terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Minha querida

Sonhe com a vida, querida
com a minha flor caída entre seus dentes
um suspiro doce que ainda sentes
que o pecado dos nossos incostantes caminhos
vive no perdão dos nossos indecentes carinhos

Fantasie com a vida, querida
com minhas palavras amassadas e jogadas
molhadas no mar onde flutua a nossa jangada
que uma pitada de ternura dá sabor aos nossos atos
na tempestade agonizante e nua da vida dos astros

Beijo da mulher aranha

um beijo da mulher aranha
teia aprisionando perdidas emoções
arranca, espanca, arranha
armadilha para desavisados corações

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sombras de um artista

revistas recortadas, palavras do poeta
não agradam aos ouvidos da prostituta
e o louco sobe o muro do hospício
e se equilibra com apenas uma mão

deus e o diabo disputam a dançarina
para ver quem vai tirar sua calcinha
e do lado de fora do céu
dois amantes ainda tentam despertar

solidão a maltratar os olhos
dessas meninas de convento
que glorificam um homem só
implorando o seu perdão

o noivo na ponte querendo ver anjos
ele quer voar para deixar o mundo
depois de ter sido deixado no altar
pela mulher que nunca amou

o enforcado está sobre os olhos de todos
condenado pela nossa comunidade
escorre lágrimas de arrependimento
por não ter dado um último beijo nela

permanece o vazio nesse imenso jardim
nunca encontrei com a jasmim
se eu chamá-la de flor
será que ela aparecerá na minha ilusão?

Vi tudo o que não devia
Escutei tudo o que não devia
Disse tudo o que não devia
Não devia... o que não devia?

são sombras desfiguradas do artista
transformadas no seu mundo de autista
esperando ansiosas e tímidas por alguém
a dizer que sente o que não devia também

Disritmia de um coração

Isso são horas, coração? A noite se apresenta com seu espetáculo de escuridão para me chamar e acender a sua chama, coração. Eu apenas queria dormir um sono pesado, sonhar com tudo que não está aqui, e não acordar tão cedo de lá. Folgado coração, passeia a vontade pela minha casa aberta aos ventos de outros lugares. Vagueio pela minha moradia sem rumo, tentando acalmar esse palpitante coração. Ele veio para me atormentar e não me deixar fugir para cama, mas eu insisto mesmo assim e deito. Fecho os olhos para esquecer, mas o agitado coração, mais uma batida, dentro desse peito apertado quer aparecer, enquanto isso, rolo de um lado para outro, querendo encontrar uma posição de vantagem, porém ele já sabe os meus movimentos e minhas estratégias para acalmá-lo, e não hesitante me joga para fora da cama e abro os olhos furiosos de minha rendição. Para que mais uma batida? Não vai me deixar descansar? Para que mais uma dança com a esperança, coração?
Aos poucos, ele vai destruindo o meu senso de razão, e caio nos seus diferentes sentidos contraditórios, não sei se é o que ele quer, ou se é o que eu quero, mais uma batida, desfigurado, descontrolado, coração. Inquieto e desnorteado, caminho para a janela e observo a noite que novamente clama pela minha presença. Apelo para um cigarro, como se ele fosse resolver todos os meus problemas, e digo, por favor, pare coração. Minhas súplicas são cortadas por mais algumas batidas, que lentamente vão me deixando louco. Coração, o que quer de mim? Já não posso te dar mais nada. Só quero a paz que você não traz. Não desiste de me conquistar com seus encantos de um olhar transtornado sobre a vida. Coração, coração, veja as coisas como elas são. Ele vem me tomar pela mão que treme sem parar, sacudindo meu corpo petrificado pela noção de não querer ir com ele, com mais uma batida dissimulada, preso ao caos, vou definhando e ficando a mercê da sua própria mão, quando finalmente não existe mais cigarro.
Olha... uma cigana desconstruindo o seu acampamento para satisfazer sua característica nômade. Vá coração! Vá embora com ela! Vá com ela sumir por esse mundo. O que fazer de um coração em transformação? Olha... as crianças dando gargalhadas das brincadeiras de um torto e manco palhaço que está com rosto marcado e pintado para divertir. Vá coração! Vá com ele coração! Vá buscar alguns sorrisos dessas bocas sérias. O que fazer de um coração de circo? Olha... os olhos cheio de clareza daquela mulher apaixonada e a delicadeza de seu sorriso cheio de água correndo mágoas. Vá com ela coração! Vá se entregar a outro coração. O que fazer de um coração de paixão? Será que ninguém quer saber os segredos entre as batidas de seu coração? Será que ninguém quer entender as disritmias de seu coração? Ninguém lhe quer, coração, nem mesmo o seu dono lhe quer, coração.
Está na hora de parar, coração. Chegou a hora de escolher um único horizonte e seguir apenas nessa direção, será melhor para mim e para você, coração. Não desperdice essa chance de entrar nos eixos do mundo, para ingressar nas engrenagens da mesma máquina que construiu todas as nossas peças, não se pode enganar por tanto tempo a si mesmo, coração. Triste coração solitário que quer ser livre da desgraça, cachaça aos goles da agonia de um desesperado coração. Sem vergonha, coração. Veste a sua fantasia mais pesada para brincar em um carnaval que já acabou. Tolo coração. Sobe as cortinas do seu palco e se apresenta para o público, cena sem interação, ator falso, personagem recluso, de uma trágica comédia que ele não se importa de representar. Está na hora de parar, coração, eu te aviso como amigo.
Olha... os passos de um moribundo desengonçado, bêbado de suas andanças cansadas. Vá com ele coração! Vá andar bêbado de sua crença! O que fazer de um coração sem chão? Olha... as palavras que voam por trás dos prédios de um poeta sem perna. Vá com ele coração! Vá dizer palavras que ficarão! O que fazer de um coração amordaçado? Olha... aquela dançarina que se machucou, e agora chora se apertando contra a parede. Vá com ela coração! Vá dançar com as lágrimas! O que fazer de um coração em pranto? Será que esses corações batem no mesmo ritmo que seu coração? Será que eles escutam as batidas de seus corações? Será, coração?
Ilusão... velha conhecida do coração. Chora coração, disfarça coração. Vou te proteger quando você encontrar com ela, te abraçando até explodir em mil cartas marcadas. Está na hora de parar coração. Está na hora de ir embora, me escute só por um momento, é para o seu próprio bem. Aceite meu conselho, pois lhe dou por pura convicção, e não preciso nem de sua gratidão. Errado coração. Não consegue perceber o caminho certo e sempre escorrega para o outro lado. Natural coração. Não encontra a raiz de sua árvore, pois já alcançou os galhos mais altos. Teimoso coração. Tapa os ouvidos, a boca e os olhos, porém escuta as canções, vê o espelho e fala sobre suas emoções. Porque, coração? Porque sempre que tento te deixar pelo caminho, você não me abandona e ainda fica para me mostrar alguma coisa a mais com mais uma batida parecida com o amor?

