segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Essas meninas não sonham mais

- Eu te amo. – diz Aline.
Existem duas maneiras de falar “eu te amo”. Quando a gente sente alguma coisa, as palavras pesam na boca, o fardo de dizê-las é imenso. Fica tão difícil que alguns até gaguejam. Outros se expressam de outras maneiras, mas sempre é muito complicado mostrar isso, sem medo, sem desconfiança. Agora, quando é fácil de dizer, quando as palavras estão tão leves que com qualquer rajada de vento, elas saem da sua boca, o objetivo de dizê-las se limita a ganhar a confiança.
- Mas... Nós só estamos ficando. – disse ele.
Aline ficou calada. Fingiu que entendeu. Acho que ele não entendeu. Fingiu que não tinha dito nada. Fingiu que não escutou nada. Nada aconteceu. A noite acabou.
Depois de dois dias. Aline estava triste. Estava mal. Será que ele me ouviu? Não é possível. Como alguém pode reagir assim, a essas palavras tão delicadas? Alguém um dia vai me ouvir? Acho que essas palavras não são importantes aqui. Não serão para mim também. Vou viver minha vida. Não vou repetir essas palavras novamente. Ninguém vai escutá-las. O mundo aboliu essas palavras. Eu não sei porque eu ainda acreditava nelas.
Com o passar do tempo, as coisas foram ficando mais difíceis. Aline estava sozinha. Isso incomoda muito. Será que eu vou encontrar alguém? Vira o sentido da vida. Vira obsessão. Então imaginamos o momento perfeito. Imaginamos a pessoa perfeita. Ficam presos na nossa mente. Tentamos controlar cada passo dado. Onde está a pessoa que vai fazer da minha vida, mais feliz? Existe uma grande pressão para se arrumar alguém. Todas as minhas amigas tem namorado. E eu? Quando você vai arranjar um namorado? Um desespero começa a fluir pelo corpo. Onde está a pessoa que vai me tirar dessa solidão?
Muitas pessoas passam pela nossa vida. Mas o primeiro que consegue dizer que gosta de mim, é o homem que eu estava esperando. Até que enfim. Será que ele gosta de mim? Deve gostar. Como se ninguém mais gostasse de mim. Eu gosto dele. Mas não sinto nada. Meu mundo não mudou. Nada aconteceu. Eu só rio de tudo o que ele diz. Sinto-me aliviada. Estou com alguém. A pressão acabou. Ele é legal. Porém, meus dias continuam os mesmos. Agora, eu sorrio a toa. Não tenho preocupação com isso. Deixo seguir. Quem sabe um dia eu sinta alguma coisa? Eu ainda estou tão sozinha. Talvez, eu esteja feliz. Agora, eu sorrio a toa. Eu não estou triste. Eu já não sei mais. O que podemos fazer? Agora, eu faço sexo. É um ótimo “aliviador”. É ótimo. Todos precisamos de sexo. É uma necessidade humana. Por isso, existem vários “puteiros”, para quem não consegue um namorado ou namorada. A mulher ganha dinheiro e prazer, e o homem ganha prazer e gasta dinheiro. É uma troca justa. O sexo é tudo o que restou. É o único assunto que as pessoas falam. É a nossa vida. O que mais eu posso fazer? Ele é bom! Ele transa bem! Está tudo bem então. Parece que está tudo bem. Fingimos que está tudo bem. O sexo, bom amigo, para qualquer hora. Vamos transar? Ta bom, não tem nada melhor para fazer. Que tal, um sexo depois de um dia estressante no trabalho? Que tal, um sexo só para quebrar a rotina? Que tal, um sexo só para fingirmos que ainda existe algo entre nós? Eu ainda estou sozinha. Agora, eu tenho companhia para ir ao cinema. Agora, eu tenho alguém. Eu tenho alguém para brigar. Brigas vêm, brigas vão. Mas para que todos esses conflitos? Para saber quem está no comando do navio. Pois, isso não é mais que um navio. Um dia deve afundar. Minha vida ainda está vazia. O que eu fiz de errado? Deixo seguir. Alguma hora, tudo vai se encaixar. Eu tenho planos! Nós temos que ter um futuro juntos. Vamos nos casar. Constituir família. A nossa relação tem que passar para o próximo nível. O nosso navio tem que continuar navegando. Ele tem que ser bem cuidado. Eu estou pensando em tudo. Tem alguém ai? Agora, você não me escuta. Nosso navio continua, tem que continuar navegando.
Muitas pessoas passam pela nossa vida. Mas há uma última pessoa que fica nas lembranças. Ele nunca disse que gostava de mim, talvez disse muito mais que isso. Conheci –o na aula de inglês. Ficamos conversando por horas. Eu me sentia bem. Adorava conversar com ele. Nós riamos muito. Era natural. Era divertido. Eu não sei explicar. Era muito bom. Ele era diferente. Sempre levava alguns lápis de cor e desenhava. Ele chegava, horas antes da aula, e ficava desenhando, até a aula começar. Traços leves, cores vivas. Quando ele desenhava parecia que estava nascendo coisas do papel. Brotava uma flor. Brotava uma árvore. Brotava o céu. Brotava uma nuvem. Ele adorava a natureza. Brotava o meu rosto. Desenhou várias vezes o meu rosto. Aline sonhava. Sonhava com os desenhos que ele fazia. Eles ganhavam vida em suas loucuras. A semente ia se transformando em uma árvore. As nuvens iam passeando pelo céu. Era a vida que estava lá. Brotando de cada detalhe do meu sonho. Como é bom sonhar. Nesses tempos, os beatles não saiam da minha cabeça. Só escutava beatles. “All you need is love”, eles diziam. Fazia algum sentido. Lembro quando nós dançamos pela primeira vez. É claro que o álcool no nosso sangue impulsionou. Eu não sabia dançar, nem ele. Nossos movimentos eram caóticos. Sem ordenação. Sem direção. Mas era muito bom. Movimentos brutos entrelaçavam com movimentos suaves. Troca de mãos. Vira o corpo para lá, vira para cá. Era divertido. Aline escrevia. Eu escrevi, com detalhes, todos os meus sonhos. Guardei todos os papéis em uma caixa de madeira. Ela nunca revelou. Será que ele me escutou? Eu nunca disse nada.
Aline casou. Teve dois filhos. Separou, casou de novo. Ela só ria de tudo o que ele dizia. Eu ainda estou sozinha. Nunca teve coragem para abrir a caixa de madeira. Ela não sonhou mais. Aline nunca mais disse “eu te amo”, apenas dizia “eu também”.

Um comentário:

Dresa Guerra disse...

Caramba Cauê...pra variar sempre arrasando né.Adorei o post, tem tudo a ver com o que anda acontecendo...Nunca pare de escrever viu? Bjks *_*