Ela queria nascer de novo. Presa no seu casulo de pensamentos sufocantes que formavam uma crosta mais forte do que ela poderia imaginar, tentava se desprender dessas amarras sombrias, balançando-se para os lados, agitando-se a cada passo de uma batida do seu pequeno coração que aos poucos ia lhe dando a crença de que poderia ser feliz nesse mundo. Tinha a expectativa de que a vida fosse mais do que poderia prever, uma passagem de um lugar mágico, um sonho doido que a fazia sorrir por debaixo de sua proteção temporária, uma doce visita ao paraíso, imaginava cada elemento presente nesse mundo bordado por seus caprichos, excitando-se a cada respiração mais intensa, querendo desesperadamente abrir as asas e conseguir a liberdade de voar para onde quisesse, para onde pudesse, para onde fosse. E ela seria a mais linda, com as cores mais vibrantes que ao tocar os raios solares brilhariam para além do horizonte, todos ficariam admirados pela sua beleza natural e se emocionariam quando a encontrassem nua de seus preconceitos, passando pela sua própria avenida solitária. Na ingenuidade do seu viver, a mariposa pensava que era uma borboleta.
E foi assim que ela veio ao mundo, abrindo o limitante casulo de suas ações e esperançosa sobre o caminhar pela vida que estava tão perto de alcançar, com sua força de romper barreiras indispensáveis para seu crescimento. Percebeu-se diante de tudo ao mesmo tempo, ficando assustada no início e excitada logo depois, conhecendo a primeira folha em que pousaria, era verde e leve, sentiu sua textura e sorriu para o que via. Tudo era uma novidade, por isso, foi examinando cada parte daquele miúdo mundo e se encantando com todas as diferentes sensações que descobria. Querendo mostrar suas cores vistosas foi de encontro ao sol, que estava radiante e imponente, distribuindo seus raios para todos os lados, conectando-se com todas as coisas, vivas e mortas, de um calor que parecia penetrar na alma, mesmo sem querer. De asas abertas, encontrou-se com ele no meio do céu. Suas cores escuras não refletiram sua luz, e o calor a penetrou com uma violência arrasadora que ela poderia gritar de dor, sofreu com as primeiras queimaduras que recebia em seu breve espírito aventureiro e caiu, lentamente, tentando bater suas asas e sair do inferno, procurando uma sombra, um lugar onde não sentisse mais aquilo.
A sombra de uma árvore a acolheu, lentamente deitou no chão sobre a sua proteção e ficou na mesma posição, inerte em sua mente por alguns instantes. De seu abrigo, um tédio lhe invadia e seu ser não conseguia controlar a agitação de seu corpo que se debatia querendo sair dali, querendo exercitar seus músculos cheios de energia. A única coisa que ela precisava para sair daquele lugar era a coragem, e assim o fez, encarando o sol mais uma vez. Seguia por cima da floresta a olhando com afeto, sem se importar com o calor forte que vinha do norte, resolveu ir para o sul buscar algum aspecto grandioso de um azul, de qualquer azul. Afastando-se de sua floresta onde deu seus primeiros passos, encontrou um campo aberto, aparentemente sem fim e sorriu de sua alegria infantil, inocente sem precedente, uma novidade de sua verdade, sua visão estendida para o céu percebeu várias borboletas flutuando, jogando suas cores para todos os lados, descendo até as flores espalhadas pelo campo verde e subindo até o infinito. Aproximou-se com uma excitação à flor da pele, querendo e não chegar, com medo de não agradar, com receio de seu belo olhar, porém, assim o fez. Da sua chegada, ela viu uma flor azul, quieta entre várias outras ao seu lado, e pediu a sua permissão para pousar, não obtendo nenhuma resposta, delicadamente encostou seus pés nas pétalas de sua surpresa, e contemplou seu azul, se era o azul que ela buscava? Não sabia, mas aquele azul era da cor de sua felicidade, e se perdeu dentro dela, sem tempo, sem espaço, a beijou para que não se esquecesse, uniu-se a ela sem cerimônia como se fosse a última coisa a se fazer no mundo. Logo depois, algumas borboletas vieram e lhe perguntaram o que estava fazendo, respondeu que estava sendo feliz, retrucaram dizendo que uma mariposa não podia estar naquele lugar e que ela teria que partir. Abriu uma fenda de confusão em sua cabeça, pois ela era uma borboleta e essa era uma das únicas certezas que tinha, por isso tentou argumentar com as outras, mas suas palavras não foram ouvidas e ela foi expulsa de seu paraíso.