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Choro

nosso choro abalado
sentido e calado
é choro que se chora só
é choro do que se vê
que tudo se foi
e nada voltou

nosso choro cansado
arrastado e suado
é choro de quem deu um nó
é choro de cada mulher
que partiu
e me deixou

Esse choro é chorinho
sem nenhum carinho
de alguma rosa a chegar
para enfim me consolar
e quem chora esse choro
molhado dos perigos da dor
quer apenas o acalanto do amor
de quem nunca passou

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O leve peso da vida

Eu apenas quero que você me diga como ser feliz. Nada acontece como você diz. Parece que o tempo está passando, talvez já passou, e agora? Queria que alguém me olhasse e não revirasse os olhos em outras direções diferentes e que meus olhos transbordassem a paixão e o desejo do meu corpo sensível a contatos extremos. Será que alguém vai querer tocar na minha mão aquecida cuidadosamente no bolso do meu casaco? Será que alguém vai notar a minha existência se extinguindo na lua cheia que desaparece entre as nuvens esquecidas da noite? Não queria palavras fingidas, porém tampouco atrevidas, dirigidas a mim pela indiferença de conhecer o mundo vasto por trás delas. Acho que já não consigo dizer sobre o desinteresse das expressões presas por rostos que não amanhecem comigo. Já não consigo viver o que não vai acontecer. As músicas são feitas para você, e não para mim. A vida é muito pesada para se viver sozinho. Diga como amenizar a tristeza cravada pelo ar, quando vejo com fulgor a beleza do mar? É preciso uma imensa força estranha para derrubar ventos reclusos, melancólicos por natureza, retraídos pelo seu penar, e me pergunto se alguém também conhece essa força através das próprias forças, fossas nos lugares inóspitos, escuras, ecos de um canto solitário. Você tem o encanto surpreendente que tanto eu busco nas pequenas coisas que você faz, mas não consigo te acompanhar, nem mesmo chegar até onde você quer me conduzir, através de seus belos acasos de um dia qualquer. A minha memória é revirada para trazer alguma alegria de um tempo de outrora, porém não vejo ninguém que você prometeu trazer para mim, para me fazer esquecer do próprio tempo, do meu próprio ser. Estou cansado de mim. Por todos os lados que eu perceba a vida, só vejo a mim. E fico assim, sonhando que eu sou feliz por sua causa, sonhando que acredito em tudo que você diz, sonhando que você um dia vai voltar mesmo que nunca tenha ido, sonhando que você vai me fazer mudar de vida com a sua. E nessa hora que sinto mais falta de alguma coisa que ainda não sei, alguma coisa que eu deixei, alguma coisa que eu não permiti, algo que minha compreensão inocente quer.
Tenho reunidas comigo várias frases de efeito, daquelas que as pessoas colocam na vitrine de suas vidas, mas nenhuma delas tem algum efeito sobre mim. A vida ri de nós. Nessa guerra, corremos na mesma direção, esmagando ossos quebrados, procurando um abrigo nuclear, e esperamos pacientes o silêncio ensurdecedor de uma bomba que torcemos que caía sobre nossos espíritos frágeis. Porque me fizeste ser traído por tudo o que vivi? É triste perceber a miséria dos nossos olhos mortos pelo medo de poder ver o que não era visto antes. E que tem coragem de dizer? Toda a poesia é para você, e não para mim. A vida é muito leve para se agarrar. Queria sentir suas nuances e balanços que você mostra com sua forma tímida e se desmancha despedaçada sobre o meu solo. O sofrimento tortura nossas pequenas esperanças, e você gosta de me enganar com seu jeito de quem veio para cuidar. Assim, eu durmo querendo morrer, mas acordo querendo viver. E a vida também se desespera, arranca cabelos, caí nos seus desenganos, enlouquece com o doce sabor de seu sorriso querendo ser reconhecido por quem também tem a vida, ainda desconhecida, e com uma vontade de se conhecer por um raio de sol que se esconde por trás das nuvens brancas com formas incompreensíveis a olho nu. E se alguém se aproximar, será que não veio para machucar? Não adianta lutar, é uma batalha perdida para si mesmo. Eu só queria uma cor, qualquer uma, desbotada, porém radiante na sua luz refletida pelo lago parado e calmo, de águas já explorados por outros corações. E vivo (vivendo) preso pela presença de alguém traduzir o sofrimento com gestos delicados, para a vida se libertar em pequenas gotas de chuva, que molham a tristeza de alguém que ofereça um pouco de sua vida carregada de nuvens cheias de lágrimas querendo cair sobre essa terra ainda viva.

sábado, 3 de setembro de 2011

Apenas uma vez

Será que procurou nos meus olhos
alguma lágrima para chorar
e na minha boca
algum sorriso para sorrir?

Apenas uma vez,
ela caía

Será que encontrou no meu corpo
um lugar para ficar
e no meu rosto se aproximado ao seu
lado a lado?

Apenas uma vez,
ela sucumbia

Será que se segurou nos meus cabelos
com a força que não tinha
e no meu pedaço de amor
que se perdeu entre suas coxas?

Apenas uma vez,
ela ardia

Será que se agarrou a felicidade
no despertar de sua primavera
e enfrentou a tristeza
escondida nos cantos do seu quarto?

Apenas uma vez,
ela morria

Será que sonhou sozinha
quando ninguém mais vinha
e criava coragem
para mais uma vez pedir?

