quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Aquela música

Era aquele aperto só. Muitas pessoas tentando conseguir um espaço inexistente. Todos espremidos. O ônibus como sempre está cheio a essa hora. Ele já estava em pé e não conseguia se mexer muito. Não fora um dia muito bom. Seus nervos já estavam à flor da pele. Era só uma fagulha e ele ia explodir. Tudo estava nos seus pensamentos, eram só problemas, era para matar de aflição. Olha o meu ponto ai. Esforçou-se para apertar a cordinha. Saiu pisando nos pés de todo mundo, já estava irritado, com aquela vida chata. Saiu xingando todo mundo. E todos o xingavam. Gritava com o ônibus que ia embora.
Ela tinha se estressado no trabalho. Era uma pressão imensa sobre ela. Queria sumir por uns tempos. Faz tempo que não tirava férias. Quando chegar em casa ainda tinha que fazer jantar. Ela não agüentava mais. Eu tenho que fazer tudo. Andando pela rua, conversando com sua amiga, sobre as fofocas do dia. Vamos dar umas risadas da vida alheia que não podem estar melhor que a nossa. Chegava em casa uma pouca aliviada, mas quando via aquela meia no chão, saía do sério. Vinha aquela raiva para estragar as sobras de alegria.
Ele abriu a porta de casa, procurando um pouco de paz. Nem se lembrava que tinha uma flor em casa. E logo que chegou. Ela começou a dizer.
- Você deixa suas meias pela casa. Tenha mais organização com suas coisas.
- Olha, eu não quero discutir. Eu faço o que quiser.
- Faz o que quiser?
- Sim, estou muito cansado. Eu trabalho.
- Como se eu não trabalhasse também.
- Eu só quero ver televisão.
- Claro, eu fico fazendo o jantar.
- Não me enche o saco.
- Eu não te agüento mais.
- Eu não te agüento mais.

Cada um foi para o seu canto. Ele liga a televisão. Ela foi fazer o jantar. Não éramos nós que pensávamos que íamos ter uma vida diferente de nossos pais? Esses corações, sem perceber, vão se cristalizando, e vão ser expostos em uma distante galeria de arte, de um artista sem nome e sem vida. Estamos tão longe. Caímos nas armadilhas do mundo. E não agüentamos mais. Joga os cacos dos sonhos por de baixo desse tapete. As coisas já não são mais as mesmas, e ficamos parados olhando. Será que não vamos mais fazer nada? Pensávamos que íamos conseguir viver nesse mundo, mas foi só um engano. Uma loucura momentânea de quem queria viver essa vida. Mas, só sobrou esses dias, que consomem a felicidade de outros carnavais. E consomem a alegria dos seus olhos. Amor, porque estamos aqui chorando? Amor, porque estamos aqui?
Aquela música começa a tocar. Aquela que costumávamos dançar. Será que está vindo do vizinho? Ou será da rua? Ele desliga a televisão para pode ouvir melhor. Ela para de picar os legumes. Olha para frente. De onde vem essa música? Tantas lembranças. Ele se levanta do sofá. Esquecendo disso tudo que aconteceu no dia, ele se aproxima dela. Bem devagar, quase parando. Ela percebe que ele vem vindo. Tem alguma coisa no ar. E com a mão estendida para ela, era um pedido de perdão. Sentia um cheiro forte de flor. Ela largou tudo. E começaram a dançar. Porque dois desajeitados não podem dançar? Não queriam saber de mais nada. Não queriam saber o que o mundo falaria. Só queria, enfim, viver um pouco. Tirar a alegria daquelas pedras miúdas que corroíam a garganta. E foram dançando pela porta afora. E todos vizinhos fofocavam sobre quem eram esses dois que não dormiam. E eles não estavam nem ai. E sentiam tão bem que sussurravam no ouvido um do outro. Aquelas palavras bonitas que nós precisamos ouvir. Já estavam bem próximos. E os toques, agora, eram delicados. Passando por todo o corpo. Ai, meu deus, o que estamos fazendo aqui? Isso não estava nos nossos planos. Não percebemos o amanhecer chegar, ainda continuamos a dançar aquela música que falava de amor.

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