Apenas conheci um lugar e foi para lá que ela voltou. A floresta estava do jeito como ela deixou, e o sol estava mais fraco por causa do fim do dia. Adentro-se nela, passando pelas árvores, cambaleando meio bêbada, triste pelos recentes acontecimentos e se questionando se tudo aquilo que passou valia uma lágrima de seu choro, flutuou exausta e deixou seu corpo mole cair até a beira de um lago. Viu seu reflexo no espelho da água, contornos de uma mariposa apareceram para ela, e aquela imagem feia a fez tremer e se encolher querendo um novo casulo, gritando para si mesmo que queria nascer de novo, de nascer como uma linda borboleta para viver o seu desejo de azul. Pela solidão da noite e o cansaço do dia, ela adormeceu abraçando o seu próprio corpo, protegendo-o da maldita imagem que vira, sem forças para um último sentimento e temendo que água pudesse mostrar mais do que ela poderia aguentar. Na fortaleza do seu ser, ela não seria uma mariposa.
No dia seguinte, acordou com um animo diferente, e mesmo estando traumatizada e melancólica, decidiu não ficar lamentando e parada em sua inércia tímida, projetou suas asas para alto e voou, com medo e sem astúcia, encontrou o céu novamente, escolheu sua direção contrária e seguiu em busca de outro azul, de qualquer azul. Durante sua viagem, observou uma massa cinzenta ao longe, e por causa de sua incontrolável curiosidade, viu-se obrigada a chegar mais perto. Era uma cidade e seus olhos se animaram com uma nova possibilidade. Desviava dos carros parados em algum engarrafamento, admirou-se das pessoas andando pelas ruas em um único passo, sempre na mesma nota e de uma precisão robótica, encantou-se por suas cores cinzas, brancas, marrons e pretas parecidas com as que viu no espelho da água de sua própria face. Passou entre fumaças de escape, cigarro e fábricas, banhou-se das bebidas amargas e fortes, espantou-se com as construções gigantes do centro da cidade, inquietou-se com o barulho ensurdecedor que enlouquecia seus ouvidos e riu da diferente vida que se levava por aqui.
Com os olhos atentos, percebeu uma janela aberta e um rapaz fumando atrás dela. Ele estaca usando uma camisa azul e seu rosto despreocupado e sereno representava uma aspecto menos perturbador. Aproximou-se com o mesmo instinto que carregara até ali, hipnotizada pelo azul, sem saber se aquele azul era o que ela procurava. O rapaz se assustou e recuou e gritou para sua irmã, dizendo que havia uma mariposa no recinto. Ela tentava pousar naquele azul, talvez o azul de sua felicidade e uma paz aparecia toda vez em que pensava que estava perto demais. O rapaz continuava a desviar, e a repeli-la com as mãos, nervoso, gritava cada vez mais quando sua irmã apareceu. A mariposa pousava em algum lugar e depois se lançava para o seu destino, impune e contente, confusa, mas certa de sua iniciativa. A irmã percebeu a situação e partiu para dentro da casa. Ele dizia em voz alta para a mariposa não se aproximar ou para ir embora, porém ela não escutava e continuava a abrir as asas e ir de encontro aquele azul, apenas isso e sua determinação não a deixava descansar. A irmã voltou com um inseticida e quando a mariposa fazia uma nova tentativa foi atropelada por seu jato venenoso, obrigando-a a pousar em qualquer canto. Cada vez mais, ela se sentia fraca e o veneno corria pelo o seu corpo, embriagando seus sentidos e descontrolando seus pensamentos até que ela caiu no chão. O rapaz e sua irmã se animaram com sua vitória e sucesso e foram embora deixando-a sozinha. A mariposa apenas olhou o seu azul cada vez mais distante e lembrou de todos os azuis que perseguiu, sorriu para o que vivera e fechou os olhos para o amanhã.