Por favor,
mais uma vez,
ela queria

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Para matar a saudade

Nascia mais um dia triste
sem que roubasses nada de mim
e vou ficando assim
cansado do tempo que é meu
não se entrelaçando com o seu
silencio de palavras não faladas
memórias das últimas despedidas
distante dos sublimes encontros
desato e não encaixo os meus pontos
um vento traz o seu cheiro
feroz, indolente, rasteiro
da sua ausente presença
e na esperança de te ver
devagar começa o meu viver
e quando o dia raiar querendo a felicidade
já estaremos prontos para matar a saudade

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Na sombra dessas mulheres

Velhas palavras para velhos amigos

Era a solidão de um homem retraído pelo imenso mundo criado pela sombra dessas mulheres que o acompanham. E o samba tocava no fundo com sua melodia querendo falar dessa delicada tristeza que caía sobre esse homem perdido. O salão estava cheio, mas não lotado. E todos escutavam a música com suas latinhas de cerveja na mão e seus pés ainda no chão. Um grupo com seus instrumentos hipnotizantes tocava e cantava com tanta leveza que suas palavras se espalhavam pelo salão. Porém, para um homem, essas palavras tinham um peso que endurecia seus ombros. Ele ficava quieto, bebendo sua cerveja e esperando que ela fizesse efeito logo.
E nesse lugar, a toda hora, passavam para lá e para cá, lindas mulheres de um charme que elas próprias nem conhecem. Ele conversava com seus amigos sobre o que ele queria de tudo isso. Dizia sobre o que ele queria dessas mulheres que trocavam olhares dispersos com ele. Dizia que não conseguiria. Dizia que explodiria. É muita aflição quando as palavras são ditas em vão. Queria dizer que ele estava ali para muito mais do que apenas um homem que entenderia. E continuava a tomar sua cerveja, pois aqui, não tinha mais nada a fazer. Seus amigos o escutavam com muita emoção e queriam fazer alguma coisa para acabar com essa acomodação. Mas sabiam que uma gota de timidez no mar de uma paixão reprimida era suficiente para apagar a chama que com muita dificuldade foi acessa.
E passavam essas mulheres. Queria esticar o braço para apanhá-las, e talvez, trocar duas palavras. Mas seus olhos inertes não atraíam a atenção de nenhuma. No salão, ele ficava passeando pelos grupos de pessoas que conhecia. E tomava mais cerveja para que a tradição não fosse quebrada. Com o passar do tempo, ele ia desistindo de sentir alguma felicidade que assombrava seus sonhos. E na sombra dessas mesmas mulheres, ele ficava cada vez mais encolhido no seu canto. Afastado de tudo. Apenas ficava observando e tentando sorrir para aqueles que se importavam.
E depois de muita cerveja, os pés das pessoas começavam a sair do chão para dançar de alegria. E todos os seus amigos fizeram o mesmo. Ele ficava lá, tentando acompanhá-los. Mexia um pouco os pés no ritmo de uma música qualquer. E se animava um pouco com essa energia desse ritual incompreendido. E os pares começavam a se formar. Ele queria pegar na mão de uma mulher e convidá-la para dançar, tocar na sua cintura e fazer um dois para lá, dois para cá. Mas, ele não sabia dançar. E isso, o fazia criar toda uma impossibilidade de acontecimentos. E ficava apenas observando. Perguntava para suas amigas, mas não recebia qualquer resposta. E dizia que terminaria sozinho. E a solidão era a única que o acolhia e o chamava para dançar.
E todos diziam que ele tinha que agir. Ah... Como ele queria conhecer qualquer mulher que transforme tudo aquilo retido dentro dele mesmo. Conversar com ela sobre qualquer coisa que lhe vinha na cabeça. Fazer com que ela desse pequenos risinhos. E se sentir tão bem que poderia abrir seu coração para ela e poder conhecer os seus traços mais íntimos. Se nenhuma dessas mulheres mostrarem um pouco de amor, como ele poderá conhecer o amor? É na sombra dessas mulheres que seu amor tímido fica escondido.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A cor da chibata

