terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A imagem atrás do espelho

Estávamos lá. Eu e você. Sozinhos. Em uma grande sala. Com um espelho imenso de um lado. A minha imagem atrás do espelho. Você olhava para ela. Estava apaixonada pela minha imagem. Eu estava atrás de você. Eu falava, mas você não escutava. Não conseguia me aproximar. Não consegui te tocar. Tão perto. Tão longe. Atrás de mim, uma porta. Onde ela vai dar? Você não quer saber. Não sabe que ela existe. Colocava suas mãos no frio vidro do espelho. Deslizava suas mãos pelo vidro todo. Jogava seu corpo contra o espelho. O que você queria? Eu olhava tudo aquilo. Ela se afastou. A minha imagem no espelho disse algumas palavras.
- O que você vê?
- A beleza da sua imagem. Você é bonito, tem olhos claros, você não é gordo. Sua pele é branquinha. Eu gosto de você.

A beleza da minha imagem? Eu sou bonito. O juiz bateu o martelo, decidindo. Eu sou feio. O juiz bateu o martelo, decidindo. E agora? O que vamos fazer? Se você é bonito, sorte a sua. As mulheres se encantaram com sua beleza. Elas vão se aproximar apreciando o vaso de porcelana perfeitamente construído pelo o mais habilidoso dos artesãos. Para isso, passe creme para pele, ele vai tirar todas as imperfeições do seu rosto, e claro, faça a barba. Se você for feio, azar o seu. Quem é que vai se aproximar? Talvez se você pagar. Ou se você tiver dinheiro, muito dinheiro, faça alterações no seu rosto, da forma que quiser. Mude o nariz. Mude a posição dos olhos. Mude os lábios de sua boca. Tire suas bochechas. Construa uma imagem para me impressionar. Você precisa disso. Mas se o homem não conseguir tocar seu violão? Se você é feio, mas tem olhos claros, você tem mais chances. Olhos azuis, verdes estão sempre em alta. Sempre chamam a atenção. Que tal colocar uma lente colorida? Não saia de casa com olhos comuns. Você tem que se esforçar mais, para me agradar. Eu sou gordo. Existe malhação, sabia? Tem uma academia em cada esquina hoje em dia. Ou então acorde cedo, e corra pelo seu bairro por um tempo. É claro, só exercícios não adianta. Você precisa de dieta, não é só comer de uma forma saudável, mas sim uma dieta das brabas. Você pode seguir uma dieta, porém vai ser difícil, demora muito tempo. Teste várias dietas para ver qual é a da sua preferência. Se quiser, fique sem comer por dias, ou coma e vomite. Ainda não está magro o suficiente? Você tem que ser esforçar mais para me agradar. Mas se o homem não conseguir tocar seu violão? Você é branco, ou seja, sua pele não é escura o suficiente. Você é negro, ou seja, sua pele não é clara o bastante. Não seremos hipócritas para não enxergarmos a diferença. Nossos olhos ainda não estão acostumados com uma pele mais escura. Então a beleza está enraizada nas pessoas com pele mais clara. Mas, isso depende, ter uma pele bronzeada tem seu charme, e sua beleza. Branco e preto, então essas cores é que definem a beleza? Eu gosto mais do azul. Tem alguém azul, ae? Será que também vêem alguma cor na tristeza? Ou na felicidade? Se elas tiverem cores, nós iremos julgá-las também? Mas, no final, o homem não consegue tocar seu violão. Então o que mais você vai fazer para eu gostar de você? A minha imagem é apenas uma construção do seu julgamento? Tudo isso, antes mesmo, de dizermos “oi” um para o outro.

Mas você não me escuta. Nenhuma palavra. Ainda estamos naquela sala. O que posso fazer? Você não olha para mim. Não olha para mim. Não olha para trás. Tem uma pedra do lado do meu pé. Abaixo com cuidado. Segura firme a pedra. Só assim chamarei sua atenção. Arremesso a pedra no espelho com toda a minha força. As rachaduras começam a aparecer. E vão caminhando por todo o espelho. Pedaços começam a cair. Vários pedaços começam a cair. Você começa a andar para trás, tentando fugir dos pedaços que caem. Do espelho, só os pedaços. Você caminha, lentamente, até esbarrar em mim, e virar para trás. Nós nos olhamos.
- Oi. – eu digo.
- Oi – ela responde.
- Quero que você veja uma coisa.
- Tudo bem.
Pego a mão dela, vou em direção a porta. Com a outra mão, eu abro.
- O que você vê agora? – eu pergunto.
Eu vejo uma praia. O mar, a areia, está tudo aqui. Tem um homem, sentado em uma pedra, jogando palavras ao vento, que logo depois caem no mar. Ele toca um violão, mas não consigo ouvir a melodia. Então me aproximo. Ainda não escuto. Agora percebo. Ele está fingindo que está tocando. Seus dedos não encostam nas cordas do violão. Ele olha para mim. Vejo seu rosto triste.
- O que você faz aqui? – ele pergunta.
- Eu não sei.
- Aqui é lindo, não é? - ele comenta.
- É. Só falta uma música. Porque não toca o violão?
- Eu estou tocando.
- É? Então porque eu não escuto nada.
- Era para você escutar?
- Sim.
- Eu não sabia.
- Posso tentar?
- Claro.
A menina pega o violão. Encosta de leve seus dedos nas cordas do violão. Ela começa a tocar, apenas toca. A melodia surge. O homem fica surpreso. Nunca tinha escutado alguma coisa parecida. A menina começou a jogar palavras ao vento. Mas agora, elas começavam a voar. Preencheram o céu. O homem olhava tudo aquilo. Isso o entusiasmou. Ele começou a jogar palavras ao vento, que também, voaram para o céu. Os dois jogaram palavras ao vento a noite toda, se divertiam com elas no céu. Para onde será que elas vão? Não sei, o que importa é que elas estão voando. Sabe, eu gosto daqui. Tudo isso, apenas depois, de dizermos “oi” um para o outro.

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