- Sabia que você é linda.
Ele movimenta, lentamente, a mão em direção ao rosto dela. Seus dedos tocavam na sua pele, suavemente. Sua mão desliza para o pescoço, e depois para a nuca, passando pelos cabelos. Tentava trazer o rosto dela de encontro ao seu, sem forçar, mas ela lutava contra.
- Não podemos fazer isso.
- Mas, não há ninguém aqui.
Estava escuro, era noite. Era uma rua estreita, pouco iluminada. Os dois estavam encostados em uma parede. O relógio já apontava a madrugada. Era um bairro residencial, mas o silêncio era absoluto. Não se escutava nem o vento, nem o que ele carregava.
- Só nós estamos aqui. – ele insistia.
Enquanto ele aproximava o seu rosto ao dela, e encaixava os seus braços em suas costas, um clarão apareceu vindo do lado direito. Pegaram os dois desprevenidos. Acabaram se afastando. Não conseguiam olhar para a luz. Estava muito forte. Machucava. Colocaram as mãos sobre os olhos para protegê-los. Era como olhar para o sol de meio dia.
- Parados! É a polícia!
Quando ouviram essas palavras, correram na direção contrária. Apenas escutaram os passos vindo de trás.
- Parem! Seus infratores!
Eles continuaram, viraram para a rua seguinte. E continuaram a correr. Um segundo, e começaram a ouvir tiros, que passaram bem perto. Os policiais estão perto. Eles vão nos alcançar. Os dois corriam. Mas o homem começou a parar. A perna estava doendo. Verificando-a com a mão, percebeu que estava sangrando. À bala de borracha o tinha acertado. Estava sangrando um pouco e doía muito. Ele parou e agachou. Ela também parou.
- Nós temos que ir. Levanta! – disse ela.
Ele se levantou. Quando tentou caminhar, escutou um barulho. Olhou para trás. Tinha um policial com uma pistola apontada para ele. A garota tentou correr, mas foi surpreendida por outro policial que a agarrou.
- Largue ela! – gritou o rapaz ferido.
Dois policiais avançaram nele, desferindo golpes com os pés e mãos até ele desmaiar.
Quando acordou estava na mala do carro da polícia, junto com a menina. Havia uma camisa enrolada na sua perna.
- Você está bem? – ele perguntou.
- Estou. – ela respondeu.
- O que nós fizemos? Do que somos acusados? – o garoto perguntou.
- Vocês tentaram se beijar. Como vocês sabem nesse país é proibido beijar. Mais que proibido. É a primeira lei da nossa constituição. É a primeira lei do nosso governo. E não me venham com a desculpa da juventude. Vocês são responsáveis, agora vão pagar pelo que quase fizeram. Onde andam a cabeça desses jovens? – respondeu o policial que estava sentando na frente.
Proibido beijar? Mas como pode existir um país com tal proibição, erradicada na constituição? Como as pessoas podem não se manifestar? Como as pessoas agüentam essa situação? Proibido beijar? Eu não consigo entender como isso não abala ninguém. Parece que é normal. Mas como?
Há pouco tempo atrás, dois grupos lutavam para chegar ao poder (novidade!). O caos tinha tomado conta do país. A economia estava paralisada pela guerra civil. O país não exportava, nem importava mais nada. A povo começou a passar fome. Muitas pessoas morrendo nos bancos das praças, nas ruas, em suas humildes casas. Todo dia, via-se pessoas mortas na calçadas. Era o inferno. Uns dos grupos, dos grandes exportadores rurais usavam seus recursos para a subsistência e para guerra. Sua principal reivindicação era o livre comércio com os outros países. A guerra civil era outra causa das mortes. A guerra passava pelas cidades, e pelo campo. Confrontos para todos os lados. Nunca havia um vencedor, mas sempre havias vários mortos e feridos. Ninguém conseguia uma vantagem sobre o inimigo. Os outros grupos, dos grandes industriais, também, gastavam seus recursos com a guerra. Sua principal reivindicação era o protecionismo, principalmente, relacionado com os países mais ricos. Os dois lados investiam pesadamente na guerra. Não havia um governo. Já estavam chegando no limite de suas forças. Um acordo já estava sendo pensado. As diferenças entre elas não poderiam se resolver com o conflito teria que haver diplomacia. A diplomacia de sempre. Mas antes, um último embate era esperado. Os dois líderes de cada grupo iriam pela primeira vez se enfrentar, cara a cara. Eram líderes respeitados por não temerem a batalha. Eram corajosos e destemidos. Eram grandes estrategistas militares. Havia muita expectativa para esse combate.