Do pai. Do filho. Do Espírito Santo. Amém. Aprendera que deveria fazer o sinal da cruz quando Jesus aparecia crucificado. E lá estava ele, pendurado em cima da grande porta de madeira da pequena Igreja já idosa. Caminhava com passos lentos e pesados, com o corpo fatigado e músculos machucados por um trabalho exaustivo, porém se vangloriava por conseguir escapar dele por apenas alguns minutos, sumindo pela mata adentro. Cumprimentou o padre, beijando a sua mão em sinal de respeito para com a religião. Esgueirou-se pelos cantos e entrou na floresta com idéia de que iria descansar um pouco antes que alguém percebesse a sua ausência, pois essa sua pobre displicência seria tratada com severa disciplina. Tocava nas árvores paradas, pois apesar de caladas, elas acordavam junto com o dia. Pisava no chão fofo com os pés encardidos, doloridos, e pensou que já estava na hora de escolher uma árvore, encostar suas costas nela e descansar, todavia escutou, não muito longe, o canto das águas de um rio que caminhava para desaguar no mar, como ele, ou talvez, apenas descansar de sua travessia. De surto, uma energia foi oferecida, e ele a usou para seguir os rastros das ondas de um rio que ele nunca vira. Chegou cantando a mesma música que as águas, que ouvira há algum tempo, da boca de seu mundo, um lugar muito distante.
Seus olhos se assustaram e se arregalaram com a visão de uma mulher, totalmente nua, se banhando nas águas que deveriam ser só dele. Sinhá tomava o seu banho da tarde, pois sua pele não acostumada com o calor do sol, não poderia deixar de ser refrescada a cada gota de suor. Seu corpo de neve derretia e preenchia espaços vazios do rio, empurrava pedras, e ditava o ritmo da correnteza, em sintonia, com harmonia, e da agonia do prazer que ele queria apenas para ele, exaltava o seu próprio corpo feito de terra fértil e febril, onde qualquer semente tímida germinaria, dando frutos doces e flores amargas. E como ele tremia da candura conquistada que violava o cego desejo de seus olhos que no céu encontravam o mar em uma noite quente de verão, e na lua que iluminava tudo ao redor, e faltava coragem para tocá-la com a mão machucada, calejada e ferida pela matéria-prima que o criou. Escondeu o rosto com medo de que ela pudesse corresponder ao olhar mágico que o enfeitiçou, como contavam as velhas lendas que conhecera por saber o seu lugar no mundo. Ela saiu de sua aquarela invisível, deixando as águas reclamarem sua volta, e o percebeu encolhido atrás da mata, com um sorriso o hipnotizou, fazendo com que ele não sentisse saudade de onde veio. O capataz observando toda a cena, agarrou o seu braço com força, derrubando-o com violência, desferindo alguns golpes, e arrastando as suas sobras , o levou embora.
O cheiro, uma mistura de odores fortes, inquebráveis e indômitos de um fedor difícil de descrever por palavras tão futuras, espalhavam-se pelos quatros cantos da casa grande (que fora construída para que o vento frio de um horizonte em chamas pudesse refrescar a mente dos visionários da fortuna), penetrando pelas rachaduras das paredes, nos cantos obscuros e nos quartos fechados. Um perfume mestiço que vinham daqueles que não estavam aqui, nem a liberdade de se ver num pedaço destruído de espelho, atravessava todos os salões e avançava sorrateiro para as narinas do senhor de engenho que cuspia no chão e pensava de onde vinha esse cheiro ruim, tórrida lembrança lhe escapa a mente e suspira pelo milagre de respirar um ar limpo, cercado por milhares de hectares de terra. Caminhos tortos acertados por sua bengala, caminhava para ver o negocio crescer, e somente parava quando enxergasse o seu horizonte (sem fim) construído por suas mãos. Nessa hora, o capataz e a sinhá, se apresentavam e tudo o que aconteceu virava mito. Sabendo de tudo, confiando nos valores (que somente os iguais a ele possuíam) que carrega e que por teimosia de gente velha deveria ser apreendida pelas carnes frágeis de jovens sem razão e sem experiência para conhecer as coisas como elas são. Seu rosto cheio de rugas crescidas com o mundo e sua expressão ranzinza dominava todas as ações rebeldes e controlavam as emoções surgidas do ventre da mãe que abandona sua casa. E sua mão poderosa ensinou o ódio cravado nas entranhas de seus olhos mortais, quando, da súbita raiva, espancou sua filha, que com os olhos inchados se rendia a promessa de apenas chorar pela sua cor.
Com o inferno nas veias, os três foram para o espetáculo da noite. O escravo ia ser castigado. O padre estava presente, com seu olhar indiferente e seus braços cruzados, para garantir que a paixão de cristo fosse realizada aos olhos do senhor. Ordenaram para que a batucada se calasse e que todos estivessem presentes. O escravo pecador já estava preparado, amarrado ao tronco e com as costas vulneráveis. O senhor de engenho pediu a atenção de todos e disse as antigas palavras guardadas na cova de um homem com uma história sem alma, enterradas no profundo solo negro de um cemitério sem memória. Ele (o escravo) sem brilho olhava para estrelas do céu e implorava que levassem o sofrimento imposto por aqueles pés presos ao chão duro de suas carcaças podres e nobres. A rainha da atração, ela (a sinhá), recebeu a sua oferenda, a chibata do capataz. O silêncio se fez presente para que a normalidade se tornasse real e que somente os gritos pudessem ser escutados. No mesmo grito ausente de uma chibata manchada de sangue vermelho puro, nenhum dos dois conseguiu mais aguentar, ela chorava pelo amor, e ele chorava pela dor.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Cinema

