sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Disritmia de um coração

Isso são horas, coração? A noite se apresenta com seu espetáculo de escuridão para me chamar e acender a sua chama, coração. Eu apenas queria dormir um sono pesado, sonhar com tudo que não está aqui, e não acordar tão cedo de lá. Folgado coração, passeia a vontade pela minha casa aberta aos ventos de outros lugares. Vagueio pela minha moradia sem rumo, tentando acalmar esse palpitante coração. Ele veio para me atormentar e não me deixar fugir para cama, mas eu insisto mesmo assim e deito. Fecho os olhos para esquecer, mas o agitado coração, mais uma batida, dentro desse peito apertado quer aparecer, enquanto isso, rolo de um lado para outro, querendo encontrar uma posição de vantagem, porém ele já sabe os meus movimentos e minhas estratégias para acalmá-lo, e não hesitante me joga para fora da cama e abro os olhos furiosos de minha rendição. Para que mais uma batida? Não vai me deixar descansar? Para que mais uma dança com a esperança, coração?
Aos poucos, ele vai destruindo o meu senso de razão, e caio nos seus diferentes sentidos contraditórios, não sei se é o que ele quer, ou se é o que eu quero, mais uma batida, desfigurado, descontrolado, coração. Inquieto e desnorteado, caminho para a janela e observo a noite que novamente clama pela minha presença. Apelo para um cigarro, como se ele fosse resolver todos os meus problemas, e digo, por favor, pare coração. Minhas súplicas são cortadas por mais algumas batidas, que lentamente vão me deixando louco. Coração, o que quer de mim? Já não posso te dar mais nada. Só quero a paz que você não traz. Não desiste de me conquistar com seus encantos de um olhar transtornado sobre a vida. Coração, coração, veja as coisas como elas são. Ele vem me tomar pela mão que treme sem parar, sacudindo meu corpo petrificado pela noção de não querer ir com ele, com mais uma batida dissimulada, preso ao caos, vou definhando e ficando a mercê da sua própria mão, quando finalmente não existe mais cigarro.
Olha... uma cigana desconstruindo o seu acampamento para satisfazer sua característica nômade. Vá coração! Vá embora com ela! Vá com ela sumir por esse mundo. O que fazer de um coração em transformação? Olha... as crianças dando gargalhadas das brincadeiras de um torto e manco palhaço que está com rosto marcado e pintado para divertir. Vá coração! Vá com ele coração! Vá buscar alguns sorrisos dessas bocas sérias. O que fazer de um coração de circo? Olha... os olhos cheio de clareza daquela mulher apaixonada e a delicadeza de seu sorriso cheio de água correndo mágoas. Vá com ela coração! Vá se entregar a outro coração. O que fazer de um coração de paixão? Será que ninguém quer saber os segredos entre as batidas de seu coração? Será que ninguém quer entender as disritmias de seu coração? Ninguém lhe quer, coração, nem mesmo o seu dono lhe quer, coração.
Está na hora de parar, coração. Chegou a hora de escolher um único horizonte e seguir apenas nessa direção, será melhor para mim e para você, coração. Não desperdice essa chance de entrar nos eixos do mundo, para ingressar nas engrenagens da mesma máquina que construiu todas as nossas peças, não se pode enganar por tanto tempo a si mesmo, coração. Triste coração solitário que quer ser livre da desgraça, cachaça aos goles da agonia de um desesperado coração. Sem vergonha, coração. Veste a sua fantasia mais pesada para brincar em um carnaval que já acabou. Tolo coração. Sobe as cortinas do seu palco e se apresenta para o público, cena sem interação, ator falso, personagem recluso, de uma trágica comédia que ele não se importa de representar. Está na hora de parar, coração, eu te aviso como amigo.
Olha... os passos de um moribundo desengonçado, bêbado de suas andanças cansadas. Vá com ele coração! Vá andar bêbado de sua crença! O que fazer de um coração sem chão? Olha... as palavras que voam por trás dos prédios de um poeta sem perna. Vá com ele coração! Vá dizer palavras que ficarão! O que fazer de um coração amordaçado? Olha... aquela dançarina que se machucou, e agora chora se apertando contra a parede. Vá com ela coração! Vá dançar com as lágrimas! O que fazer de um coração em pranto? Será que esses corações batem no mesmo ritmo que seu coração? Será que eles escutam as batidas de seus corações? Será, coração?
Ilusão... velha conhecida do coração. Chora coração, disfarça coração. Vou te proteger quando você encontrar com ela, te abraçando até explodir em mil cartas marcadas. Está na hora de parar coração. Está na hora de ir embora, me escute só por um momento, é para o seu próprio bem. Aceite meu conselho, pois lhe dou por pura convicção, e não preciso nem de sua gratidão. Errado coração. Não consegue perceber o caminho certo e sempre escorrega para o outro lado. Natural coração. Não encontra a raiz de sua árvore, pois já alcançou os galhos mais altos. Teimoso coração. Tapa os ouvidos, a boca e os olhos, porém escuta as canções, vê o espelho e fala sobre suas emoções. Porque, coração? Porque sempre que tento te deixar pelo caminho, você não me abandona e ainda fica para me mostrar alguma coisa a mais com mais uma batida parecida com o amor?

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