As tropas estavam preparadas. O confronto seria em uma cidade no centro-oeste do país. Os dois líderes eram conhecidos por lutarem a frente de suas tropas. Mas ninguém sabia o que eles escondiam. A batalha começou. Havia alguns confrontos com armas de fogo, mas o grosso do combate, era a luta com espadas. A disputa era a principal praça da cidade, de um lado, José Caetano, líder dos grandes industriais, do outro, Mateus Bonfim, líder dos proprietários rurais. Os disparos já haviam ocorrido, com poucas baixas para os dois lados. O clima era tenso. Todos esperando o verdadeiro confronto começar. Todos os esperando as ordens dos comandantes. Um silêncio estranho. Gritos para alto! José Caetano vinha correndo na frente, como era de costume. Com sua espada na mão e a determinação em seus olhos. Mateus Bonfim, também, estava na frente da sua tropa e com sua espada na mão. E estava com a mesma determinação em seus olhos. Parecia que os dois iam bater de frente.
Mas ninguém sabia o que eles escondiam.
Quando os dois se avistaram. Eles pararam. Ficaram inertes. A determinação virou surpresa. Os homens que estavam vindo depois, também, pararam. Não sabiam o que fazer. Os dois lados ficaram parados, se encarando, mas nada faziam. Todos olhavam para os líderes. Depois do choque inicial, José Caetano foi andando lentamente até Mateus Bonfim, que fez o mesmo. Todos parados olhando a cena. Os dois pararam, bem próximos.
- O que você faz aqui? –perguntou José.
- Eu estou no comando. E você? – retrucou Mateus.
- Eu também estou no comando da outra tropa. Mas que loucura!
- E mesmo!
- Eu não sabia que o seu nome era Mateus. – José diz.
- E eu não sabia o seu nome também.
- O que vamos fazer agora? Eles nunca vão nos entender. – Mateus diz.
- É verdade. Vamos fugir! – José exclama.
- Como? Estamos cercados.
Todos se perguntavam o que os dois conversavam tanto.
- Então, o que vamos fazer? – perguntou José.
- Eu não sei – respondeu Mateus.
- Eu sei! – gritou José.
Todos olharam espantados. Não sabiam o que estava acontecendo. Era estranho.
José encostou os seus lábios nos lábios de Mateus. Os dois se abraçaram. Um beijo. Apenas um beijo. Ninguém entendeu. O que eles estão fazendo? Mas o que está acontecendo? Eles estão se beijando. Mas como? Como assim?
Havia um homem que era subcomandante. Seu nome. Isaias Moura. Ele era a favor da diplomacia, mas estava lutando na frente da batalha. Divergia, nas idéias, com José Caetano. Já tentava há algum tempo, ser o líder do grupo. Quando viu aquela cena. Achou uma oportunidade. Correu na direção deles.
- Esses homens estão deflagrando os nossos costumes! Eles não têm moral!
Todos concordaram. Eles estavam maltratando todo o tempo em que estavam em guerra. Estavam desrespeitando os mortos da guerra. Estavam envergonhando seus soldados. O que eles tinham em mente?
Isaias olhou para os seus homens e ordenou.
- Prendam eles!
Os homens obedeceram. Não havia como escapar. José e Mateus estavam cercados. Não apareciam arrependidos. Colocaram algemas de ferro em seus punhos. Isaias discursou.
- Meus irmãos! Somos todos de um mesmo país. Nós temos propostas diferentes, porém nós podemos trabalhar juntos. Nós podemos governar esse país. Acabar com o caos. Vamos estabelecer uma ordem. Nossos negócios estão desmoronando. Se continuarmos em guerra, nós vamos falir com esse país. Nós temos que nos unir. Achar uma solução para as nossas divergências e juntar nossas igualdades!
Todos concordaram. Não tinha outro jeito.
- Essa imagem que nós vemos hoje. Não pode ser o começo da nossa história. Proponho que seja proibido o beijo. Como primeiro decreto de nosso novo país. Que essa imagem seja lembrada, apenas como um terrível acontecimento que não pode se repetir jamais! Proibamos o beijo, para que essa cena não aconteça de novo!