sei que as horas passam
até pareceu que elas pararam
quando você disse
que queria viver um amor de cinema
e no escurinho do cinema
sonhos são jogados na tela
e eu me entrego aos braços dela
ensaimos nossas cenas imporvisadas
atuamos entre beijos e mancadas
vamos sem direção
com a mesma intenção
se encontrando nos achados
pegos no ato do nosso crime
e de olhos fechados
esquecemos o final do filme

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Em chafariz

sorriso de quem quer ser feliz
anseio da natureza do desejo
uma flor se abre em chafariz

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Sorriso

Sorri
ela ri

Enquanto ela dormia...

Não acorde menina
senão a vida desatina
sonhe comigo bem devarinho
teu sono é um eterno momento de carinho

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O lugar da solidão

Os buracos da calçada eram meu único empecilho. Desviava deles com a destreza de um atleta. É nessas ruas que me chamam que caminho com rumo traçado, olhando para as coisas sem remorso e entusiasmo. Hoje é dia do não. Não quero poesia. Não quero arte. Não quero expressão. Não quero liberdade. Não quero porra nenhuma. Quero apenas calar-me. Encontrar o meu próprio silêncio. Para isso não adianta tapar a minha boca, pois nós conseguimos falar através de outros meios que ultrapassam nossas próprias barreiras, sim, nós somos cretinos. Como não dá para parar os movimentos da vida, procuro um jeito de conseguir, pelo menos, um pouco de calmaria, entrando no botequim mais próximo.
Todos me observam, velhos freqüentadores, erguendo seus copos com cerveja ou qualquer outra coisa, intrigados pela minha peculiar presença. Estou bem arrumado, pois apesar de ainda ser quase noite, hoje é sexta-feira. Acomodo-me em um banco acolchoado, chamo o dono do bar e peço uma cerveja. Sorridente ele traz a garrafa e o copo recentemente lavado e os coloca sobre o balcão, e talvez intrigado pelo meu rosto indiferente, me pergunta o que eu estou fazendo ali. Secamente respondo que aqui é o lugar das pessoas solitárias. Problemas com mulheres, amor ou dinheiro? Diz num tom sério. Não tenho nada disso. Alguém o chama da outra ponta do balcão. Encho o meu copo vazio e tomo o primeiro gole. Logo ele volta. Não se pode ficar assim sendo tão jovem. Agora diz num tom mais descontraído. Talvez, respondo sem querer continuar a conversa. Sorrindo ele se vai. Sem nada para fazer, fico olhando as garrafas, uma ao lado da outra, em prateleiras na parede. Lembranças indesejadas invadem minha mente, e vou apagando-as com mais goles garganta adentro. Vejo as pessoas também sentadas, ninguém olha para o lado, e eu fico aliviado. Com o braço levantado, chamo o dono do bar, que parece um português caricaturado, com o seu bigode gordo e sua pança enorme. Outra cerveja? Faço o sinal de positivo com a mão. Levanto e vou ao banheiro. Mijo e vou direto para o ar livre fumar um cigarro. Fumo tão rápido que não percebo. Volto para o meu lugar e o português parece que me espera. Vá viver rapaz! Diz animado. Onde? O copo cheio encontra a minha boca. Sem a resposta vai atender outro cliente.
Para a minha surpresa (mentira, sempre acontece isso), um bêbado aparece, e sem eu jamais entender o motivo, começa a conversar comigo como se fossemos amigos há muito tempo. Conta-me sobre sua vida, e dali tira suas idéias e teorias sobre as coisas. Apenas concordo com tudo. Chega a me dar conselhos calorosos e totalmente convictos (deveria existir uma ciência sobre isso), alegrando-se da sua sabedoria, ele sorri prepotente. Sem tentar contradizê-lo ou a mim, aceito tudo de bom grado. Procuro o dono do bar e lhe faço um sinal para mais uma cerveja. O bêbado continua a falar e acaba contando alguma história biográfica, e eu acabo me comovendo, apesar de querer tapar os ouvidos. Depois diz que tem que ir embora e se despede de todos. Nada muda. Presto atenção nas garrafas na parede novamente.
Penso que sei o que estou fazendo. Continuo bebendo. Tudo é muito tedioso, mas acho que devo aguentar. Pego um cigarro do maço e de novo vou fumar. Já está de noite. Porém dessa vez não procuro a lua. Não quero falar com ela. Então observo a rua. Distraio-me com qualquer coisa. Fecho as cortinas e me divirto com a ausência de aplausos. Depois espero que os aplausos ecoem, mas o espetáculo ainda não acabou. Como sou tolo. Meus únicos inimigos são as palavras que me traem e assim, começo a dizer. Encaminho-me para o balcão e engulo a minha cerveja na esperança de me calar. Sou um tolo mesmo. Olho para as horas e percebo que tenho que ir embora. Grito pelo dono do botequim que aparece com o mesmo sorriso e peço a conta, ele diz o número, eu lhe dou o dinheiro e me despeço. Já saindo, quase de fininho, vejo uma mulher sentada em uma cadeira de plástico que ficava na calçada esburacada, e a única coisa que posso mostrar a ela é o meu olhar contendo a dor compartilhada por todos que aqui estão. Mas ela sorri. Mais uma vez um tolo. Para um coração canalha, a solidão é a paz que não se quer.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Vinheira dos sonhos

