quarta-feira, 25 de junho de 2008

O louco

- As árvores trocavam de folhas de tempos em tempos. Os homens selvagens dançavam para que a água caísse do céu. Havia duas estrelas no céu, uma aparecia à noite, a lua, e outro aparecia de dia, o sol, as duas estrelas eram veneradas, pelos seus poderes mágicos que possuíam. Os homens selvagens lutavam com os animais para saber quem era o mais forte...

Percebendo que seu filho já dormia, fechou o livro e deu um beijo na testa do menino:

- Boa noite, filho.

Então o doutor saiu de casa apressado, ligou o carro, e foi para o trabalho no hospital psiquiátrico. Ele era psiquiátrico, aqueles que curam a loucura dos loucos, não com balde de água fria, mas com métodos científicos, do qual o principal é a conversa. A noite estava movimentada, alguns sustos, alguns pacientes chegando, nada de anormal na rotina do hospital:

- O que temos para hoje? - Perguntou o doutor.

- Você tem um paciente novo.

- O que ele tem?

- Ele diz que a natureza existe.

- Mais um?

- É, parece até epidemia.

- Apronte-o. Estarei na sala de conversa.

- Está bem.

Já era tarde, o cansaço batia nos olhos, mas ele continuava esperando mais um paciente. Pela porta, entra o louco, com seus braços presos na camisa de força, mas seu olhar sereno, tranqüilo. Ele sentou-se, começaram a conversa terapêutica:

- Como está? - Disse o doutor.

- Poderia estar melhor.

- Então acredita na natureza?

- Ela existe. Não falarei mais nada, pois não acreditarás.

- Não, por favor. Conte.

- Eu vi as árvores, eu escutei os pássaros cantando, Eu senti os raios solares no meu rosto. Isso foi incrível.

- Você viu o sol? Mas pensava eu que a natureza só existia em livros infantis, que os pais liam para as crianças. A natureza é uma criação da imaginação humana. Você tem algum trauma?

- Não que eu saiba, me diga você. A natureza não é imaginação, ela é real, eu a pude tocar.

- Esta sua fixação pela imaginação é uma fuga do real. Do que você foge?

- Eu não fujo de nada. O meu lugar não é aqui, não sei porque eu voltei, sou um tolo. A natureza está mais perto do que você imagina.

- Onde está a natureza?

- Está atrás da área restrita.

- Mas a área restrita é uma área contaminada com material radioativo, por isso não podemos ir lá. Aquele lugar é a morte para o ser humano.

- Para chegar na sua essência, você deve enfrentar seus medos. Enfrente essa mentira, e chegará na verdade. A natureza é a nossa essência. Respire fundo, por favor.

Não achou nada de mais, então respirou bem fundo.

- Não sente que o ar que você respira está morto. Mas o ar que você respira na natureza é um ar vivo. Quando você chegar lá, respire fundo. – Indagou o louco.

- Não senti nada de diferente. – Retrucou o doutor.

- É porque você está acostumado com esse ar.

Por um segundo, o doutor acreditou no que o louco disse, mas depois refletiu, ele é um louco, ele não sabe o que está falando, ou sabe? A confusão tomou conta de sua mente, nada radical, mas alguma dúvida, talvez causada pela curiosidade. Olhando para o relógio, o doutor diz:

- Nosso tempo acabou, nós vemos da próxima vez.

- Doutor, só quero lhe falar uma coisa.

- Diga.

- Já se perguntou da onde vem a água que o senhor bebe?

Então o louco foi levado pelos enfermeiros para a sua sala, e o doutor, depois dessa pergunta ficou com mais dúvida ainda:

- Onde fica o abastecimento de água da cidade? Perguntou o doutor.

- Fica nos limites da cidade, perto da área restrita. Respondeu um enfermeiro.

Pegou o carro, e dirigiu até os limites da cidade. Havia vários imensos reservatórios, mas do principal saia uma mangueira que vinha da área restrita, não dava para ver sua origem, pois havia uma neblina. A neblina permanente radioativa, perigosa para nós, sempre aprendeu isso, desde pequeno. Vinha o medo, se atravessar à neblina, posso morrer envenenado. Vinha a curiosidade, e então a coragem, mas se eu não atravessar não saberei da onde vem à mangueira. Como que a mangueira que abastece água para nós sai de uma área venenosa? Então encarou a neblina, com medo e com coragem. Não dava para ver nada, cada passo, bem devagar, colocava as mãos para frente para ver se tocava em alguma coisa, os olhos começavam a doer, as pernas a tremer. Até que começou a ver alguma coisa, não tinha forma definida, talvez porque seus olhos ainda não estavam acostumados, lentamente, ia se criando forma, até que a neblina se dissipou, e a forma se firmou, era uma árvore, igual a um desenho que tinha visto, teve que tocá-la, mesmo assim não acreditou, e olhou o céu, a lua, não pode ser. Olhando entre as árvores via um lago, da onde a mangueira saía. Respirou fundo, e percebeu que era um ar diferente, realmente era mais vivo. Assustado, sai correndo de volta, pensando consigo, ela existe, a natureza existe.

Conseguiu se segurar. Entrou no carro e pisou fundo, tinha que voltar para o hospital. Entrou no hospital, e perguntou para o mesmo enfermeiro de antes:

- Onde está o louco que conversei mais cedo?

- Ele está na segunda porta à esquerda.

- Obrigado.

Ele seguiu em direção a sala. Olhou pela janelinha da porta e o viu sentado num canto. Abriu a porta:

- Eu vi! – exclamou o doutor.

- Você precisa me levar até lá – disse o louco.

Ajudou-o a tirar a camisa de força:

- Venha, vamos pegar uma roupa de enfermeiro.

Foram até a vestuário, sem que ninguém os visse, o louco colocou as roupas de enfermeiro, saíram pela porta da frente, foram para o carro. O destino deles era a área restrita. A neblina sempre está lá, dessa vez ela não foi problema, passaram correndo. Chegaram até as árvores, começou a chover, as gotas caiam no rosto do doutor, ainda perplexo com as novas descobertas.

- São gotas de água caindo do céu! – se espantou o doutor.

- Sim, é incrível. – respondeu o louco.

- Nós precisamos avisar para todo mundo! – disse o doutor.

- O meu lugar é aqui, eu não vou mais voltar.

- Entendo. – diz o doutor.

O doutor sai correndo, agora, ele não conseguiu segurar a emoção de ver tudo aquilo. Já estava amanhecendo, e o sol estava nascendo. Era lindo. Depois de passar pela neblina o sol sumia sem deixar rastro. Então voltou para a cidade, gritando:

- A natureza existe! Eu a vi! Eu a senti! Não existe área restrita! A natureza tem muito mais cor e muita mais bonita do que nossas paredes sintéticas sem cores e feias.

As pessoas passavam, acordaram cedo, estavam indo trabalhar, tinha que ser um louco falando que a natureza existe para perturbá-las, logo de manhã. Então, como sempre, se faz nesses casos, chamam a ambulância, e dela saem os enfermeiros com a camisa de força preparada para pegar mais um louco. O doutor nem teve reação, foi facilmente imobilizado, um dos enfermeiros, era aquele que o vira antes:

- Nossa! Mas é o doutor! Até você, doutor. Onde esse mundo vai parar?

- A natureza existe! Eu a vi! Eu a senti! - Não conseguia falar outras palavras nesse momento. E voltou de onde veio, para o hospital psiquiátrico.

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