O Choque era tanto que todos concordaram. A primeira lei estava dita, escrita e eternizada. O novo governo teria Isaias como presidente, em um sistema republicano representativo. Onde só as pessoas que faziam parte dos grupos votavam, passando de pai para filho esse direito. Os grupos se revezariam no poder. Tendo como solicitações, não mexer nos interesses um do outro sem consultá-los. Isaias espiou José e Mateus que estavam com as mãos para trás presas pelas algemas.
- Vocês serão os primeiros a serem julgados pelo novo governo.
Isaias contratou um pintor. Ele teria que pintar a imagem mais terrível que ele já pode imaginar, para retratar o momento do beijo. O resultado era assustador. Os homens pareciam dois demônios e o beijo parecia um ritual satânico. Com tentáculos se cruzando, dentes afiados e o inferno como pano de fundo. Essa é a imagem que ficou. Alguns, na época, diziam que eles estavam loucos, que eles tinham que ir para o hospício. Outros diziam que eles tinham sido enfeitiçados por algum tipo de magia negra. Alguns religiosos, diziam que eles eram demônios que iam matar todos os mortais. O juízo final. Essa idéia é a que mais se firmou. O beijo é demoníaco. É o que ficou.
O julgamento ia ser público. José e Mateus estavam lado a lado. Os dois estavam com uma corda no pescoço e com as mãos presas. Eles estavam em um palco de madeira para o público conseguir ver. Sim, era um espetáculo. O julgamento foi na mesma cidade da batalha. Parecia que a cidade toda estava lá. Muitas pessoas disputavam um melhor lugar para ver os dois. Isaias subiu no palco. Era o ator principal.
- Esses dois homens serão os primeiros a serem julgados pelo novo governo. Já que ainda não temos um sistema judiciário pronto e este, é um julgamento importante. Vamos fazer a moda antiga. Vocês, o povo, escolherão o destino desses dois! Então... Que vocês decidam!
Mal Isaias parou de falar, o povo já começou a gritar.
- Enforquem! Enforquem!
- Eles são demônios! Enforquem!
- Enforquem!
Isaias sorriu. José e Mateus nada faziam. Não reagiam. Pareciam esperando a morte.
- Já que o povo quer assim. Enforquem!
Nessa mesma hora, no palco de madeira, sob os pés deles, abriram-se um buraco. Os corpos caíram. A corda apertou seus pescoços. Eles se rebatiam. Todos olhavam atentos a cada detalhe. Até eles não mexeram mais. Estavam mortos. O povo gritou e comemorou. Isaias depois do julgamento programou uma imensa festa para celebrar a morte dos culpados. A morte do beijo.
Mais um carro chegava na delegacia. Potira observava. Como ninguém percebe o que está acontecendo? Potira era uma dessas meninas inconformadas. Não concordava com o que acontecia. Não concordava com o governo. Não concordava com as eleições. Não concordava com as proibições. É só a juventude. Mais velha, ela se acostumará com tudo. Conformará-se e viverá a vida, sem olhar ao seu redor. Sempre diziam isso para ela. Ela nunca acreditou. Como podem proibir o beijo? Eu não acredito que o beijo seja como aquele quadro que, incansavelmente, nos mostram quando crianças e continuam nos dizendo a mesma coisa sobre o beijo quando já somos crescidos. O beijo é mal. O beijo é ruim. Eles têm medo. Acho que os meus pais nunca se beijaram. Ou só quando jovens. A maioria das pessoas não sabem o que é beijar. Ninguém se questiona. Porque eu não beijo? Sempre existem argumentos. A história é o principal. Tudo o que nos disseram é a verdade. Todos aceitam desse jeito. Nós já temos tudo aqui. Já temos todas as regras de como viver uma vida. Nós não precisamos descobrir. Porém, eu descobri o beijo. Eu sei que outros também descobriram. Potira andava pela rua. Tinha acabado de sair da faculdade. Trabalhava em uma loja de roupas. Fugiu de casa. Fazia um ano que não via seus pais. Depois de tantas brigas, percebeu que era o melhor a fazer. A vida era dura. Trabalho de manhã e faculdade de noite. Morava na parte pobre da cidade. A distinção era clara. Os que votavam ficavam na parte sul da cidade. Com suas mansões e carros importados. Na parte norte, os pobres moravam. A pobreza não era homogênia. Alguns tinham melhores condições que outros, mas todos dividiam o mesmo espaço. Chegando em casa. Abriu o portão. Na parte da frente da casa, havia um lindo jardim. Potira fazia questão de ter esse jardim. Cuidava dele todos os dias. Havia flores de todos os tipos, de todas cores e de vários formatos. Flores eram uma de suas paixões. Agachou, e acariciou uma flor, perguntando como ela estava. Percebeu que ela estava bem, e respondeu para si mesma. Levantou. Caminhou até a porta. E entrou.