um gole de vinho
mais um golinho
um novo mundo descoberto
eu desapareço por completo

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A mariposa

Ela queria nascer de novo. Presa no seu casulo de pensamentos sufocantes que formavam uma crosta mais forte do que ela poderia imaginar, tentava se desprender dessas amarras sombrias, balançando-se para os lados, agitando-se a cada passo de uma batida do seu pequeno coração que aos poucos ia lhe dando a crença de que poderia ser feliz nesse mundo. Tinha a expectativa de que a vida fosse mais do que poderia prever, uma passagem de um lugar mágico, um sonho doido que a fazia sorrir por debaixo de sua proteção temporária, uma doce visita ao paraíso, imaginava cada elemento presente nesse mundo bordado por seus caprichos, excitando-se a cada respiração mais intensa, querendo desesperadamente abrir as asas e conseguir a liberdade de voar para onde quisesse, para onde pudesse, para onde fosse. E ela seria a mais linda, com as cores mais vibrantes que ao tocar os raios solares brilhariam para além do horizonte, todos ficariam admirados pela sua beleza natural e se emocionariam quando a encontrassem nua de seus preconceitos, passando pela sua própria avenida solitária. Na ingenuidade do seu viver, a mariposa pensava que era uma borboleta.
E foi assim que ela veio ao mundo, abrindo o limitante casulo de suas ações e esperançosa sobre o caminhar pela vida que estava tão perto de alcançar, com sua força de romper barreiras indispensáveis para seu crescimento. Percebeu-se diante de tudo ao mesmo tempo, ficando assustada no início e excitada logo depois, conhecendo a primeira folha em que pousaria, era verde e leve, sentiu sua textura e sorriu para o que via. Tudo era uma novidade, por isso, foi examinando cada parte daquele miúdo mundo e se encantando com todas as diferentes sensações que descobria. Querendo mostrar suas cores vistosas foi de encontro ao sol, que estava radiante e imponente, distribuindo seus raios para todos os lados, conectando-se com todas as coisas, vivas e mortas, de um calor que parecia penetrar na alma, mesmo sem querer. De asas abertas, encontrou-se com ele no meio do céu. Suas cores escuras não refletiram sua luz, e o calor a penetrou com uma violência arrasadora que ela poderia gritar de dor, sofreu com as primeiras queimaduras que recebia em seu breve espírito aventureiro e caiu, lentamente, tentando bater suas asas e sair do inferno, procurando uma sombra, um lugar onde não sentisse mais aquilo.
A sombra de uma árvore a acolheu, lentamente deitou no chão sobre a sua proteção e ficou na mesma posição, inerte em sua mente por alguns instantes. De seu abrigo, um tédio lhe invadia e seu ser não conseguia controlar a agitação de seu corpo que se debatia querendo sair dali, querendo exercitar seus músculos cheios de energia. A única coisa que ela precisava para sair daquele lugar era a coragem, e assim o fez, encarando o sol mais uma vez. Seguia por cima da floresta a olhando com afeto, sem se importar com o calor forte que vinha do norte, resolveu ir para o sul buscar algum aspecto grandioso de um azul, de qualquer azul. Afastando-se de sua floresta onde deu seus primeiros passos, encontrou um campo aberto, aparentemente sem fim e sorriu de sua alegria infantil, inocente sem precedente, uma novidade de sua verdade, sua visão estendida para o céu percebeu várias borboletas flutuando, jogando suas cores para todos os lados, descendo até as flores espalhadas pelo campo verde e subindo até o infinito. Aproximou-se com uma excitação à flor da pele, querendo e não chegar, com medo de não agradar, com receio de seu belo olhar, porém, assim o fez. Da sua chegada, ela viu uma flor azul, quieta entre várias outras ao seu lado, e pediu a sua permissão para pousar, não obtendo nenhuma resposta, delicadamente encostou seus pés nas pétalas de sua surpresa, e contemplou seu azul, se era o azul que ela buscava? Não sabia, mas aquele azul era da cor de sua felicidade, e se perdeu dentro dela, sem tempo, sem espaço, a beijou para que não se esquecesse, uniu-se a ela sem cerimônia como se fosse a última coisa a se fazer no mundo. Logo depois, algumas borboletas vieram e lhe perguntaram o que estava fazendo, respondeu que estava sendo feliz, retrucaram dizendo que uma mariposa não podia estar naquele lugar e que ela teria que partir. Abriu uma fenda de confusão em sua cabeça, pois ela era uma borboleta e essa era uma das únicas certezas que tinha, por isso tentou argumentar com as outras, mas suas palavras não foram ouvidas e ela foi expulsa de seu paraíso.
Apenas conheci um lugar e foi para lá que ela voltou. A floresta estava do jeito como ela deixou, e o sol estava mais fraco por causa do fim do dia. Adentro-se nela, passando pelas árvores, cambaleando meio bêbada, triste pelos recentes acontecimentos e se questionando se tudo aquilo que passou valia uma lágrima de seu choro, flutuou exausta e deixou seu corpo mole cair até a beira de um lago. Viu seu reflexo no espelho da água, contornos de uma mariposa apareceram para ela, e aquela imagem feia a fez tremer e se encolher querendo um novo casulo, gritando para si mesmo que queria nascer de novo, de nascer como uma linda borboleta para viver o seu desejo de azul. Pela solidão da noite e o cansaço do dia, ela adormeceu abraçando o seu próprio corpo, protegendo-o da maldita imagem que vira, sem forças para um último sentimento e temendo que água pudesse mostrar mais do que ela poderia aguentar. Na fortaleza do seu ser, ela não seria uma mariposa.
No dia seguinte, acordou com um animo diferente, e mesmo estando traumatizada e melancólica, decidiu não ficar lamentando e parada em sua inércia tímida, projetou suas asas para alto e voou, com medo e sem astúcia, encontrou o céu novamente, escolheu sua direção contrária e seguiu em busca de outro azul, de qualquer azul. Durante sua viagem, observou uma massa cinzenta ao longe, e por causa de sua incontrolável curiosidade, viu-se obrigada a chegar mais perto. Era uma cidade e seus olhos se animaram com uma nova possibilidade. Desviava dos carros parados em algum engarrafamento, admirou-se das pessoas andando pelas ruas em um único passo, sempre na mesma nota e de uma precisão robótica, encantou-se por suas cores cinzas, brancas, marrons e pretas parecidas com as que viu no espelho da água de sua própria face. Passou entre fumaças de escape, cigarro e fábricas, banhou-se das bebidas amargas e fortes, espantou-se com as construções gigantes do centro da cidade, inquietou-se com o barulho ensurdecedor que enlouquecia seus ouvidos e riu da diferente vida que se levava por aqui.
Com os olhos atentos, percebeu uma janela aberta e um rapaz fumando atrás dela. Ele estaca usando uma camisa azul e seu rosto despreocupado e sereno representava uma aspecto menos perturbador. Aproximou-se com o mesmo instinto que carregara até ali, hipnotizada pelo azul, sem saber se aquele azul era o que ela procurava. O rapaz se assustou e recuou e gritou para sua irmã, dizendo que havia uma mariposa no recinto. Ela tentava pousar naquele azul, talvez o azul de sua felicidade e uma paz aparecia toda vez em que pensava que estava perto demais. O rapaz continuava a desviar, e a repeli-la com as mãos, nervoso, gritava cada vez mais quando sua irmã apareceu. A mariposa pousava em algum lugar e depois se lançava para o seu destino, impune e contente, confusa, mas certa de sua iniciativa. A irmã percebeu a situação e partiu para dentro da casa. Ele dizia em voz alta para a mariposa não se aproximar ou para ir embora, porém ela não escutava e continuava a abrir as asas e ir de encontro aquele azul, apenas isso e sua determinação não a deixava descansar. A irmã voltou com um inseticida e quando a mariposa fazia uma nova tentativa foi atropelada por seu jato venenoso, obrigando-a a pousar em qualquer canto. Cada vez mais, ela se sentia fraca e o veneno corria pelo o seu corpo, embriagando seus sentidos e descontrolando seus pensamentos até que ela caiu no chão. O rapaz e sua irmã se animaram com sua vitória e sucesso e foram embora deixando-a sozinha. A mariposa apenas olhou o seu azul cada vez mais distante e lembrou de todos os azuis que perseguiu, sorriu para o que vivera e fechou os olhos para o amanhã.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Atrás das grades

nosso encontro aconteceu na boemia
do nada apareceu dizendo que me queria
te mostrei minha tatuagem esquecida
que representava nossos íntimos desejos
ganhei um sorriso tímido e vários beijos
fomos para o seu lar sabendo o que aconteceria
brincar de marido e mulher sem aquela calmaria
e em um descompromissado momento carente
o amor passa, e a gente nem sente
dois corações de vidro quebrados, contidos
enganados por seus próprios pedaços
quando tudo acabou, recolhi nossos cacos
não tive escolha do que me vestir e partir
virou as costas e me deixou em paz
atrás das grades, sem nenhum adeus
me deixou apenas, a vontade de beber mais

