos olhos de Vinícius. Ele não controlava nada. As cores estavam livres e se manifestavam em sua mente. Envolviam seu coração. Bianca o abraçou. Viu através dos olhos dele. Palavras sinceras não são ouvidas todos os dias. Paulinho perguntou.
- Onde está Leonardo?
Ele tinha sumido, desapareceu. Ninguém o tinha visto. Bianca perguntou.
- Porque você tinha raiva dele?
Eu não posso falar. Onde está meus pinceis?
- Vou procurar o Leonardo. – Vinícius mudou de assunto.
- Eu vou com você. – disse Bianca.
Então foram os dois a procura de Leonardo. Vinícius sabia onde ele estava. Eles eram amigos há algum tempo. Lembrava-se que quando Leonardo ficava chateado, ele ia para um campo de futebol perto de casa. Chegando lá, estava Leonardo sentando na areia do campinho.
- Espere aqui Bianca. Eu quero falar com ele sozinho.
- Tudo bem.
Vinícius se aproximava. Sentou do lado de Leonardo.
- Porque você não me contou? – pergunta Leonardo.
- Eu não sei. Pensava que você não ia entender. Acho você meio distante dessas coisas. E...
- Eu sei que eu não demonstro. Quem demonstra? Mas você pode me contar qualquer coisa. Eu tentarei te compreender.
- Desculpe, cara. Eu não poderia ter feito aquilo.
- Já está feito. Você tem sorte que eu consigo perdoar facilmente. – um sorriso saiu do rosto de Leonardo. Seus braços passaram pelas costas de Vinícius. Vinícius retribuir o abraço.
- Mas me diga uma coisa. Porque essa raiva? O que eu fiz?
Onde está meus pinceis? Eu não preciso mais deles.
- Eu amo a Bianca.
Leonardo esboçou um espanto. Mas percebeu logo do que se tratava. Esboçou outro sorriso.
- Então foi por isso. Desculpe. Eu não sabia. Mas ela não quer ficar mais comigo.
- Tudo bem. Sério?
- É. Percebo que ela está aqui.
- Ela está.
- Acho que você sabe o que fazer.
Leonardo ia se levantando.
- Nos vemos depois.
- É claro. – diz Vinícius.
- Acho que nós precisamos conversar mais. - diz Leonardo.
- Eu também acho.
- Valeu.
- Valeu.
Leonardo caminhou lentamente, em direção a Bianca. Aproximou-se e disse.
- Ele quer falar uma coisa com você.
Ela balançou a cabeça positivamente. E andou até encontrar Vinícius e sentou do seu lado.
- O que você quer me falar? É o que te deixou com raiva? – perguntou Bianca.
- É – respondeu Vinícius.
- Então diga.
Onde estão os meus pinceis? Eu não preciso mais deles.
- Você gosta de poemas?
- Eu gosto. Porque?
- Eu escrevi um para você.
- Para mim? Mas o que isso tem haver?
Vinícius colocou a mão no bolso e tirou um papel bastante amassado. Pegou o pulso de Bianca e, calmamente, colocou o papel amassado em suas mãos.
- Leia, por favor.
Bianca desamassou o papel. Ela leu a primeira linha. Começou a ler cada palavra. Uma palavra levava a outra. Todas elas a espantavam, criavam uma pressão enorme para ela. Ela segurava forte os pinceis. Palavras que ela nunca escutou de ninguém. Palavras sinceras não são escritas todos os dias. Ela ficou perplexa. Não sabia o que dizer. Ela o amava? Ela não sabia. Ela desenterrou. Mergulhou no fundo do seu mundo. Agora ele estava um caos. As palavras mexeram com ela. Foram para dentro. Ela olhou para os olhos dele. Viu o coração dele, batendo. Escutou o seu batendo. Tudo estava ficando mais claro. Olhou para sua imagem nos olhos de Vinícius. O mundo estava ficando mais claro. A lua ainda estava lá, olhando para eles. Os pinceis estavam escorregando da sua mão. Suas lágrimas começaram a cair. Os pinceis estão caindo. Vinícius tocou o rosto de Bianca enxugando as lágrimas. A fronteira se quebrou em vários pedaços. Os pinceis caíram. Nesse momento, não se distingue mais toque de sentimento. São uma coisa só. Eles estavam vivendo sem limite. Sem fingir. Conhecendo uma coisa nova. Conhecendo um dia novo. Descobrindo o que as pessoas podem oferecer, mais do que elas mesmas sabem. Podendo expor para as pessoas que elas podem crescer, sem se preocupar em cair. A vida como ela deve ser. Livre. Livre para sentir. Sabe o que é mais incrível? E que mesmo depois de tudo, o que marca a vidas das pessoas são os poemas de amor que elas escrevem.

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