- Camila, você está em casa?
- Estou na cozinha!
Potira anda em direção a cozinha. Camila aparece no corredor. As duas se encontram. Elas se abraçam. Seus lábios se encontram. Suas línguas também. Seus corpos também. O calor aumenta. O que se sente quando se beija? Era disso que eu estava falando. É uma descoberta. Pelo menos esse beijo é uma descoberta. Como esse momento tão diferente é menosprezado? As coisas diferentes e desconhecidas são sempre tratadas com desdém. Como um acontecimento como esse pode ser proibido? O beijo é um dos primeiros atos de amor. Como isso pode não ser notado? Apenas um beijo.
Elas ficavam se olhando.
- Estou fazendo um bolo. – Afirmou Camila.
- E a faculdade? – perguntou Potira.
- Tudo bem, e a sua?
- Tudo tranqüilo também.
- Quer provar o bolo?
- Quero.
Bolo de chocolate. O preferido de Potira. Delicioso. Camila sabe fazer bolos. Enquanto mastigava, Potira pensava.
- Está preparada para o nosso plano? – pergunta Potira.
- Eu estive pensando, Potira. E melhor nós desistirmos.
- O que? Não podemos deixar isso de lado. Não podemos fingir que isso não afeta nossas vidas.
- Eu sei que afeta. Mas nós podemos ser presas.
- Nós podemos ser presas de qualquer jeito.
Camila abaixou a cabeça e olhou para o chão.
- Não podemos desistir disso. – diz Potira.
- É. Eu não posso me acovardar agora.
- Eu sei que é difícil, mas nós temos que fazê-lo. Não precisa ter medo. Vai dar tudo certo.
Elas se abraçaram. Camila começou a chorar. Potira sentiu a lágrima molhando seu ombro.
Um novo dia nascia. Não era um dia comum para a cidade. Um representante do governo ia discursar. Estava tudo pronto. A praça estava cheia. O palanque estava montado. O microfone e som estavam ligados. Só dois seguranças faziam a sua proteção. A impressa estava lá. Vários repórteres e câmeras se posicionavam. O discurso era sobre a incomoda quantidade de pessoas que estavam sendo presas por terem beijado ou tentado beijar. Era um discurso pela conscientização das pessoas a cumprirem a lei e para não satisfazer certos desejos pavorosos. Era direcionado principalmente para a juventude. A sempre rebelde juventude.
- Meu nome é Rafael Diaz. Sou representante do governo. Venho aqui para dizer que não se preocupem. Algumas medidas estão sendo feitas para mudar esse quadro de insegurança. A polícia está agindo ativamente. Nós precisamos da colaboração de vocês...
Alguns vaiavam, outros aplaudiam.
Camila e Potira estavam lá. Começaram a se aproximar do palco.
- Você vai pela esquerda, eu vou pela direita, está bem? – pergunta Potira.
- Está bem – responde Camila.
Rafael terminou o discurso. Desceu as escadas do palanque com os dois seguranças em suas costas.
- É, agora! – exclamou Potira.
As duas correram para cima do palco rapidamente.
Potira pegou o microfone.
- Vocês! – Ela disse.
Todos olharam, sem entender. As câmeras começaram a mirá-las.
- É disso que vocês tem medo! – gritou Potira.
Em seguida, beijou Camila na frente de todos. Alguns se assustaram. Outros gritavam e aplaudiam. Muitos não reagiram. Mas todos viram. Depois do beijo.
- Precisamos correr – disse Camila.
Desceram as escadas correndo. Os dois seguranças começaram a correr atrás delas. Elas corriam. Entraram em um beco. Camila indagou.
- É melhor mos separarmos.
- Tudo bem. Eu te vejo em casa então.
Avistaram os seguranças. Continuaram correndo no final do beco, uma virou para esquerda e a outra para direita. Os seguranças também se dividiram. Potira entrou em uma locadora. Conhecia o dono. E pulou para dentro do balcão.
- O que é isso Potira? Está louca?
Ela apenas colocou o dedo na boca, como um gesto de silêncio.