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

As únicas

Fico aqui pensando se aquelas mentiras apareciam na inconsciência dos homens pelo momento conturbado de suas cachaças ainda estarem no copo esperando que a tristeza pudesse suportá-los, mas não sei bem. Pensam que bêbados podem ser exaltar ou controlar a situação, mas não conseguem aguentar nem a si mesmos que choram pelo descuido de deixarem a mostra a sua dor, pânico de seus olhos moribundos, perturbados pela carência do que sentem e presos no seu próprio desabafar. Ainda lembro daqueles olhos pequenos, cheios de lágrimas que nunca caíram, a boca áspera e machucada com bafo de álcool infestando minhas narinas quando ele falava que me amava, e eram tantas e tantas palavras que eu me acabava me perdendo nelas, não sabendo como tinha começado, ou o que significava todas elas, porém sabia onde isso tudo ia terminar, na crença de mais palavras construídas por um estado de espírito abalado, neutralizado pelo néctar dos deuses, o paraíso dos viciados em matar o sofrimento com gotas de orvalho vendidas em qualquer esquina. Não havia escolha em abraçá-lo, esperando que alguma ternura aparecesse de algum lapso de memória, ou gesto singular de alguém sensibilizado com o momento, mas apertava forte, como um touro, me esmagando o peito, machucando minhas costas, que me proporcionava uma dificuldade de respirar pela pressão em meus pulmões, depois ele parecia sereno, fechando os olhos bem devagar, até talvez, dormir em meus braços, pois afrouxava as amarras e amolecia o corpo querendo se espatifar no chão, então sobrava para eu segurá-lo e jogá-lo em algum canto qualquer para ele apagar por aquele dia.
No dia seguinte, dizia que não lembrava de nada, e pedia desculpas esfarrapadas pelo o que sua mente alcoolizada tinha feito, pois a culpa era do álcool que tinha atrofiado suas perspectivas, que tinha castigado suas ambições, destruído seus sonhos mais íntimos e matava sua esperança que a vida pudesse se abrir em um leque de novas possibilidades. Não podia deixar que tudo terminasse assim. Pedia uma regeneração. Ele reclamava que nada dava certo, e começava a gritar pelo impulso da ressaca que deixava sua boca seca e a voz meio rouca. Argumentava com toda a raiva que transbordava de sua causa perdida, não me deixava responder aos seus insultos, não conseguia dizer uma única palavra, então também elevava a minha voz, e ficamos cuspindo palavras que ninguém mais escutava, apenas as paredes absorviam aquela algazarra. No final, ele resmungava que a culpa de tudo aquilo era minha. Xingamentos se chocavam no ar. E na calmaria do cansaço em dizer, o silencio invadia nossa privacidade e cada um ia para o seu canto pensar no que tinha acontecido. Descobrimos que não dava mais, e fortes em nossa decisão de pessoas maduras, desistimos do nosso passado, cravamos as estacas em nossos corações que sangravam há muito tempo, acomodados com esse estilo trágico de vida. Ele ia embora, e eu ficava.
E ficava como sempre fiquei, esperando que tudo pudesse ser diferente. Tantos e tantos homens passaram pela minha vida, e como nem os orixás pudessem revelar, contra toda a espécie de destino pronto, tudo se repetia, com todos os passos, com todas as cartas marcadas, e o mesmo final sempre igual. Não me arrependo de nada, não posso ter esse luxo, seria como dizer que errei, ou que a culpa sempre foi minha, mas lamento por ainda guardar uma poesia escrita por ele em papel de caderno amassado depois de uma noite de amor na qual só me lembro por causa dessa lembrança, ainda presente, cheias de palavras, talvez, sinceras, talvez, as únicas.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Serenata do amor das antiga

toco com dedos pesados as cordas do violão
para uma serenata de amor das antiga
tremo o corpo que sofre com o calor de verão
e com a aparição da mulher mais bonita

sou corrumpido pela enchurrada de asiedade
de onde surge a sensação de fuga
mas as pernas não se movem por trás da cidade
que na espera de baixo me abriga

exausto, ainda há força para cantar mais uma
no rastro de teu perfume que chega na rua
me lastro na esperança do que nos una
espio do alto tentando te ver toda nua

tenho até uma rosa na mão a lhe esperar
ainda te chamo pelo nome do meu cantar
olhos atentos na janela do seu despertar
cansados de te vê e não poder te tocar

levando as horas nas costas, desça agora
antes que chegue a hora, de ir embora

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

No meu carnaval...

Quero fazer
um carnaval com seu coração
Vem conhecer
as marchinhas do meu cordão
Não deixe de ver
a alegria nascer do meu folião
A banda descer
através de um corpo de união


do meu ser
não se sinta totalmente envergonhada
É do crescer
desses olhinhos pequenos de mulher
que no viver
cai a fantasia dessa mascarada
e no amanhacer
poderemos fazer o que quiser

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Apenas ela

Olhando de uma forma discreta para os diversos
caminhos incompletos de um pequeno olhar
escrevo esses mesmos restos de versos
que teimam em violar o meu despertar

Pois já acordo com o velho mau humor
para manter uma distância segura de você
deixo que a tristeza seja a causa da dor
onde dizem que tudo pode envelhecer

Vejo o amor sair pela porta que entrou
levando tudo o que ele já me mostrou
finjo não me importar
mudo do que aguentar
corro para a janela
esperando ele voltar
mas era apenas ela

De tudo que me faz mal
mal pode esperar o carnaval
para desejar essa intensa folia
sobreposta pela eterna melancolia

Surto sufocante que vem com a noite
estado paralítico da minha sorte
não sinto as lágrimas para derramar
não consigo perceber esse lamentar

o que nos mata lentamente, petriifica
cada passo nosso por esse pesado chão
a solidão de todos nós é filha única
apenas ela, amolece qualquer coração

domingo, 2 de janeiro de 2011

Bela Morte

Aproveitava os raios solares da metade do dia para estender as roupas no quintal apertado nos fundos da casa de um subúrbio qualquer, na esperança que elas já estivessem completamente secas no fim da tarde. Mesmo com o peso da idade em suas costas cansadas, não abdicava de suas tarefas habituais de esposa responsável que aprendeu logo na adolescência através de sua mãe e que agora devia estar orgulhosa debaixo da terra. Não as fazia com o gosto necessário, porém se tornaram parte de sua vida terrena, tão serena que não reclamaria do que tinha a fazer, apenas faria. Tinha saudades mesmo era das tarefas de mãe, árduas, melancólicas, mas tão carinhosamente ocultas que a nostalgia brincava com seus sentimentos mais profundos, compreendendo o exagero natural de ternura que não saía com um banho de água gelada no frio aterrorizante. Passou para a sua próxima tarefa comum, contudo eficaz no aprisionamento do tédio, lavar os pratos depois do almoço.
Ele não voltaria tão cedo. Saiu de casa dizendo (como sempre dizia) que ia dar uma volta por ai, ver as pessoas na rua, e depois voltar. Às vezes, dizia que compraria o pão para o café da tarde, mas nunca cumpriu essa promessa. Ele sempre ia para o mesmo lugar, de onde só se retirava quando a noite se apresentasse e ficasse ao seu lado até chegar a hora de ir embora. No bar, sempre encontrava pessoas conhecidas e por lá ficava, ficando, ficará, ninguém sabendo até quando. Hoje era para ser um dia especial. Era o dia de nossas bodas de ouro, que o nosso filho, gentilmente, se ofereceu para dar um churrasco aqui mesmo em nossa casa para parentes e amigos, um presente para nossas vidas perto do fim, uma homenagem para um casamento duradouro. Mas, ele não voltaria tão cedo.
Durante muitos anos andou esse mesmo caminho até o bar da esquina. Todo mundo o conhecia, e falava com todos com um entusiasmo e um sorriso. Ele era daqueles típicos velhos que vão ao bar para tomar aquela cachaça amiga ou uma cerveja bem gelada todo o santo dia. É um ritual religioso, feito passo por passo, trazendo um prazer compreendido apenas por aqueles que o conhecem. E mesmo que por um minuto, ele estivesse sozinho, logo alguém que como ele vinha para desfrutar desses delírios, aparecia, conhecido de longa data, ou puxando uma conversa qualquer depois da primeira descida de uma aguardente. Cumprimentou o dono do bar e zombou da derrota do seu time no dia anterior. Acomodou-se na primeira mesa que viu e já pediu uma cerveja gelada. Encontrou com mais alguns companheiros e ali beberam e gargalharam como de costume. Falavam de muitas coisas, lembravam histórias passadas, discutiam sobre os times de futebol, davam conselhos aos mais novos, brincavam com as mulheres mais novas, e reclamavam de suas esposas. Cada vez mais eufóricos, cada vez mais vivendo o mundo deles, um mundo inventado e divertido, abençoado pelo diabo e perdoado por deus.
As horas passavam e nem sinal dele. Ela sabia disso. Sempre soube. Teria que ir lá onde ele estava e arrastá-lo para se arrumar para esse dia incomum. Chegaria de mansinho e pediria para que ele fosse para casa. Não. A raiva guardada desde cedo ia agora mostrar suas garras nas verdades silenciadas pelo tempo. Trancou a porta com a chave e saiu de casa aborrecida com a falta de presença daquele que a prometeu voltar para a casa. Era a primeira vez que ele tinha a visto chegar assim. Era a primeira vez que ele a tinha visto ir até lá. Assustou-se com as palavras que lhe feriam, porém como tinha preparado uma defesa estrategicamente armada, apontou os canhões e atirou palavras do mesmo calibre, talvez mais mortais e perigosas, e a fez naufragar em lágrimas, desaparecendo entre as pessoas, tentando esconder o rosto choroso, voltando para o abrigo mais próximo da dor. Ele sentiu o peito esquisito, uma culpa que se instalou e foi abafada pelos dizeres de seus companheiros, falando que era assim mesmo que as coisas aconteciam, dialogando sobre suas esposas e como elas agiam enchendo o saco deles a todo o momento. Ele viu o dia escurecer, como sempre, mas dessa vez de uma forma diferente. Sabia que isso não tinha acabado. Não poderia acabar assim. Bebeu o último gole de cerveja e voltou para a casa.
Os convidados chegavam a todo o momento, e o filho deles é que estava recebendo as visitas e as deixando a vontade. Quando o seu pai chegou foi direto falar com ele, esbravejando e perguntando o que ele tinha feito com a sua mãe. Explicações sem fundamentos, desentendimentos comprometidos e muitas palavras em vão estreavam entre um e outro. Uma conversa que tinha saído fora dos trilhos. Eles se olharam e o seu filho pediu para ele se arrumar. Ele obedeceu. A mãe já estava arrumada e tinha obrigatoriamente se recomposto do ocorrido para não alertar os convidados. Jogava sorrisos frouxos e conversava amigavelmente. Havia bastante comida e bebida. Latinhas de cerveja amontoadas procuravam espaço em caixas de isopor, enquanto que pedaços de carne crua eram assados, linguiças coradas e frangos dourados eram distribuídos entre os convidados. Tomou um banho bem tomado. Refletia sobre o ocorrido, mas não chegava a lugar algum. Vestiu o seu terno meio velho, mas cuidadosamente lavado e passado por sua mulher, dando-lhe um aspecto quase novo. Foi para o quintal, onde todo mundo estava, meio receoso e tímido, beliscou uma carne que estava saindo naquele momento, e depois pegou uma cerva quase gelada. Não falava com ninguém, apenas observava tudo sem emoção. Algumas pessoas vinham lhe falar dando os parabéns e ele agradecia com um meio sorriso. Parado no seu canto, de relance avistou sua esposa falando com os convidados, se sentiu acuado e sem saber o que fazer, terminou sua latinha, jogou-a no lixo mais próximo e sacou outra da caixa de isopor.
Dessa vez, foi ela que o viu ali, no seu cantinho solitário. Primeiro fingiu que não viu. Também não sabia o que fazer. Tinham construído um abismo imenso feito com o suor das palavras miseravelmente ditas. Quando os demônios estão soltos, rasgam a pele fazendo pequenas feridas em todas as partes do corpo, demônios mais humanos que divinos, mais terrenos que celestes, não evitam os sofrimentos postos a prova, e os pecados vem vão como brisas do mar de almas aflitas pela solução das eternas pendências. Apesar de tudo, ela o fitava na esperança dele vencer esse abismo e trocar algumas palavras mais amenas com ela. Ele sabia o que tinha que enfrentar. Terminou sua latinha de cerveja, deixou em qualquer canto e a olhou fixamente até ela devolver o olhar. Foi se aproximando como se não quisesse nada, porém queria tudo. E num susto meio louco, eles se encontraram como se nunca tivessem se conhecido. Mesmo meio tonto, com álcool no sangue, mas com o tato experiente, pois seus braços ao redor do corpo dela, um abraço inusitado, parecia uma canção tão bela. E aquele calor que o choque de dois corpos produz intensificou suas manifestações de afeto, surgindo então um beijo delirante daqueles que aparecem em momentos raros de um casamento antigo. Ele ficou excitado como um jovem de vinte anos, e poderia contar nos dedos quantas vezes se sentiu assim depois dos sessenta anos. Arrastaram-se para o quarto intacto há vários anos. Despiu-a como um novato e a desejava nos estranhos caminhos amorosos, com a pele enrugada, os peitos caídos, a beleza tão prejudicada, mas uma vontade de possuí-la tão imensa quanto na primeira vez que transou com ela. Uma furiosa paixão acumulada se libertou de suas amarras e se deixou acariciar, bajular, penetrar e gozar várias vezes até o seu o fim, indo cada para um lado, olhando para o teto com uma felicidade perdida há muito tempo nesses lençóis limpos. E nesse momento, eles esperavam ansiosamente que a morte viesse para levá-los embora. Ele não voltaria para o bar. E ela não recolheria a roupa estendida no dia anterior.