Um dos seguranças entrou na locadora.
- Uma mulher entrou aqui?
- Não.
- Está bem.
Ele deu olhada rápida pela loja, para ver se avistava alguma coisa, depois foi embora.
- O que foi isso Potira? E quem era esse homem?
- É uma longa história.
Já era a terceira rua em que Camila virava e o segurança ainda estava atrás dela. Quando tentou atravessar a rua, veio um carro da polícia na sua direção. Freou bruscamente. Camila colocou as mãos no carro e continuou correndo. Um dos policiais atirou para o ar.
- Pare! Agora!
Ela parou. Não tinha escolha. Se corresse poderia morrer ali. Os policias se aproximaram junto com o segurança. Algemaram-na. Colocaram-na na parte de trás do carro. E a levaram para a delegacia. Mais um carro para a delegacia.
Algum tempo depois, Potira soube da prisão de Camila. Era tudo culpa dela, pensou. Não posso deixar ela lá. O beijo na frente das câmeras do país inteiro criou um certo caos. Muitas pessoas começaram protestaram contra a proibição. Começaram a discutir sobre isso. Começaram a questionar. O governo, logo, intensificou o controle sobre os beijos, aumentando o número de policias nas ruas. Mas a notícia, as imagens se espalharam. A imagem não era como aquela velha imagem. Agora, pareciam dois anjos se beijando. Era aquilo. Sem pinturas ou pinceis. Sem modificações. Sem construções. Era apenas aquilo. Era apenas um beijo.
Camila estava sentada em uma cadeira. Suas mãos estavam para trás e amarradas com uma corda. Sua cabeça estava baixa. Era uma sala imunda. Sem janelas e com apenas uma porta de ferro. Um homem na sua frente. Olhava para seus cabelos.
- Qual o nome da mulher que você beijou?
- Eu não sei – respondeu.
- Eu só vou perguntar mais uma vez. Qual o nome dela?
- Eu não sei. Já disse.
O homem pegou os cabelos dela e puxou a cabeça dela para trás. Com a outra mão deu tapa no seu rosto. Perguntava de novo. Ela sempre dizia que não sabia. Cada vez que ela dizia, era um tapa em seu rosto.
- Qual é o nome dela?
- Eu não sei.
Dessa vez ele a golpeou com um soco. Camila cuspiu sangue na hora. Sua bochecha ficou marcada com um roxo. Continuaram os socos.
Ela não dizia nada. Seu rosto já estava muito machucado. Dois dentes no chão. Muito sangue saindo da boca e do nariz. Alguns roxos no rosto. Um olho fechado.
- Qual é o nome dela?
- Eu não sei.
Enfiou a cabeça dela dentro de uma balde com água muito fria. Ele repetia. Ela também repetia as mesmas palavras. Não sei como alguém consegue agüentar tanta dor. Nem Camila sabia. Apenas agüentava. Apenas agüentava.
Muros foram “pixados” país afora. Mensagens sobre beijos foram deixadas pelo país. Pessoas vinham a publico para protestar. Muitos beijos tomavam conta da cidade. Potira criou uma organização para a anistia dos presos por causa do beijo. Muitas pessoas apoiaram. Seus filhos e suas filhas estavam presos. O governo não conseguia conter as manifestações que só aumentavam dia após dia. Até que fizeram imensas passeatas pela anistia. No dia sete de dezembro, o governo concedeu anistia aos prisioneiros acusados de beijar. Camila foi solta. Ela nunca disse o nome de Potira. Estava com ferimentos graves e foi levada para o hospital. Porém, ela passa bem. O beijo não estava mais proibido. Tinha se espalhado pelo país, não havia mais como reprimi-lo. O governo teve de ceder. Do beijo, começaram os questionamentos sobre o governo. Sobre como ele é constituído. Sobre as pobrezas e riquezas da nação. Uma coisa levou a outra. As manifestações continuaram. Porque só vocês podem votar? Quem fez essas leis? Quem concorda com elas? Quem comanda o governo? Precisamos de um governo? Do que precisamos? Hoje, nós podemos beijar. Hoje, nós descobrimos o beijo. O que mais podemos descobrir?
Como um pequeno detalhe pode mudar uma vida? Como uma pequena descoberta pode mudar o mundo?
É isso o que eu sinto quando te beijo. Não precisa dizer nada. Eu quero. Uma revolução? Apenas um beijo.
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